Plano nacional de redução de mortes e lesões no trânsito (PNATRANS) para manutenção da segurança viária enquanto direito fundamental

RESUMO

Em plena década de ações proclamadas pela Organização das Nações Unidas voltadas para a segurança no trânsito, o presente trabalho tem por objetivo analisar a linha dos Direitos Humanos no âmbito da segurança do tráfego em vias públicas, a partir das especificações contidas No Plano Nacional De Redução De Mortes E Lesões No Trânsito (PNATRANS), levando em consideração as alterações trazidas pela Emenda Constitucional n.º 82, de 2014, ao texto da Constituição Federal de 1988 e as especificações contidas na Lei do PNATRANS. Nesse caso, a Emenda que serviu de base para este estudo, em termos práticos, acabou por efetivar os direitos relacionados ao trânsito como direitos fundamentais, relacionando-os à igualdade, à segurança, à inviola­bilidade do direito à vida, à liberdade, e à propriedade, previstos no artigo 5.º da Carta Magna. Assim, a premissa deste artigo é vislumbrar as modificações legislativas mais recentes voltadas para a segurança viária, a partir da revisão bibliográfica acerca das definições legais envolvendo a segurança viária, presentes na Constituição Federal Brasileira de 1988, no Código de Trânsito Brasileiro, passando pelas alterações trazidas pela EC n.º 82/2014 para a segurança viária, finalizando na análise da Lei do PNATRANS. Ao fim do estudo, chegou-se à conclusão de que as principais modificações geradas pela referida Emenda estão relacionadas à inclusão da segurança viária como parte fundamental da Segurança Pública, aliadas à disposição das competências concernentes aos bombeiros militares e às polícias militar, civil e rodoviária, como peças-chave para a manutenção desse direito, associadas às ações do PNATRANS direcionadas para o cumprimento de metas anuais de redução de índices de mortes causadas por acidentes de trânsito. 

Palavras-chave: Segurança Viária. Constitucionalidade. Direito Fundamental.

ABSTRACT

In the middle of a decade of actions proclaimed by the United Nations focused on traffic safety, this paper aims to analyze the line of Human Rights in the field of traffic safety on public roads, based on the specifications contained in the National Reduction Plan. Of Traffic Deaths and Injuries (PNATRANS), taking into account the changes brought by Constitutional Amendment No. 82 of 2014 to the text of the Federal Constitution of 1988 and the specifications contained in the PNATRANS Law. In this case, the Amendment that served as the basis for this study, in practical terms, eventually enforced traffic rights as fundamental rights, relating them to equality, security, the inviolability of the right to life, liberty, and property, as provided for in Article 5 of the Charter. Thus, the premise of this article is to glimpse the most recent legislative changes related to road safety, from the literature review on the legal definitions involving road safety, present in the Brazilian Federal Constitution of 1988, in the Brazilian Traffic Code, passing through the amendments brought by EC No. 82/2014 for road safety, finalizing the analysis of the PNATRANS Law. At the end of the study, it was concluded that the main modifications generated by the referred Amendment are related to the inclusion of road safety as a fundamental part of Public Safety, allied to the provision of competencies concerning military firefighters and military, civil and road police. , as key elements for the maintenance of this right, associated with PNATRANS actions aimed at meeting annual targets for the reduction of death rates by group of vehicles and the death rate by group of inhabitants in the federal, state and municipal

Keywords: Road Safety. Constitutionality. Fundamental right. PNATRANS Law.

INTRODUÇÃO

Segundo a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Brasileiro, os desastres de trânsito representam um dos maiores desafios para a saúde pública brasileira, sustentando a declaração de que a institucionalização da segurança viária seria de fundamental importância para reverter esse quadro, visto que, ao incluir a educação e a engenharia de trânsito, ao lado da fiscalização, na esfera de atuação dos órgãos ou das entidades executivas de trânsito, seriam priorizados e disponibilizados os meios para a prevenção de acidentes, e não apenas a punição de infratores.

