RESUMO

Com o avanço tecnológico e o desenvolvimento da internet, surgiram fatores que beneficiaram e outros que prejudicaram a vida das pessoas. Dois fatores que atualmente merecem destaque por relativizar a privacidade é a divulgação e acesso contínuos a dados pessoais e a imortalidade dos fatos. Na busca de minimizar os impactos, surge o direito ao esquecimento, que visa assegurar o princípio da inviolabilidade da vida privada. O direito ao esquecimento é tema ainda pouco estudado no direito brasileiro, porém tem despertado o interesse da comunidade jurídica, razão pela qual o objetivo deste estudo é evidenciar a discussão sobre a colisão entre princípios constitucionais, como o direito de liberdade de expressão, o direito da informação e o direito da personalidade, trabalhando em benefício da dignidade da pessoa humana. Visando alcançar os objetivos propostos foi utilizado o método descritivo-analítico, bibliográfico integrativo, com revisão de literatura específica e análise documental, realizando um estudo qualitativo com caráter exploratório objetivando obter a melhor solução para a problemática em questão.

Palavras-chave: Colisão de Princípios; Direito ao Esquecimento; Ponderação.

 

INTRODUÇÃO

Com as mudanças sociais, diversas tecnologias foram surgindo, entre elas a internet que é considerada a ferramenta que mais dissemina notícias e informações pelo mundo em questão de segundos. Essa facilidade de acesso às informações em poucos cliques tornou-se uma conquista, mas também, por outro lado, um desafio que gera insegurança e desconforto aos que têm acesso à rede internacional de computadores, uma vez que, expõe praticamente tudo sobre os fatos que ocorreram no passado dos usuários.

Ao disponibilizarem as notícias em site de informação ou em redes sociais, a internet permite que os fatos se cristalizem e permaneçam à disposição das pessoas. Assim, fatos pretéritos podem surgir com certa atualidade a partir de buscas simples.

Nesse sentido, há a constante lembrança do que de bom e de ruim ocorreu na história das sociedades, empresas, e cidadãos. Logo, há que se questionar sobre a “eterna” punição social diante de comportamentos ocorridos no passado e que possam ser considerados como reprováveis pela sociedade sejam por aspectos valorativos ou pela própria legislação vigente no momento do fato.

Assim, em uma sociedade democrática, o direito ao esquecimento evidencia-se em razão da sua aplicabilidade perante princípios fundamentais, gerando conflitos entre o direito à liberdade de expressão e o direito da personalidade, que está ligado diretamente com a dignidade da pessoa humana. Por ser considerado um tema novo e ainda desconhecido pela maioria da população, existe uma escassez de doutrina e jurisprudência sobre o Direito ao Esquecimento.

Esse fator evidencia a necessidade de investigar o Direito em questão, suas relações com os princípios basilares do Estado Democrático Brasileiro e, sobretudo, a relevância social dessa discussão.

Por esta razão, esta pesquisa investigará preliminarmente três tópicos principais: no primeiro tópico será realizada uma recapitulação histórica da origem e o conceito do direito ao esquecimento; o segundo tratará da interação entre a liberdade de expressão e o direito ao esquecimento; e por último, no terceiro tópico, será observada a proteção jurídica quanto à aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera jurídica.

 

1 CONCEITO E HISTORICIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO

É primordial, para o entendimento da origem histórica do direito ao esquecimento a citação do “direito estrangeiro”, uma vez que abarca uma trajetória internacional de julgados e diretrizes que contribuíram na fundamentação de decisões dos tribunais em prol do reconhecimento do direito ao esquecimento.

Apesar de não ter havido referência específica ao direito ao esquecimento, o caso emblemático conhecido como “Melvin versus Reid” ocorrido nos Estados Unidos, foi um dos primeiros em que a Corte priorizou o direito de reabilitação. O caso trata da produção de um filme intitulado “Red Kimono”, em 1931, que tinha como personagem principal uma meretriz que foi acusada de cometer assassinato. (MORAES, 2018)

Consequentemente, a mídia e as pessoas próximas a Gabriele Darley a associaram a protagonista, que acabou tendo sua privacidade destruída. A cidadã em questão processou o produtor do filme, que, embora se mudando para uma cidade pequena continuou a ser perseguida pela imprensa. Gabriele afirmou que já havia sido absolvida e a sua vida era totalmente diferente daquela época, merecendo o direito de ser esquecida.

