O Princípio da Livre Iniciativa
Os princípios constitucionais, são um conjunto de normas que fundamentam todas as demais normas do nosso Ordenamento Jurídicas, razão pela qual estão situados em posição de superioridade visto que as normas subordinadas não podem contrariar as normas de hierarquia superior.
O artigo 1º da Constituição Federal eleva à condição de princípio fundamental a livre iniciativa, lado a lado com os valores sociais do trabalho. Vejamos:
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.”
A Constituição de 1988, em seu artigo 170 dispõe:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa", tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX - Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
Este artigo da norma constitucional introduz um modelo econômico baseado na liberdade de iniciativa, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, sem exclusões nem discriminações. Daí entende-se que, independentemente de sua natureza, se pública ou privada, toda a empresa para desenvolver atividade econômica, seja esta indústria ou comércio, ou ainda, prestação de serviços, regem-se pelos princípios contidos neste artigo, não obstante opinião contrária do Professor Weter R Faria[1], que sustenta que:
“as normas de defesa de concorrência não se aplicam a nenhuma empresa-órgão gerida pela União, nem as que executam serviços públicos, estrito senso, sob a titularidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Aplica-se, todavia às empresas-órgãos dê natureza industrial e comercial que operam em regime de concorrência, administradas pelos Estados, pelo Distrito Federal e os Municípios. Excetuam-se os organismos federais, porque não se concebe a União como sujeito passivo das normas que promulga para proteger o mercado contra as práticas comerciais restritas”.
O Princípio da Livre Iniciativa é considerado como fundamento da ordem econômica e atribui a iniciativa privada o papel primordial na produção ou circulação de bens ou serviços, constituindo a base sobre a qual se constrói a ordem econômica, cabendo ao Estado apenas uma função supletiva pois a Constituição Federal determina que a ele cabe apenas a exploração direta da atividade econômica quando necessária a segurança nacional ou relevante interesse econômico (CF, art. 173).
Nossa Constituição Pátria dispõe em seu art. 174 que o Estado tem o papel primordial como agente normativo e regulador da atividade econômica exercendo as funções de Fiscalização, Incentivo e Planejamento de acordo com a lei, no sentido de evitar irregularidades. Sendo assim, a nossa Constituição não coíbe o intervencionismo estatal na produção ou circulação de bens ou serviços, mas assegura e estimula o acesso à livre concorrência por meio de ações fundadas na legislação.
O Professor José Afonso da Silva, em seu curso de Direito Constitucional Positivo[2] ensina:
“a liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato.”
Assegura a todos o art. 170 da Carta Magna o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
No entanto, como qualquer princípio, a livre iniciativa não pode ser considerada absoluta uma vez que há restrições que a própria ordem econômica, refletida em lei, impõe sobre ela, como por exemplo, quando há exigência legal para a obtenção de autorização para o exercício de determinada atividade econômica, como é o caso dos bancos comerciais e sociedades seguradoras, que precisam obter autorização do Banco Central do Brasil e da Superintendência de Seguros Privados, respectivamente para funcionarem.
Há de se frisar que a relatividade do princípio da livre iniciativa refere-se, especificamente, às restrições impostas em lei para o livre exercício de uma determinada atividade econômica, não infringindo a dissociação entre o direito de exercer livremente uma atividade econômica e o direito de administrá-la.
Consideram algumas doutrinas, a partir do balizamento constitucional da livre iniciativa por valores de “justiça social e bem-estar coletivo”, que a exploração de atividade econômica com puro objetivo de lucro e satisfação pessoal do empresário seria ilegítima sob o ponto de vista jurídico. É, este o entendimento de José Afonso da Silva[3]:
“A natureza neoliberal da ordem econômica prevista na Constituição não tem, entretanto, tal extensão. A equiparação entre a livre iniciativa e os valores normalmente desconsiderados pelo empresário egoísta – que seria a defesa do consumidor, a proteção do meio ambiente, a função social da propriedade etc. – só afasta a possibilidade de edição de leis, complementares ou ordinárias, disciplinadoras da atividade econômica, desatentas a esses valores.”
Podemos dizer que os dois aspectos relevantes que se concluem da inserção da livre iniciativa entre os fundamentos da ordem econômica são a constitucionalidade de preceitos de lei que visem a motivar os particulares à exploração de atividades empresariais, como é o caso do primado da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas quando aplicado ao direito societário, tendo o sentido de limitar o risco de forma que as pessoas não receiem investir em atividades econômicas em razão da possibilidade de elevado comprometimento de seu patrimônio e por fim, a aplicação do princípio da autonomia das obrigações cambiais que está destinado a viabilizar a ágil circulação de crédito, mesmo quando o devedor do título é um consumidor[4].
A liberdade de iniciativa trazida pela Constituição prestigia o reconhecimento de um direito titularizado por todos que é o de explorarem as atividades empresariais, decorrendo no dever, imposto à generalidade das pessoas, de respeitarem o mesmo direito constitucional, bem como a ilicitude dos atos que impeçam o seu pleno exercício e que se contrapõe ao próprio estado, que somente pode ingerir-se na economia nos limites constitucionais definidos contra os demais particulares.