A Constituição Federal Brasileira prevê em seu texto, o trânsito seguro como sendo dever precípuo do Estado, alinhado ao direito à vida, à segurança e à dignidade humana, bem como a preocupação com direitos destinados à coletividade, como o meio ambiente, direitos que são de fato fundamentais a todos, não a um cidadão considerada a sua individualidade, sendo que, nesse aspecto, o Estado deve empenhar-se em proporcionar total condição para que os cidadãos possam usufruir plenamente de seus direitos fundamentais.

A Emenda Constitucional n.º 82, de 2014, por conseguinte, incluiu o §10 ao artigo 144 da Constituição Federal, no intuito de disciplinar a segurança viária no âmbito Municípios, dos Estados e do Distrito Federal, determinando os componentes essenciais para garantir à população o direito a uma mobilidade urbana eficaz e proveitosa.

Dessa forma, a EC Nº 82/2014, através da ação integrada dos setores da educação, engenharia e fiscalização de trânsito, concedeu-lhes caráter constitucional, definindo as responsabilidades de cada órgão envolvido nessa dinâmica, intentando à manutenção do estado de legalidade normal associada ao respeito à integridade física e patrimonial dos usuários das vias públicas.

Em razão da Década de Ação para Segurança Viária, o governo brasileiro desencadeou uma série de medidas no intuito de um plano nacional para redução de mortes no trânsito, tomando por base, além de estudos internacionais, os estudos do Comitê Nacional de Mobilização pela Saúde, Segurança e Paz no Trânsito. A finalidade principal era a de diagnosticar a situação de saúde, segurança e paz no trânsito, além de promover a articulação e definição de estratégias entre setores para a melhoria da segurança viária. No entanto, somente em 2018 foi sancionada a Lei nº 13.614, cria o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito – PNATRANS, que incluiu o artigo 326-A ao CTB, direcionando as ações dos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito (SNT) o cumprimento de metas anuais de redução de índices de mortos por grupo de veículos e de índice de mortos por grupo de habitantes no âmbito das vias federais, estaduais e municipais.

Destarte, para que o combate ao número de acidentes de trânsito seja eficaz, as políticas de segurança viária devem contar com a participação de todos os setores e a responsabilidade deve ser compartilhada entre os vários atores sociais: o Poder Executivo, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, os órgãos e entidades pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito, os setores de saúde, transporte e indústria automobilística, as organizações não governamentais e a sociedade.

2. SEGURANÇA VIÁRIA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988 prevê, expressamente, em seu artigo quinto, o direito à vida, o mais primordial dos direitos, constituindo pré-requisito à existência e ao exercício de todos os demais direitos:

“ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)” (BRASIL, 1988, p. 01)

Dessa forma, o caput do referido artigo exige que o Estado, então, assegure a vida de seus tutelados em dois aspectos distensos: através da preservação literal da vida e, também, do provimento das condições de subsistência consideradas essenciais para que essa vida seja vivida com dignidade.

O Trânsito Seguro pode ser inferido do direito à liberdade, previsto no caput do artigo quinto e, ainda, no desposto no inciso XV do mesmo artigo: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;”

Assim sendo, a obrigação do Estado de garantir e proporcionar a segurança de seus cidadãos, apresenta-se como um Direito Fundamental Implícito, decorrente do regime e dos princípios adotados pela Constituição.

A CF/88 positivou importantes direitos humanos em fundamentais, adotando como um de seus fundamentos basilares o princípio da dignidade da pessoa humana no intuito de nortear a atuação do Estado enquanto garantidor de direitos.

No entanto, no que diz respeito ao direito à vida, Alexandre de Morais (2006, p. 176) afirma que o “Estado deve assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo; e a segunda de ter vida digna quanto à subsistência”. Ainda nesse sentindo, temos o entendimento de Pedro Lenza (2011, p. 872), que assevera que o respectivo direito “abrange tanto o direito de não ser morto, privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, quanto o direito de ter uma vida digna”.

Portanto, levando-se em consideração o posicionamento desses dois autores, não se pode deixar de mencionar o fundamento III, previsto no artigo 1.º da CF/88, que é o fundamento da dignidade da pessoa humana.

É difícil atribuir um conceito objetivo ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, visto que, explicitamente, no texto constitucional, se refere somente aos aspectos específicos atinentes à existência humana, como o respeito à vida e à propriedade, mas sim de um valor que identifica o ser humano como tal. Essa compreensão infelizmente não é satisfatória por ser extremamente ampla; e, se tivéssemos um conceito mais objetivo, poderíamos torná-lo mais efetivo na nossa sociedade.