O direito ao esquecimento não possui uma definição universal, mas os termos existentes são análogos, consistindo no direito que o indivíduo possui de não aceitar as informações pessoais, mesmo que verdadeiras, sejam evidenciadas para a população em geral, podendo provocar sofrimento e perturbações à honra objetiva. Também pode ser reconhecido como “direito de ser deixado em paz” ou “direito de estar só”, envolvendo a viabilidade das informações indesejadas não serem disponibilizadas ao domínio público.

A sociedade atual é caracterizada pela abundância de informações midiáticas e a velocidade com que essas notícias alastram-se entre as pessoas, considerando-se um grande salto para um futuro, porém o lado negativo desse fato é que ocorre uma exacerbada difusão de informações que envolvem a vida privada dos indivíduos.

Através do desenvolvimento dos meios de comunicação, principalmente quando observa-se a imensidão da internet, algumas pessoas que tiveram seu passado expostos de forma grosseira, estão pedindo o esquecimento de dados que atingem a privacidade. Acontecimentos pretéritos da intimidade do sujeito voltariam ao conhecimento da população, trazendo prejuízos eternos e incalculáveis para a sua vida.

Torna-se necessária a previsão de um instituto que seja capaz de determinar a propagação de informação fictícia ou não, e a proteção de rememoração indevida de fatos passados e consolidados, que já não tenham interesse público.

De acordo com Sierra (2013), o direito ao esquecimento tem sua raiz no princípio da dignidade da pessoa humana, tratando-se de uma espécie de direito da personalidade que somente foi reconhecido e admitido no ordenamento jurídico brasileiro com a edição do Enunciado 531/2013 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal (CJF), no qual dispõe sobre a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade de informação.  A respeito da edição do Enunciado 531 supracitado, indispensável se faz seu registro na íntegra

Enunciado 531 –A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

Artigo: 11 do Código Civil

Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados (BRASIL, 2013, s/p).

O enunciado em si não possui força de norma para tornar obrigatório o seu mandamento, porém é capaz de nortear o pensamento sobre o direito ao esquecimento, no sentido de resguardar o direito de eliminar o conteúdo sobre o fato que digam respeito à vida privada do indivíduo dos meios de comunicação. (MORAES, 2018)

É inquestionável que por meio da internet, existiu um avanço imenso quando se trata de divulgar informações, não sendo capaz de pensar em um futuro sem as facilidades que essa revolução trouxe. Contudo, necessário se faz refletir sobre a forma como isso vem sendo feito e até que ponto essas regalias prejudicariam a busca pela paz de espírito, que o direito de ser deixado só, proporciona.

 

2 LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO VERSUS DIREITO AO ESQUECIMENTO

A Carta Magna em seu bojo assegura os direitos fundamentais essenciais para os indivíduos, entre eles o direito à liberdade de expressão, que segundo Mendes e Branco (2012, p. 298) “a liberdade de expressão é um dos mais relevantes e preciosos direitos fundamentais, correspondendo a uma das mais antigas reinvindicações dos homens de todos os tempos”, sendo de fundamental importância para o exercício da cidadania.

A mencionada liberdade não é necessariamente caracterizada pelo direito de expressão, mas também pelo de se abster. Em comparação com a sociedade do início do século XX, em que os indivíduos tinham seus direitos a liberdade velados, nos dias atuais, a exposição da vida privada tomou proporções inimagináveis e o direito de se abster acabou sendo relativizado pela era digital.

O impacto tecnológico foi bem sentido pela sociedade brasileira, tanto que os parâmetros de divulgação da informação antes, estritamente impressos, tornaram-se majoritariamente digitais, dando espaço à informação instantânea e menos dispendiosa. (MORAES, 2018, p.26)

O direito à informação está garantido pela Carta Constitucional em seu art. 5º, incs. XIV e XXXIII, conduzindo a liberdade de expressão do pensamento e o acesso à informação, junto com o art. 220 também da CRFB.

Art. 5º [...]

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

[...]

