A adoção homoafetiva é um tema que gera amplo debate na esfera social. Apesar da gradual aceitação da sociedade, garantias e proteção pelo Estado, ainda existe um grande tabu em torno do assunto. Desse modo, o presente trabalho buscou evidenciar os argumentos contrários a esse novo arranjo familiar em contraposição com os estudos obtidos através de leituras bibliográficas, análise de dados e demais pesquisas, os quais demonstraram que a adoção homossexual não acarreta prejuízos às crianças ou adolescentes adotados, ao contrário do que dizem teorias sem fundamentação, baseadas nos resquícios de uma sociedade homofóbica.

1 INTRODUÇÃO

Serão apresentados neste trabalho, resultados decorrentes de uma pesquisa realizada com base nos desafios enfrentados por casais do mesmo sexo na adoção de uma criança no Brasil, em razão dos estigmas sociais existentes, em confronto com estudos que desmistificam tais preconceitos.

Busca-se por meio deste artigo enfatizar como é, na prática, a realidade vivida pelos envolvidos na adoção homoafetiva, numa sociedade ainda preconceituosa e discriminatória como a sociedade brasileira, a qual em sua grande parte defende a família tradicional, composta por pai, mãe e filhos, não admitindo um novo formato como aquele que é constituído por dois pais ou duas mães. Issomuitas vezes, em razão da influência religiosa, a qual considera a homossexualidade como algo anormal ou como um atentado à “lei natural”.

Ocorre que, durante o decorrer dos anos, a concepção do termo “família” passou por diversas transformações, não só em sua composição, mas também em sua função, natureza e valores. Tais alterações permitiram uma configuração mais ampla desta entidade, o que contribuiu para o surgimento de diversos novos modelos de família e tornou necessária a adaptação dos princípios e leis do nosso ordenamento jurídico, visando acompanhar a atual realidade e atender às novas necessidades sociais, de modo a garantir um tratamento mais igualitário e humanizado a todas as pessoas. 

Desse modo, considerando que o tema engloba uma questão de grande relevância tanto na esfera jurídica, quanto na sociocultural, faz-se necessário um estudo acerca de diversos aspectos que giram em torno deste assunto. Assim, para o desenvolvimento da presente pesquisa, foram delineadas inicialmente questões introdutórias ao assunto, como o conceito e a finalidade de família, princípios, adoção e seu processo, homossexualidade e por fim a adoção homoafetiva e suas repercussões. Posteriormente, também foram abordadas problemáticas como a ocorrência, ou não, de tratamento igualitário entre casais homossexuais e heterossexuais no processo de adoção, bem como foram apresentados diversos pontos de vista da sociedade acerca da adoção homoafetiva em paralelo com a viabilidade desse novo modelo familiar.

 

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A FAMÍLIA MODERNA E SUA FINALIDADE

É notório que a ideia de família na atualidade não é a mesma vivenciada pelos nossos pais e também não será a mesma dos nossos filhos, visto que essa instituição vem sofrendo diversas alterações em seu conceito e finalidade, como reflexo da evolução da sociedade ao longo do tempo. Tais transformações são percebidas, principalmente, através do ordenamento jurídico brasileiro, que precisou adaptar-se de modo a tutelar os interesses da nova realidade social.

O Código Civil de 1916, por exemplo, reconhecia como família somente aquela que era constituída pelo casamento, sob forte influência religiosa, apesar da laicidade do Estado. Esse vínculoera indissolúvel, ainda que isso custasse a realização pessoal e a felicidade de seus membros, principalmente porque essa conduta era alvo de fortes discriminações, sendo classificados como “desquitados” quem ousava praticá-la. Tal discriminação era ainda pior no que se refere a figura da mulher, a qual era inferiorizada nos seus direitos, em um sistema patriarcal e machista, predominante à época. Também não eram reconhecidos os filhos tidos fora do casamento, nem a família baseada na união estável, visto que, família legítima, era apenas aquela oriunda do casamento. 

Insta salientar, que a sociedade antiga, era fortemente marcada pela cultura do patriarcado, onde era valorizado o poder masculino em detrimento do feminino, seja em âmbito político, social ou familiar. Através desse sistema as mulheres eram colocadas às margens da sociedade e eram submissas aprincípios, condutas e comportamentos que eram destinados somente a elas. Não obstante, através de movimentos feministas e com a revolução industrial, a inclusão da mulher no mercado de trabalho e a disponibilização de métodos contraceptivos, a figura feminina foi conquistando sua independência e igualdade de direitos. 