Entretanto, Starlet entende que:

“Assim sendo, tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. (STARLET, 2005, p.37)

Mudando de assunto, o direito de ir e vir está expresso na Constituição Federal de 1988, no artigo 5.º, inciso XV: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou sair com seus bens”.

Assim, o direito à circulação pode ser entendido como a manifestação característica da liberdade de deslocar-se de um ponto ao outro, de ir e vir, parar e estacionar em vias públicas, uma vez que uma das condições necessárias para o efetivo gozo do direito de locomoção é a segurança pública. Se o direito à liberdade, o de locomoção, realiza-se no espaço público chamado trânsito, para a manutenção da segurança, é imprescindível que se tenha um trânsito seguro, tido como um dos principais requisitos para conferir proteção e segurança pra a população, onde trânsito e segurança pública estão estreitamente interacionados, enquanto trata-se o trânsito de direito fundamental de segunda dimensão/geração. Partindo dessa concepção, Honorato (2011, p. 1) afirma:

“O Trânsito Seguro, como direito e dever de todos, constitui Direito Fundamental de Segunda Dimensão que precisa ser reconhecido e incorporado à cultura brasileira como instrumento de proteção à vida e respeito aos direitos fundamentais relacionados ao uso social e coletivo das vias terrestres”.

Cavalcante Filho (s.d, online), também, corrobora essa vertente, nos seguintes termos:

Baseiam-se na noção de igualdade material (=redução de desigualdades), no pressuposto de que não adianta possuir liberdade sem as condições mínimas (educação, saúde) para exercê-la. Começaram a ser conquistados após a Revolução Industrial, quando grupos de trabalhadores passaram a lutar pela categoria. Nesse caso, em vez de se negar ao Estado uma atuação, exige-se dele que preste saúde, educação etc. Trata-se, portanto, de direitos positivos (impõem ao Estado uma obrigação de fazer). Ex: saúde, educação, previdência social, lazer, segurança pública, moradia, direitos dos trabalhadores. [grifos do autor]

Assim, a segurança pública consiste em direito fundamental de segunda dimensão/geração, visto que, para o cidadão usufruir desse direito, é necessária uma prestação estatal, caracterizando um dever do Estado, especialmente no Estado Democrático de Direito, que objetiva o bem-estar social.

No entanto, a percepção do trânsito seguro enquanto direito fundamental de segunda dimensão, a ser positivado e, portanto, ofertado pelo Estado, ainda é situação ainda não reconhecida por toda a sociedade, e tal questãocorrobora para a aceitação passiva de diversas formas de ação ou omissão estatal, no que diz respeito à segurança dos cidadãos, como a que é submetida a exame no presente estudo. Em relação ao reconhecimento do trânsito seguro como direito fundamental:

“O Trânsito Seguro ainda não foi incorporado à cultura e ao modo de agir dos brasileiros; faz-se necessário, em primeiro lugar, reconhecer a existência e a natureza desse direito fundamental, de modo a evitar erros de interpretação e conclusões precipitadas”. (HONORATO, 2011, p. 1)

Destarte, em virtude de a seguridade no trânsito não ser, ainda, culturalmente, entendida ou reconhecida pelos cidadãos como instrumento de proteção à vida e, portanto, responsabilidade de cada componente do sistema chamado trânsito, faz-se necessário, primeiramente, legitimar esse direito, para que as ações voltadas para esse contexto possam partir desta premissa.

2.1 DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO

Em conformidade com os dados coletados e catalogados pela Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET, 2018), no ano de 2017, foram registrados 13.483 acidentes de trânsito, sendo 12.721 deles com vítimas lesionadas e 762 com vítimas fatais. Quanto ao total de vítimas, esses acidentes resultaram em 15.455 vítimas feridas e 797 vítimas fatais, revelando a média de um acidente com vítima fatal a cada 17 acidentes registrados. A ocorrência mais frequente, por sua vez, é a colisão (57,2%), seguida pelos atropelamentos (24%), sendo que o principal usuário que atropela é o condutor de automóvel, figurando em pouco mais da metade dos casos (52,6%).