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. (BRASIL, 1988, s/p)

Referindo-se aos meios de comunicação social, bem como a liberdade de imprensa a Constituição aborda que:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. (BRASIL, 1988, s/p)

Observa-se o realce da liberdade de informar e de ser informado, enaltecendo o poder que o indivíduo tem para ter informações a seu respeito, tal como a oportunidade de retificá-las. A proibição da censura em qualquer grau e seja qual for o veículo de interlocução social, que é uma qualidade vital para um país democrático.

Assim a função de levar informações do que acontece diariamente à população, está nas mãos das emissoras de comunicação, seja por meio do rádio, da televisão ou da internet, que indiscutivelmente trouxe um desenvolvimento magnífico nas novas tecnologias para sociedade moderna. (MORAES, 2018).

Devido a essa celeridade e eficácia das notícias, muitos acontecimentos chegam ao conhecimento da população de forma distorcida, sendo que a informação a ser divulgada necessita ser o mais próximo possível da verdade dos fatos. A informação que a Lei Maior defende é a informação verdadeira, isto é, a que melhor se assemelha ao fato ocorrido.

A divulgação deliberada de uma notícia falsa, em detrimento do direito de personalidade de outrem, não constitui direito fundamental do emissor. Os veículos de comunicação têm o dever de apurar, com boa fé e dentro dos critérios da razoabilidade, a correção do fato a qual darão publicidade. É bem de ver, no entanto, que não se trata de uma verdade objetiva, mas subjetiva, subordinada a um juízo de plausibilidade e ao ponto de observação de quem a divulga. (BARROSO, 2004, p.25)

O direito à informação tem limites bem traçados, pois quando o direito de informar colidir com direitos fundamentais inerentes à personalidade, um deles deve ser relativizado a depender do caso. O ideal é que no momento da análise do caso concreto, o teórico busque certa maleabilidade, observando o contexto social e temporal em que o fato concreto ocorre. Não se tratando apenas da aplicação da norma, como também a velocidade com que a notícia é disseminada pelos meios tecnológicos e os danos causados ao indivíduo.

É inegável que os direitos ao pensamento e à liberdade são de suma importância para todos os indivíduos, no entanto, é incompreensível que nas atuais legislações não exista nada que diz respeito ao direito ao esquecimento.

 

2.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO AO ESQUECIMENTO

O princípio da dignidade da pessoa humana constitui exatamente o valor absoluto de cada ser humano, sendo considerado intransferível e base de todo o sistema dos direitos fundamentais, além de auxiliar na interpretação das demais garantias. Em consequência do seu aspecto multidisciplinar, não se encontra apenas no direito, bem como na política, filosofia e religião. A doutrina reconhece de forma unânime a dignidade da pessoa humana como um pressuposto a qualquer regime constitucional e democrático.

Assim como explica Barroso e Barcellos (2003), a dignidade da pessoa humana é a alma dos direitos fundamentais e que através dela que o ser humano alcança proteções físicas e morais.

Dessa forma, a dignidade da pessoa humana traz consigo o dever de zelar por cada direito fundamental para que não ocorra violação dos demais direitos constitucionais, assim como afirma Gonçalves (2012) este princípio é a chave mestra para proteger todos os demais direitos fundamentais da Constituição, auxiliando na defesa de todos os direitos da personalidade.

O chamado direito civil-constitucional aflorou nas últimas décadas diante dos civilistas brasileiros, defendendo a necessidade da contínua leitura do direito civil à luz da Carta Magna, bem como a inevitabilidade de uma atual percepção dos institutos de direito privado, sob a ótica de uma nova ordem constitucional ainda que inseridos em órbita própria e distinta.

As lembranças e o direito de informar e de ser informado fazem parte da nossa vida, e por essa razão, surgem indagações de até onde esse direito pode interferir no tempo, na história e na vida das pessoas. Ao analisar as possíveis respostas, fica evidenciado o reconhecimento do direito ao esquecimento como espécie do direito da personalidade e garantidor da proteção à dignidade humana.

Diante da relação direta e indireta do direito ao esquecimento e o princípio da dignidade da pessoa humana, é possível comprovar que o Estado possui o dever-direito de garantir uma vida livre e digna, sem a preocupação de que fatos ocorridos no passado ou no presente sejam expostos, acarretando sofrimentos.

É evidente que o direito da dignidade da pessoa humana é o pontapé inicial para o desenvolvimento do direito da personalidade, que são direitos subjetivos particulares, para intensificar a compreensão de que o respeito aos indivíduos é obrigatório contra qualquer ato privado que moleste a dignidade intransferível da pessoa. Estão caracterizados como direito à honra, à imagem, à intimidade, à integridade física, à vida, à saúde, à liberdade, entre outros.