Assim, com a ascensão da mulher e a migração em massa do meio rural para o urbano,o homem deixou de ser o único provedor do lar, as relações se tornaram mais próximas e os padrões de moralidade antes existentes foram perdendo força, principalmente em razão do estreitamento de relações entre igreja e Estado. Nesse cenário, a família deixa de ter o casamento como único meio para sua constituição, passando a ser reconhecida como uma instituição baseada na ajuda mútua e no afeto, não importando, por exemplo, a sexualidade de seus componentes. Dias (2010. p. 45), relata que:

(...) Cada vez mais se reconhece que é no âmbito das relações afetivas que se estrutura a personalidade da pessoa. É a afetividade, e não a vontade, o elemento constitutivo dos vínculos interpessoais: o afeto entre as pessoas organiza e orienta o seu desenvolvimento. A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de desenvolvimento da família e de preservação da vida. Esse, dos novos vértices sociais, é o mais inovador. Surgiu um nome para essa nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo: família eudemonista.

Diante dessa nova concepção de família e os novos arranjos familiares, surgiu a atual Constituição Federal de 1988, a qual incluiu em seu texto modificações, que deram ênfase a pessoa humana, enfraquecendo a visão preconceituosa e discriminatória antes existente, ao estabelecer princípios que ampliaram o conceito de família, como o princípio do pluralismo familiar, reconhecendo como entidade familiar, além do casamento, a união estável e a família monoparental (art.226, §§3º e 4º), princípio da igualdade jurídica entre os cônjuges, companheiros e filhos (art. 226, §5º, e 227, §6º), e, não menos importante, um dos princípios fundamentais da nação, o princípio da dignidade da pessoa humana (art.1º, III).

Tais entendimentos foram amparados pelo Código Civil Brasileiro de 2002, tendo como base hermenêutica o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, Tepedino (2012, n.p.) assimila que: 

(...) a admissão crescente de novas entidades familiares autônomas em relação à formação familiar construída em torno do casamento configura exemplo eloquente da constitucionalização do Direito Civil, na medida em que demonstra a perspectiva instrumental da família como formação social dirigida à plena realização da pessoa; confere-se assim, maior efetividade à cláusula geral de tutela da dignidade humana, consagrada pela Constituição de 1988. A atribuição à autonomia existencial do indivíduo da escolha do próprio modelo familiar representa a releitura do Código Civil à luz dos princípios constitucionais. 

Deste modo, nota-se que a finalidade da família que antes era apenas baseada na reprodução e nos fins patrimonialistas, e não na realização dos sujeitos enquanto pessoas, passou a valorizar o amor, o prazer sexual e o afeto, possibilitando o pleno desenvolvimento dos envolvidos, acarretando um tratamento mais humano e igualitário a estes. 

Considerando essas diversas transformações, vale ressaltar a importância dos princípios, principalmente ao se tratar da base da sociedade, que é a família. Assim como os demais ramos, o Direito de Família é norteado por princípios fundamentais que regem o ordenamento jurídico, de modo a resguardar garantias e direitos a todos os membros das entidades familiares, sem qualquer distinção. Dentre eles, alguns se destacam, como o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da igualdade e isonomia dos filhos, o princípio da afetividade, o princípio da liberdade, o princípio do pluralismo familiar, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

 

2.1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: 

III - a dignidade da pessoa humana;

O princípio da dignidade da pessoa humana, visa garantir as bases da existência humana de forma digna à todos os cidadãos. Ter sido elencado logo no artigo 1º da Constituição Federal, inciso III, demonstra seu caráter fundamental e absoluto, já que constitui fonte estruturante de todo o ordenamento jurídico brasileiro, sendo ele concretizado pelos direitos e garantias fundamentais. De acordo com Moraes (2008, p. 22): 

A dignidade é um valor espiritual e moral, inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. 