Ainda seguindo os dados colhidos pelo CET, em 2017, os usuários mais vulneráveis da via (pedestres, ciclistas e motociclistas) corresponderam a 85,2% das fatalidades e 74,5% das vítimas feridas, sendo 49,7% dos feridos somente motociclistas. A participação majoritária desses grupos de usuários vulneráveis em qualquer tipo de acidente com vítimas evidencia a necessidade de estabelecê-los como prioridade ao adotar esforços para melhorar as condições de segurança viária.

Levando em consideração os números constantes dessa estatística, a segurança viária de faz cada vez mais necessária no âmbito da criação de políticas públicas voltadas para a mobilidade urbana e para a conservação da vida de cada componente desse sistema, com vistas à redução dos acidentes de trânsito com vítimas lesionadas e/ou fatais.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT exibe um conceito amplo sobre acidente de trânsito definindo-o: “como todo evento não premeditado que resulte dano em veículo ou na carga e/ou lesões em pessoas e/ou animais, em que pelo menos uma das partes está em movimento nas vias terrestres ou áreas abertas ao público (ABNT, 1989).

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte – DNIT, por outro lado, considera o acidente de trânsito como sendo a ocorrência resultante da perda de estabilidade de um veículo, colisão entre veículos, pedestres ou animais, com danos materiais, humanos e ao meio ambiente (BRASIL, 1997).

Segundo informações do Observatório Nacional de Segurança Viária – ONSV (2018), as três principais causas dos acidentes de trânsito estão interrelacionadas e podem ser agrupadas em “Fator Humano, Fator Veículo e Fator Via”, onde 90% dos acidentes ocorrem por falhas humanas – que vão desde a desatenção dos condutores ao desrespeito à legislação, passando por situações de imprudência e negligência, como excesso de velocidade, uso do celular, falta de equipamentos de segurança como o cinto de segurança ou capacete, o uso de bebidas antes de dirigir ou até mesmo dirigir cansado.

3. EMENDA CONSTITUCIONAL N.º 82/2014

Em 17 de julho de 2014, com a devida aprovação do Congresso Nacional, foi publicada, no Diário Oficial da União, a EC nº 82/2014, trouxe a seguinte redação:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I -  polícia federal;

II -  polícia rodoviária federal;

III -  polícia ferroviária federal;

IV -  polícias civis;

V -  polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, 2014)

A primeira alteração percebida foi a importância agora atribuída, constitucionalmente, à segurança viária, enquanto fator a ser trabalhado de forma indissociável pela segurança pública, configurando dever da administração pública, em todos os níveis federativos (União, Estados e Municípios), sendo, portanto, simultaneamente, uma prerrogativa e uma obrigação de todos os constituintes do sistema denominado trânsito.

Em relação às atribuições das funções relativas ao cargo de policial militar, observa-se que não houve nenhuma mudança ao já disposto anteriormente na Constituição, visto que o reconhecimento trazido pela referida EC à carreira dos agentes de trânsito não invalidará a atuação das Polícias Militares, na fiscalização de trânsito, que permanece como concomitante ao trabalho dos agentes conforme estabelece o artigo 23, III, do CTB.

Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:

I - (VETADO)

II - (VETADO)

III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados; (BRASIL, 1997)

Desta forma, a capacidade de policiamento ostensivo de trânsito continua sendo privativo das Polícias Militares, conforme preceitua o Anexo I do CTB: “função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes”.

A EC, portanto, levou em consideração o fato de a violência no trânsito ser uma das maiores causas de mortalidade no país, principalmente entre a faixa etária dos jovens adultos, gerando, como consequência, gastos gigantescos com saúde e previdência social, configurando, portanto, questão de saúde pública.

Por fim, tem-se a última alteração trazida pela referida emenda:

§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:

I – compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e

II – compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei. (BRASIL, 2014, p.01)

Dessa forma, observa-se que o inciso I do § 10 contém a chamada “tríade do trânsito”, que reside nas três áreas de atuação essenciais dos órgãos competentes, para que a segurança viária seja promovida com eficiência: Educação, Engenharia e Fiscalização.