Destaca-se informar que o direito da personalidade que será tratado neste trabalho, diz respeito a dignidade moral do indivíduo, pois para o direito ao esquecimento a publicação e republicação de notícias ou até mesmo crimes que ocorreram no passado, atinge a intimidade e a imagem do indivíduo que está tentando se ressocializar, ou de terceiros envolvidos direta ou indiretamente.

É inegável que o direito ao esquecimento não garante ao indivíduo que sua própria história seja apagada, mas proporciona a possibilidade dessas informações serem esclarecidas, que seja exposta a finalidade da notícia e que não seja explorado por períodos ilimitados. Consequentemente, o direito ao esquecimento acaba sendo reconhecido nas jurisprudências do ordenamento jurídico brasileiro.

 

2.2 DIREITO DA PERSONALIDADE

Os direitos da personalidade são uma categoria especial de direitos, distinguindo-se dos obrigacionais e reais, uma vez que pretendem proteger o íntimo da pessoa. Através do Código Civil vigente que consolidou esse ponto de vista ao superar a ideia patrimonialista, por uma mais valorativa e humanista, de acordo com o Enunciado 274 do Conselho de Justiça Federal, baseada na cláusula geral da dignidade. Diferente dos direitos patrimoniais, esses asseguram a própria personalidade, pois possuem como finalidade a garantia ao modo de ser, físico ou moral dos indivíduos.

Os direitos da personalidade são aqueles direitos subjetivos mais essenciais à pessoa, considerando aspectos de ordem física, moral e intelectual. São direitos que constituem o núcleo mais profundo da personalidade e, portanto, são considerados essenciais e, por que não, fundamentais. (MORAES, 2018, p.34).

O interesse de proteção de tais peculiaridades tem origem romana, no período clássico grego. Assim com o posterior desenvolvimento de ideias advindas da filosofia, a tutela da personalidade, que antes se limitava à área penal, ampliou-se visando o direito geral da personalidade que é a igualdade entre as pessoas. Em virtude de compor o caráter mais primordial do indivíduo, é válido acreditar que os direitos da personalidade são o núcleo dos direitos fundamentais.

Os intitulados direitos especiais de personalidade enunciados no Código Civil Brasileiro nos artigos 11 a 21 seriam espécies inerentes de repetidos relatos de ofensa a atributos da dignidade. A interpretação desse rol de direitos, busca a todo instante fundamentos na Constituição, que está no centro de todo o sistema jurídico brasileiro refletindo seus valores a todo o ordenamento. A Carta Magna não é apenas padrão de validade a todas as normas que a são subordinadas, mas também como mecanismo de análise de todo o sistema.

Dessa forma, a apreciação dada ao direito da personalidade não deve se limitar apenas aos artigos do Código Civil e muito menos a personalidade exclusivamente à competência de seu proprietário de ser sujeito de direitos e obrigações. Cumpre salientar um fundamento constitucional a essa categoria de direitos.

Além disso, deve-se destacar que os direitos acima mencionados representam expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, revelando que são derivados diretamente do princípio da dignidade humana. Dessa forma, não podem ser considerados interesses apenas patrimoniais ou ligados a capacidade jurídica, sendo considerados bens jurídicos imateriais.

Consequentemente o direito ao esquecimento pode ser considerado um direito da personalidade, visto que integra direitos como honra, privacidade, nome e imagem. No entanto, ele pode ser considerado um direito da personalidade autônomo, devido as suas características próprias.

A proteção do direito a personalidade é de suma importância em razão da vida em sociedade e a propagação da informação que é incontrolável, não existindo espaço e limite entre a vida privada e a pública.  Sendo assim, a aparição de novos direitos e interpretações de normas jurídicas existentes, de acordo com o Enunciado nº 274, de 2013, da IV Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, determina que os direitos privativos da personalidade são meramente exemplificativos, tendo a possibilidade de admitir outros direitos decorrentes da personalidade que não estejam previstos em lei, como por exemplo o direito ao esquecimento.

274 — Art. 11: Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação (BRASIL, 2013, s/p).