O direito repudia duas formas de concorrência e que desprestigiam a livre iniciativa, quais sejam: a concorrência desleal e o abuso de poder.
A Concorrência Desleal é reprimida pelo direito civil e penal nos casos em que houver desrespeito ao direito constitucional de explorar a atividade econômica expresso no princípio da livre iniciativa como fundamento da organização da economia, sendo esse dever em relação ao estado fundado na inconstitucionalidade de exigências administrativas não fundadas em lei para o estabelecimento e funcionamento de uma empresa (CF, art. 170, parágrafo único) e no que concerne aos particulares se traduz pela ilicitude de determinadas práticas concorrências.
Na concorrência desleal o empresário tem o intuito de prejudicar seus concorrentes, de modo claro e indisfarçado, retirando-lhes, total ou parcialmente, fatias do mercado que haviam conquistado, infligindo perdas a seus concorrentes, porque é assim que poderão obter ganhos.
O Abuso de poder no qual está prevista constitucionalmente a sua repressão, através do art. 173, § 4º:
“A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”
A nossa constituição pátria traz em seu bojo um conjunto de normas referentes à ordem econômica se baseando nos princípios tradicionais do liberalismo econômico quais sejam: a propriedade privada, a liberdade de iniciativa e a de competição, a função social da propriedade, a defesa do consumidor, a busca do pleno emprego etc. No entanto, por outro lado prevê-se a repressão ao abuso do poder econômico através de modalidades de exercício do poder econômico que podem ser consideradas juridicamente abusivas e que põem em risco a própria estrutura do livre mercado e que podem ocasionar a dominação de setores da economia, eliminando a competição ou aumento arbitrário de lucros.
Os prejuízos à Livre Concorrência ou Livre Iniciativa estão delineados na Lei 8.884/94, em seu artigo 20, que diz:
“Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;
II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros;
IV – exercer de forma abusiva posição dominante.”
O direito positivo estabelece que os atos de qualquer natureza que tenham o efeito, potencial ou real, de limitar, falsear, ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa são definidos como infração de ordem econômica .
Limitar a livre concorrência ou a livre iniciativa nada mais é do que barrar de forma total ou parcial, mediante determinadas práticas empresariais, a possibilidade que tem outros empreendedores ao acesso à atividade produtiva e esta obstaculização de acesso decorre do aumento dos custos para novos estabelecimentos, provocado com vistas a desencorajar eventuais interessados.
Falsear sugere uma idéia muito mais ampla que simulação relativa aos efeitos dos atos jurídicos. Falsear a livre concorrência ou a livre iniciativa significa ocultar a prática restritiva através de atos e contratos aparentemente compatíveis com as regras de estruturação do livre mercado. Pode haver falseamento de concorrência, sem que o negócio jurídico que o viabiliza se caracterize como simulado e as autoridades não precisam demonstrar a existência do defeito do ato jurídico como condição de sanção.
Prejudicar a livre concorrência ou iniciativa nada mais é do que incorrer em qualquer prática empresarial lesiva às estruturas do mercado, ainda que não limitativas ou falseadoras dessas estruturas. Tais condutas são consideradas reprimíveis pela lei o abuso do poder econômico que visa à eliminação da concorrência (CF, art. 173, § 4º). O texto constitucional não faz referência específica à limitação, falseamento ou prejuízo da livre concorrência, que são consideradas formas de eliminação parcial e não total da competição. Para Medeiros da Silva[5], a norma correspondente da lei de 1962, que tipificava como abuso de poder econômico a eliminação parcial da concorrência, seria inconstitucional por falta de distinção entre as diversas formas de eliminação.
Em síntese, podemos afirmar que a livre iniciativa é um dos preceitos fundamentais da Carta Política de 1988, reconhecido não apenas pela Constituição como também pela doutrina e que rege a ordem econômica nacional, tendo por finalidade assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, sem exclusões nem discriminações.
BIBLIOGRAFIA
Constituição da República Federativa do Brasil, 30ª Edição. Saraiva. São Paulo – 2002.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Empresarial, 6ª edição. Saraiva. São Paulo - 2002.
SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico, 19ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 17ª Edição, São Paulo. Melhoramentos, 2000.
FARIA, Werter R. Constituição econômica, liberdade de iniciativa e de concorrência. Sérgio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1990.
MEDEIROS DA SILVA, Jorge. A lei antitruste brasileira. São Paulo, Resenha Universitária, 1979.
NOTAS:
[1] FARIA, Werter R. Constituição econômica, liberdade de iniciativa e de concorrência. Sérgio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1990.
[2] 17ª Edição, São Paulo, Melhoramentos, p. 767.
[3] Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª Edição, São Paulo, Malheiros,1993, 3ª tir. pg. 673.
[4] COELHO, Fábio Ulhoa, O empresário e os direitos do consumidor. São Paulo, Saraiva, 1994. p. 202/203.
[5] MEDEIROS DA SILVA, Jorge, A lei antitruste brasileira. São Paulo, Resenha Universitária, 1979.
(Artigo elaborado em 24 de junho de 2005)
Sônia dos Santos Oliveira
Acadêmica de Direto - Quinto anista da Faculdade de Direito de Ciências Jurídicas da Universidade São Francisco – Pari – São Paulo.