O inciso II, por outro lado, fracassou ao deixar de mencionar quais órgãos e entidades da União, fazem parte, igualmente, do Sistema Nacional de Trânsito (embora já enumeradas no artigo 7º do CTB), de maneira que, embora tenha reconhecido a importância das atribuições dos agentes de trânsito, referido texto constitucional não definiu explicitamente os órgãos de segurança viária entre aqueles que compõem, propriamente, a “Segurança Pública”. Assim, os órgãos componentes da Segurança Pública continuam sendo os já anteriormente mencionados nos incisos I a V do art. 144 da Constituição: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares, rol consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal como é taxativo (numerus clausus).

Assim, apesar de a PRF já estar inclusa no rol de órgãos de Segurança pública (inciso II do caput do artigo 144 da CF), existem competências atribuídas ao órgão ou entidade executivo rodoviário diretamente ligadas à segurança viária, como a fiscalização em rodovias federais, exercida diretamente pelo DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes e, subsidiariamente, pela ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres (nos termos da Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 289/08).

Uma consequência positiva encontrada no inciso II, porém, se deu no reconhecimento da carreira de agente de trânsito, que deverá ser estruturada em Lei específica, no âmbito de cada ente federativo; de modo que os Estados e Municípios deverão regular a carreira de seus agentes de trânsito, obedecendo à disposição constitucional relativa à sua contratação, que deve ser realizada exclusivamente mediante concurso público, nos termos do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal:

“A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” (BRASIL, 1988)

Desse modo, será completamente irregular o mero credenciamento ou nomeação(frequentemente expresso por Portaria do órgão de trânsito ou Decreto do Poder Executivo), de servidores contratados para outras funções, caracterizando verdadeiro desvio de finalidade.

4. SEGURANÇA VIÁRIA E CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

Conforme preconizado no §1 do artigo 1.º do CTB (1997): “Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga”. Ou seja, devemos entender por tal disposição que trânsito é o conjunto de deslocamentos das pessoas no espaço público, considerados como bens públicos de uso comum, pelas calça­das e vias públicas, incluindo uma movimentação geral de pessoas e animais, nos mais diferentes tipos de veículos.

A garantia fundamental do direito à segurança pode ser considerado como um conjunto de garantias individuais que norteiam a construção de ferramentas aptas a aparelhar situações, limitações, proibições e procedimentos, fornecidas em grande parte pelo Estado, ou, através do próprio do cidadão, dispostos a assegurar o exercício e a fruição de determinado direito individual fundamental, que, nesse caso, seria, especificamente, a liberdade de locomoção em via pública.

A segurança no trânsito é, dessa forma, direito de todo cidadão, disposto no § 2.º do artigo 1.º do Código de Trânsito Brasileiro, estabelecendo que os órgãos e as entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito (SNT) devem assegurar, a todo cidadão, condições seguras para transitarem nas vias terrestres:

“§ 2.º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito”. (BRASIL, 1997)

Destarte, além de taxativamente exposto no CTB, o direito à segurança viária deriva diretamente do direito fundamental à segurança, estabelecido na própria Constituição Federal Brasileira de 1988, conforme assegura Santos (2008): “Já nas relações do trânsito, o direito constitucional de um trânsito seguro decorre do direito fundamental genérico da segurança, expresso nos artigos 5.º e 6.º, da nossa Constituição Federal”. A saber:

“Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)

Art. 6.º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (BRASIL, 1988, grifo do autor)  

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Arnaldo Rizzardo (2003) assevera que o direito ao trânsito seguro se encontra listado da relação dos direitos fundamentais, ressaltando, ainda, que não se trata apenas de segurança, mas sim de planejamento e de organização suficientes para defender a vida e a incolumidade física de cada indivíduo:

Dentre os direitos fundamentais, que dizem respeito à própria vida, como a cidadania, a soberania, a saúde, a liberdade, a moradia e tantos outros, proclamados no art. 5.º da Constituição Federal, está o direito ao trânsito seguro, regular, organizado, planejado, não apenas no pertinente à defesa da vida e da incolumidade física, mas também relativamente à regularidade do próprio trafegar, de modo a facilitar a condução dos veículos e a locomoção das pessoas”. (RIZZARDO, 2003, p. 29)