O enunciado procurou englobar o direito da personalidade na cláusula geral da dignidade da pessoa humana, em busca de evitar a colisão desses direitos, que resta comprovado que estão interligados com o direito da privacidade. Segundo Mendes e Branco (2012), o Supremo Tribunal Federal ao analisar o conjunto de fatores que compõe o caso concreto, está utilizando o princípio da proporcionalidade como “lei da ponderação”, assim como havia sido previsto.

 

3 PROTEÇÃO JURÍDICA E APLICABILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO, EM FACE DA COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Os princípios são diretrizes para que os bens jurídicos sejam protegidos da melhor forma possível. Caso ocorra divergências entre eles, é recomendável buscar pela conciliação ou sendo possível aplica-los de formas diferentes, a depender do caso concreto.

Fala-se em colisão entre direitos fundamentais quando se identifica conflito decorrente do exercício de direitos individuais por diferentes titulares. A colisão pode decorrer, igualmente, de conflito entre direitos individuais do titular e bens jurídicos da comunidade (MENDES; BRANCO, 2012, p. 268).

Ainda de acordo com os autores, a notícia sobre a vida de alguém pode colocar em discussão o direito de liberdade de expressão e afetar o direito da personalidade. Via de regra, os dois direitos são considerados como direitos fundamentais, porém para sanar o conflito necessita-se da análise de cada caso existente, observando sempre os interesses de cada um.

O direito ao esquecimento tem papel fundamental nesse caso, pois exprime um refreamento à liberdade de expressão, definindo que algumas informações ou até mesmo o nome dos envolvidos não sejam expostos ou vinculados a casos que possa acarretar transtornos. Como é considerado uma espécie de direito fundamental e direito da personalidade, fica evidente a necessidade de restrição de um direito em face de outro, que segundo Cassol (2015) surgiu um conflito de interesses entre o direito da sociedade de ter um fato passado relembrado e o direito de não ser importunado ao longo da vida por um fato passado.

Em casos de conflito, resta ao Poder Judiciário ponderar sobre os direitos, visando sempre demonstrar os critérios que irá utilizar no caso concreto para chegar a uma decisão justa de qual direito sobressai sobre o outro. A ponderação carrega a ideia de que os princípios constitucionais conseguem ter alcances subjetivos múltiplos. Entretanto, a divulgação de dados íntimos de um indivíduo que não depende profissionalmente da imagem pública e não está no meio da ocorrência socialmente relevante, pode acarretar na não justificação da intervenção da imprensa sobre sua intimidade.

Assim, o direito à privacidade, prima facie, impede que se divulguem dados não autorizados acerca de uma pessoa a terceiros. Esse direito, porém, pode ceder, em certas ocasiões, a um valor, como a liberdade de expressão, que, no caso concreto, se revele preponderante, segundo um juízo de prudência (MENDES; BRANCO, 2012, p. 210 - 211).

O essencial é aplicar uma técnica de ponderação que visa decidir critérios de ordenação para não ocorrer injustiças e muito menos insegurança jurídica (BARROSO, 2010). Na primeira fase da ponderação compete ao julgador identificar no ordenamento jurídico as normas que aplicam ao caso concreto pontuando os conflitos existentes. Na segunda fase cabe a análise dos fatos, as condições concretas do caso e a sua ligação com os elementos da norma. Além disso, visa descobrir se os reflexos sobre as normas encontradas na primeira fase apontando de forma clara o papel de cada uma e a sua extensão, permitindo descobrir o que pode ser abrangido pela proteção constitucional.

Na última fase é apreciada a decisão, as diferentes normas e a repercussão dos fatos do acontecimento em si, serão analisadas em totalidade colocando os pesos a serem outorgados aos elementos em discussão. Dessa forma, um direito fundamental necessitará de um peso maior, prevalecendo em detrimento de outro direito fundamental que será pacificado.

A solução nem sempre é de fácil consentimento, como afirma Cassol (2015, p. 34), “em determinados casos, principalmente em eventos que atingiram grande repercussão é praticamente impossível divulgar os fatos sem abordar os personagens envolvidos”. Além do mais, quando se aplica o direito de ser esquecido na internet, percebemos a dificuldade de controle para assegurar que as informações não acabem disseminadas.