No que tange aos direitos e garantias das crianças e adolescentes, em respeito à esse princípio, o artigo 227, § 3º da Constituição Federal dispõe que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

 O Estatuto da Criança e do Adolescente também foi um dos meios de concretização desse princípio, ao estabelecer:

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

 

2.1.2 Princípio da Igualdade e Isonomia dos Filhos

Conforme se depreende do artigo 227, § 6º da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

 

Esse princípio também foi recepcionado pelo Código Civil de 2002:

Art. 1596.  Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Trata-se de um princípio basilar do direito de família, baseado no princípio constitucional da isonomia, disposto no artigo 5º da Constituição Federal, que veda distinções entre filhos legítimos ou ilegítimos, garantindo igualdade de direitos e qualificações, inclusive quando se fala de sucessões. 

 

2.1.3 Princípio da Afetividade

Antes de explanar acerca do princípio da afetividade, é importante saber, que afeto, não necessariamente se confunde com amor, visto que seu sentindo alcança uma concepção mais ampla. De acordo com Teixeira e Rodrigues (2010, p. 194-195), “a teoria do afeto como valor jurídico é externalizado pelas condutas objetivas de cuidado, solidariedade, exercício dos deveres de criar, educar e assistir.”

Esse princípio surgiu como reflexo da sensibilização do legislador, frente a evolução da sociedade, tendo em vista que a família deixou de ser uma instituição baseada meramente em questões políticas, econômicas, morais, religiosas e na procriação, e passou a valorizar o afeto, o amor e a solidariedade entre seus membros. Apesar de não estar previsto expressamente na legislação, o princípio da afetividade se manifesta através de dispositivos infraconstitucionais como os que reconhecem a pluralidade familiar, a igualdade entre filhos e adoção, por exemplo. 

Por outro lado, Pereira (2011, p. 194) ensina que:

Sem afeto não se pode dizer que há família. Ou, onde falta o afeto a família é uma desordem, ou mesmo uma desestrutura. É o ‘afeto que conjuga’. E assim, o afeto ganhou status de valor jurídico e, consequentemente, logo foi elevado à categoria de princípio como resultado de uma construção histórica em que o discurso psicanalítico é um dos principais responsáveis, vez que o desejo e amor começam a ser vistos e considerados como verdadeiro sustento do laço conjugal e da família.

 

2.1.4 Princípio da Liberdade 

O princípio da liberdade no Direito de Família se traduz através da livre escolha de seus integrantes na formação da família, fundada na afeição mútua e no pluralismo, permitindo a realização de seus membros, e não apenas no casamento. Nas palavras de Diniz (2008, p. 27):

O princípio da liberdade refere-se ao livre poder de formar comunhão de vida, a livre decisão do casal no planejamento familiar, a livre escolha do regime matrimonial de bens, a livre aquisição e administração do poder familiar, bem como a livre opção pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa da prole.

 

Para Lôbo, a liberdade se expressa da seguinte forma (2011, p. 70):

O princípio da liberdade diz respeito não apenas à criação, manutenção ou extinção dos arranjos familiares, mas à sua permanente constituição e reinvenção. Tendo a família se desligado de suas funções tradicionais, não faz sentido que ao Estado interesse regular deveres que restringem profundamente a liberdade, a intimidade e a vida privada das pessoas, quando não repercutem no interesse geral.

 

2.1.5 Princípio do Pluralismo Familiar

Esse princípio surgiu com a Constituição Federal de 1988, ao romper a formação da família apenas por meio do casamento. É partir dele que a família passou a aceita tanto a partir do matrimônio ou união estável, quanto a partir de outras entidades além das previamente expressas. Nesse sentido, Dias (2010, p. 67) conceitua o princípio do pluralismo familiar como “o reconhecimento, pelo Estado, da existência de várias possibilidades de arranjos familiares”.

Frisa-se que em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da liberdade e do planejamento familiar, os modelos previstos na Constituição são apenas exemplificativos, exigindo-se que sejam reconhecidos os diversos modelos de família.

 

2.1.6 Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente

Esse princípio tem ampla relação com o princípio da prioridade absoluta, visto que ambos visam proteger integralmente as pessoas em situação de fragilidade e em processo de amadurecimento. 

O princípio do melhor interesse é efetivamente aplicado em casos concretos, como por exemplo, nas ações de adoção, em que operadores do direito devem buscar uma solução que proporcione o maior benefício para a criança ou adolescente. 