Para Santos (2008), esse direito é espécie do gênero direito à segurança e foi positivado por nosso legislador que, objetivando a redução da violência verificada no trânsito brasileiro, atribuiu aos órgãos e às entidades que compõem o SNT o dever de adotar as medidas indispensáveis à sua concretização:

“Dessa forma, o Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 1.º, § 2.º, erigiu o direito fundamental de um trânsito seguro, ou seja, que o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito”. (SANTOS, 2008, p. 07)

Outros aspectos abordados, visando assegurar a proteção da integridade humana e o desenvolvimento socioeconômico do País, obedecem aos seguintes princípios: assegurar aos indivíduos o pleno exercício do direito de locomoção; priorizar ações voltadas à defesa da vida, incluindo a manutenção da saúde e do meio ambiente; além de incentivar o estudo e a pesquisa orientada para a segurança, fluidez, conforto e educação para o trânsito. Assim, no seu artigo 3°, surge a seguinte redação:

“Art. 3.º A Política Nacional de Trânsito visa assegurar a proteção da integridade humana e o desenvolvimento socioeconômico do País, atendidos os seguintes princípios:

I - assegurar ao cidadão o pleno exercício do direito de locomoção;

II - priorizar ações à defesa da vida, incluindo a preservação da saúde e do meio ambiente; e

III – incentivar o estudo e a pesquisa orientada para a segurança, fluidez, conforto e educação para o trânsito.”

Finalmente, a Política Nacional de Trânsito ainda apresenta cinco objetivos primordiais no âmbito da segurança do trânsito: promover a melhoria da segurança viária; aprimorar a educação para a cidadania no trânsito; garantir a melhoria das condições de mobilidade urbana e viária, a acessibilidade e a qualidade ambiental; fortalecer o SNT; e incrementar o planejamento e a gestão o trânsito.

5 PLANO NACIONAL DE REDUÇÃO DE MORTES E LESÕES NO TRÂNSITO (PNATRANS) 

O intuito da criação do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS) é, prioritariamente, o de preservar vidas, visto que os acidentes no trânsito constituem uma das maiores causas de mortes no mundo. Mortes essas que podem ser evitadas com medidas efetivas e políticas públicas voltadas para ações de educação, engenharia e fiscalização de trânsito. Outrossim, o Plano também se constitui como um passo adiante na resolução de problemas relacionados à infraestrutura viária brasileira, organização e alinhamento dos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), mobilidade urbana, convivência pacífica entre pedestres, ciclistas, motociclistas, entre outros aspectos.

A vigência do Plano é de dez anos, com a meta de reduzir, pelo menos, à metade, o índice nacional de mortos por grupo de veículos e o índice nacional de mortos por grupo de habitantes, assim como a revisão e a exposição das ações, dos projetos ou dos programas, anualmente, conforme determina a Lei do PNATRANS.

Por fim, o PNATRANS reconhece o impacto que os acidentes de trânsito causam à sociedade, não apenas financeiro, mas humano, tornando-se uma ferramenta de diagnóstico dos problemas e das soluções que cada um dos órgãos de trânsito, de todas as esferas, se propuseram a debater e a colocar em prática.

O Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito incluiu o artigo 326-A ao CTB de forma que as ações dos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito (SNT) fossem direcionadas para o cumprimento de metas anuais de redução de índices de mortos por grupo de veículos e de índice de mortos por grupo de habitantes no âmbito das vias federais, estaduais e municipais.

O artigo 326, passou a contar com a seguinte redação:

Art. 326-A. A atuação dos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, no que se refere à política de segurança no trânsito, deverá voltar-se prioritariamente para o cumprimento de metas anuais de redução de índice de mortos por grupo de veículos e de índice de mortos por grupo de habitantes, ambos apurados por Estado e por ano, detalhando-se os dados levantados e as ações realizadas por vias federais, estaduais e municipais.

§ 1o O objetivo geral do estabelecimento de metas é, ao final do prazo de dez anos, reduzir à metade, no mínimo, o índice nacional de mortos por grupo de veículos e o índice nacional de mortos por grupo de habitantes, relativamente aos índices apurados no ano da entrada em vigor da lei que cria o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans).

(...)