Averigua-se que os parâmetros para a resolução dessas dúvidas dependem da percepção do operador jurídico e da pontualidade aos valores essenciais na busca de soluções justas e pacificadas, acautelando-se para a realização dos valores amparados pela Carta Magna. As decisões são diversas tanto no sentido de resguardar a pretensão dos indivíduos considerando o seu direito ao esquecimento, quanto ao contrário aceitando que alguns fatos possam ser novamente publicados.

É evidenciada a dificuldade da construção de uma definição quanto aos limites do direito ao esquecimento, sendo considerada a colisão entre as normas constitucionais observando o caso concreto e fazendo uso das técnicas ora expostas.

 

3.1 CASO DO REsp 1.334.097/RJ CHACINA DA CANDELÁRIA

Em 23 de Julho de 1993, na Igreja da Candelária, situada no Rio de Janeiro, policiais abriram fogo contra mais de 40 pessoas, sendo a maioria adolescentes que dormiam nas proximidades da igreja. Dentre as vítimas, seis menores e dois maiores de idade morreram, e várias crianças e adolescentes ficaram feridos. Três policiais foram condenados pelo crime e dois foram absolvidos, inclusive o serralheiro de nome Jurandir. (LUCENA, 2015)

Segundo investigações, a chacina aconteceu devido a um episódio de vandalismo praticado por alguns meninos de rua que, na tarde anterior, jogaram uma pedra no carro da polícia quebrando o vidro e ferindo superficialmente um dos policiais, após um deles ter sido detido.

Jurandir foi acusado como partícipe do crime, e só após três anos preso, foi submetido a Júri e por unanimidade foi absolvido por negativa de autoria. Depois de quase quinze anos, o programa da TV Globo, Linha Direta Justiça, buscou contato com o senhor Jurandir, que recusou a dar entrevista e não autorizou a disseminação de sua imagem. Contudo o programa foi ao ar em 2006, fazendo com que o mesmo acabasse sendo visto como homicida de crianças.

Em consequência do uso de imagem inadequada feito pelo programa com a transmissão do nome de Jurandir reavivou o ódio social contra si, necessitando distancia-se do meio de coabitação social. Além disso, a recordação do crime envergonhou e humilhou o autor e seus familiares, que vieram a sofrer ameaças e ter o seu local de trabalho destruído pela população, carecendo mudar-se na investida de reconstruir a sua vida.

Dessa forma, o serralheiro, entrou com o pedido de indenização por danos morais, em desfavor da emissora de televisão. Sendo que, uma das características principais desse programa era veicular, mediante dramatização, crimes conhecidos que ocorreram no país.

Em 28 de maio de 2013, o caso foi analisado, em sede de Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça. Com unanimidade de votos, os relatores reconheceram o direito de ser deixado em paz.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA CANDELÁRIA. REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO. VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO COMPARADO.  (Resp. 1334097/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013)

Com essa decisão, o caso da Chacina da Candelária, correspondeu ao primeiro episódio no qual foi assegurada a tese do direito ao esquecimento. A matéria, que não é pautada na legislação brasileira, tem sido motivo de ampla discussão no Judiciário, assim esse julgado marcante consegue dimensionar a relevância do tema para o ordenamento jurídico pátrio. (MORAES, 2018).

O voto do ministro relator, versa sobre a autêntica relevância do “querer ocultar-se”, e, por outro lado, o não menos legítimo interesse de se “fazer revelar”, evidenciando argumentos valiosos para a aplicabilidade do direito ao esquecimento frente aos princípios constitucionais. Expondo que a imprensa precisa ter um compromisso ético ao transmitir uma notícia, sendo da forma mais coerente e próxima da verdade dos fatos, respeitando os direitos constitucionais, não emitindo apenas boatos.

Em acréscimo à lição trazida, vale lembrar que nenhum direito constitucional é de aplicação absoluta, ou seja, não se pode falar em prevalência de um direito em detrimento do outro quando em conflito. Deve haver uma harmonização baseada no interesse das partes em cada caso concreto, posto que existem casos em que a liberdade de imprensa se faz mais importante, e então é aplicada, assim como há casos em que o interesse íntimo, particular do indivíduo, deve prevalecer (MORAES, 2018, p.69).