A jurisprudência é clara quanto à aplicação desse princípio:


ECA. GUARDA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. Nas ações relativas aos direitos de crianças, devem ser considerados, primordialmente, os interesses dos infantes. Os princípios da moralidade e impessoalidade devem, pois, ceder ao princípio da prioridade absoluta à infância, insculpido no artigo 227 da Constituição Federal. Apelo Provido.

Deste modo, ensina Lôbo (2011, p. 76):

O princípio do melhor interesse ilumina a investigação das paternidades e filiações socioafetivas. A criança é o protagonista principal, na atualidade. No passado recente, em havendo conflito, a aplicação do direito era mobilizada para os interesses dos pais, sendo a criança mero objeto da decisão. O juiz deve sempre, na colisão da verdade biológica com a verdade socioafetiva, apurar qual delas contempla o melhor interesse dos filhos, em cada caso, tendo em conta a pessoa em formação.

 

2.2 A HOMOAFETIVIDADE

2.2.1 As mudanças da visão social acerca da homossexualidade ao longo da história

De acordo com Maria Berenice Dias, pode-se observar o seguinte: 

A homossexualidade existe e sempre existiu, mas é marcada por um estigma social, sendo renegada à marginalidade por se afastar dos padrões de comportamento convencional. Por ser fato diferente dos estereótipos, o que não se encaixa nos padrões, é tido como imoral ou amoral, sem buscar-se a identificação de suas origens orgânicas, sociais ou comportamentais. (DIAS, 2009, p. 17)

 

Apesar das diversas conquistas alcançadas ao longo do tempo, nem sempre a homossexualidade foi vista sob uma perspectiva de respeito pela sociedade e principalmente, pelas autoridades. É necessário conhecer as mudanças históricas ocorridas, para compreender a importância de se dar um tratamento mais igualitário e humanizado a todas as pessoas, independente da orientação sexual, em respeito à dignidade humana.

Na antiguidade, as relações entre pessoas do mesmo sexo eram comuns. Na Grécia antiga, por exemplo, em certos casos, tal relação tinha função pedagógica, pois se acreditava que a relação entre um homem mais velho e dotado de grande capacidade intelectual, e um mais novo, era essencial para a transmissão de conhecimento. Já na Roma Antiga, a prática sexual entre iguais, denominada como “sodomia”, era permitida, porém sob certas condições.

Era vista como de procedência natural, ou seja, no mesmo nível das relações entre casais, entre amantes ou de senhor e escravo. O preconceito da sociedade romana existia somente contra quem assumia a condição de passividade. Era feita associação com impotência política. A censura recaía sobre quem desempenhava a posição passiva da relação, na medida em que implicava debilidade de caráter. Como quem assumia o papel de passivo eram rapazes, mulheres e escravos – todos excluídos da estrutura do poder –, clara a relação entre masculinidade-poder-político e passividade-feminilidade-carência de poder. (MORICI apud DIAS, União homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 37).

Não obstante, com as disseminações dos ideais judaicos e cristãos, os atos homossexuais passaram a configurar como algo contrário aos princípios religiosos, na medida em que afetavam a procriação, finalidade principal da família. Segundo Maluf (2010, p. 131): “A prática homofóbica foi perpetuada na Idade Média, quando a homossexualidade era associada à heresia e à usura, ou mesmo à feitiçaria (...)”.

A oposição do cristianismo à homossexualidade contribuiu para o surgimento da homofobia, tendo em vista o viés sagrado imposto à sexualidade, sendo considerado pecado os atos praticados visando meramente à satisfação de prazer e que não eram capazes de resultar a reprodução da espécie. Somando os princípios religiosos, com a aproximação entre Igreja e Estado, as relações entre casais do mesmo sexo também passaram a ser alvo de diversos tipos de punições, como prisões, torturas e até a morte.