7o As metas fixadas serão divulgadas em setembro, durante a Semana Nacional de Trânsito, assim como o desempenho, absoluto e relativo, de cada Estado e do Distrito Federal no cumprimento das metas vigentes no ano anterior, detalhados os dados levantados e as ações realizadas por vias federais, estaduais e municipais, devendo tais informações permanecer à disposição do público na rede mundial de computadores, em sítio eletrônico do órgão máximo executivo de trânsito da União. (BRASIL, 2018, p. 01)

O objetivo geral do estabelecimento de metas é, ao final do prazo de dez anos, reduzir à metade (50%), no mínimo, o índice nacional de mortos por grupo de veículos e o índice nacional de mortos por grupo de habitantes, diferentemente das metas estabelecidas pela ONU, que visam à redução do número absoluto de mortes, o que significa uma inovação . Para tanto, o CONTRAN, tendo como base as propostas e os planos apresentados pela Polícia Rodoviária Federal, os Conselhos Estaduais de Trânsito dos Estados e do Distrito Federal, fixou as metas, os índices anuais e as diretrizes gerais para as ações dos órgãos no âmbito de suas respectivas circunscrições.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta da presente pesquisa foi analisar as atualizações legislativas relacionadas à segurança viária, no âmbito da segurança pública, ante as disposições existentes na Constituição Federal Brasileira Vigente, juntamente com a análise de legislações posteriores derivadas, como o Código de Trânsito Brasileiro, a Ec n° 82/2014 e a Lei do PNATRANS, de 2018.

Conforme verificado, ficou óbvio que o trânsito seguro é considerado parte essencial do direito à vida, à dignidade humana, à segurança, assim como aos direitos de locomoção, de liberdade e, consequentemente, direito fundamental consagrado no caput do art. 5.º da CF/88.

Ao privilegiar não só a punição de infratores, mas também a prevenção de acidentes, a Constituição, ao ser emendada pela EC n.º 82/2014, em seu artigo 144, §10, trouxe um conceito atual e abrangente de segurança para o trânsito, definindo um padrão mínimo de atribuições a serem exercidas pelos órgãos responsáveis pela segurança viária, visando a manutenção da ordem pública, bem como a integridade física e o direito à propriedade nas vias públicas, a partir de ações que envolvendo os setores da educação, da engenharia e da fiscalização de trânsito, bem como as demais atividades previstas em lei, que busquem proporcionar à sociedade como um todo, o acesso à mobilidade urbana eficiente.

Ao priorizar a prevenção de acidentes, por meio das ações de educação, engenharia e fiscalização, a Emenda Constitucional n.º 82/2014, não só ampliou como, também, atualizou a concepção de segurança viária, inserindo-a no âmbito da segurança pública, ao discipliná-la no §10 do art. 144 da Constituição Federal de 1988. Logo, de forma semelhante, a segurança viária configura não só dever do Estado, mas também uma salvaguarda e, ao mesmo tempo, uma obrigação de todos, sendo imprescindível a participação social na constituição de um trânsito mais seguro.

A Lei do PNATRANS, por sua vez, foi criada pela Lei 13.614/2018, com o objetivo de reduzir pela metade, num prazo de dez anos, o índice de mortes no trânsito.  A meta deverá ser atingida através do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (PNATRANS). O PNATRANS será elaborado em conjunto pelos órgãos de saúde, de trânsito, de transporte e de justiça, contendo os mecanismos de participação da sociedade no atingimento das metas; a divulgação via internet de balanço anual com ações e procedimentos de fiscalização, metas e prazos; e a previsão de campanhas de conscientização da população.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______. Lei Nº 13.614, de 11 de janeiro de 2018. LEI DO PNATRANS. Cria o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans) e acrescenta dispositivo à Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), para dispor sobre regime de metas de redução de índice de mortos no trânsito por grupos de habitantes e de índice de mortos no trânsito por grupos de veículos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015

-2018/2018/Lei/L13614.htm. Acesso em 29 de julho de 2019.

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Data da conclusão/última revisão: 1/8/2019

 

 

 

Rui da Silva Monteiro e Rubens Alves da Silva.

Rui da Silva Monteiro: Graduando do Curso Superior de Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA.

Rubens Alves da SIlva: Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas, FDSM, Brasil.