Para o caso em questão, o Superior Tribunal de Justiça, preferiu privilegiar elucidações que protegem à pessoa humana, e já que o direito de ser esquecido sucede do princípio da dignidade da pessoa humana, que por sua vez engloba o direito da personalidade, o veredito foi de acolher o direito ao esquecimento. Diante do acolhimento, esse direito não atenta contra liberdade de expressão e de impressa, apenas converte em uma medida de proteção apropriada ao caso concreto.

O fato retratado pelo programa de televisão foi relevante para a história, bem como para a sociedade brasileira, todavia os fatos a serem relembrados devem ser referentes à proteção da memória social para um mundo mais justo, separando o interesse público meramente especulativo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho, foi possível descrever e compreender do que se trata o direito ao esquecimento, disposto no ordenamento constitucional derivado da dignidade da pessoa humana e do direito a personalidade, que objetiva a proteção da rememoração indevida de fatos pretéritos que já não tenha qualquer interesse público ou atualidade.

Tal direito, quando examinado no caso concreto, entra em conflito com o direito fundamental à liberdade de expressão e informação, que também é protegido pela Constituição, criando um conflito entre princípios constitucionais de vasta importância. Consequentemente, como forma de solucionar o conflito, temos a técnica da ponderação que consiste em avaliar o peso que deve ser dado a norma jurídica em cada caso concreto, partindo da premissa de que não há direito absoluto. Essa técnica é recomendada para os casos em que há colisão entre normas jurídicas de mesma hierarquia.

Ao utilizar a técnica da ponderação, é provável encontrar a solução mais adequada para cada conflito, de forma distinta, analisando especificidade do caso concreto, como se viu no caso da Chacina da Candelária. Em tal caso, foi reconhecida a aplicação do direito ao esquecimento com os argumentos de que o programa poderia ter ido ao ar sem citar o nome do requerente, não havendo interesse público que justificasse a exibição do caso e ferindo o íntimo do requerente, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que deveria ser empregado o que prevê o Enunciado 531 do Conselho Nacional de Justiça.

Em síntese, busca-se placitude, a valorização da intimidade e a possibilidade de impedir qualquer divulgação indevida. Não se afirmando que o direito à vida privada, à intimidade, à honra e à imagem sempre prevalecerão, uma vez que, a depender das circunstâncias que ocorram outros eventos, a liberdade de expressão e informação, protegida pelo Estado Democrático de Direito, poderá antepor-se os direitos da personalidade.

 

REFERÊNCIAS

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__________. BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v.1, n.235, p.1-36, jan./mar.2004, p.25. Disponível em: Acessado em: 06 nov. 2019.

BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Disponível em: pdf> Acessado em: 30 out. 2018.

BRASIL. Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. VI Jornada de Direito Civil. Enunciado n. 531. A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Coordenador Geral Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Disponível em: Acessado em: 26 out. 2018.

_          . Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. VI Jornada de Direito Civil. Enunciado n. 274. Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana) Coordenador Geral Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Disponível em: Acessado em: 26 out. 2018.

___________. BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988.  Disponível em: Acessado em: 04 nov. 2019.

CASSOL, Luiza de Bairros. O direito ao esquecimento na era da sociedade da informação: reflexos oriundos do enunciado 531 da “VI jornada de direito civil brasileira”. Disponível em: 20Cassol_Monografia%20de%20Gradua%C3%A7%C3%A3o.pdf?sequence=1 &isAllowed=y> Acessado em: 05 nov. 2018.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume I: parte geral -

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LUCENA, Marcelo. Direito ao Esquecimento: O caso da Chacina da Candelária REsp 1.334.097 – RJ. Acessado em: 23 out 2019.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.

MORAES, Melina Ferracini de. Direito ao esquecimento na Internet: das decisões judiciais no Brasil. – Curitiba: Juruá, 2018.

Resp. 1334097/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013. Disponível em: Acessado em: 24 out. 2019.

SIERRA, Joana de Souza. Um estudo de caso: o direito ao esquecimento contra a liberdade de imprensa. Acessado em: 20 out. 2018.

Data da conclusão/última revisão: 17/11/2019

 

Como citar o texto:

CARLOS, Nara Alves; CORREIA, Emanuelle Araújo..O surgimento do direito ao esquecimento e a sua relação com a liberdade de expressão. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1672. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/4642/o-surgimento-direito-ao-esquecimento-relacao-com-liberdade-expressao. Acesso em 6 dez. 2019.

Importante:

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