Um famoso exemplo de criminalização da homossexualidade, já na Idade Contemporânea, foi o caso do romance vivido entre o escritor Oscar Wilde e Lord Douglas, em que Oscar foi condenado a dois anos de prisão por “sodomia” e indecência grave por se relacionar com outro homem. Suas palavras escritas no dia de seu julgamento em 26 de abril de 1895 ficaram conhecidas principalmente por descrever sua relação como “o amor que não ousa dizer o nome”: 

O amor que não ousa dizer o nome nesse século é a grande afeição de um homem mais velho por um homem mais jovem como aquela que houve entre Davi e Jonatas, é aquele amor que Platão tornou a base de sua filosofia, é o amor que você pode achar nos sonetos de Michelangelo e Shakespeare. É aquela afeição profunda, espiritual que é tão pura quanto perfeita. Ele dita e preenche grandes obras de arte como as de Shakespeare e Michelangelo, e aquelas minhas duas cartas, tal como são. Esse amor é mal entendido nesse século, tão mal entendido que pode ser descrito como o ‘Amor que não ousa dizer o nome e por causa disso estou onde estou agora. Ele é bonito, é bom, é a mais nobre forma de afeição. Não há nada que não seja natural nele. Ele é intelectual e repetidamente existe entre um homem mais velho e um homem mais novo, quando o mais velho tem o intelecto e o mais jovem tem toda a alegria, a esperança e o brilho da vida à sua frente. Que as coisas deveriam ser assim o mundo não entende. O mundo zomba desse amor e às vezes expõe alguém ao ridículo por causa dele. (WILDE, 1895, n.p.)

 

Desse modo, percebe-se que no início da Idade Contemporânea o tratamento dado a homossexualidade não era diferente. Esta continuava sendo banalizada e criminalizada, inclusive, foi no século XIX que a Medicina passou a classificá-la como doença. Assim, além de ter sido taxada como crime e pecado, também foi classificada como distúrbio mental, sendo os homossexuais submetidos a tratamentos variados, como hipnose e drogas, no intuito de garantir a “cura”.

Neste mesmo período, a Alemanha criou, em 1871, o parágrafo 175, conhecido como “parágrafo gay”, que tipificava a homossexualidade como crime, o qual foi retirado do Código Penal alemão somente em 1994. Esta norma foi intensificada durante o nazismo, período em que foram condenados milhares de homossexuais, com o auxílio dos nomes contidos nas chamadas “listas rosas”, compiladas pela polícia secreta do Estado (Gestapo). Muitos dos prisioneiros foram enviados para os campos de concentração junto com os judeus, onde eram torturados, usados como experimentos ou até mortos.

Um fato relevante de ser destacado, é que, embora a homossexualidade tenha sido perseguida e considerada uma patologia, em 1935, Freud, pai da psicanálise, escreveu uma carta em resposta à uma mãe, que pedia ajuda para a cura de seu filho gay, se posicionando contra a perseguição sofrida por essas pessoas e não classificou a homossexualidade como doença, contrariando a perspectiva dada pela Medicina até então. Esse posicionamento contido na carta é descrito por Carvalho (2017, p. 155):

A homossexualidade não é uma vantagem, evidentemente, mas nada há nela que se deva ter vergonha: não é um vício e nem um aviltamento, nem se pode classificá-la como doença. Nós a consideramos uma variação da função sexual provocada por uma suspensão do desenvolvimento sexual. Diversos indivíduos sumamente respeitáveis, nos tempos antigos e modernos, foram homossexuais, e dentre eles encontramos alguns dos maiores de nossos grandes homens (Platão, Leonardo da Vinci, etc.). É uma grande injustiça perseguir a homossexualidade como um crime, além de ser uma crueldade. 

 

Foi então que, finalmente, no século XX as causas homossexuais foram ganhando destaque, por meio de diversos movimentos. Um deles ocorreu na década de 60, quando a polícia, institucionalmente homofóbica e transfóbica, realizou uma invasão no bar Stonewall Inn, Nova York, nos Estados Unidos, oprimindo e hostilizando pessoas da comunidade LGBT presentes no local. Como resposta, gays, lésbicas, trans e drag queens reagiram a violência que vinham sofrendo, iniciando uma rebelião. Marsha P. Johnson, mulher negra transexual, se tornou uma das grandes ativistas da causa após o ocorrido, já que assumiu a linha de frente nos protestos visando à garantia de direitos aos LGBTs, os quais inspiram o dia do Orgulho LGBT nos dias atuais. 

Marsha foi encontrada morta em 1992, sendo que sua morte foi definida como suicídio, apesar das pessoas próximas a ativista acreditarem que se tratava de um assassinato, visto que era algo comum às pessoas trans e considerando as demais circunstâncias do caso. O caso foi reaberto em 2012.

Foi por meio de movimentos como estes que os homossexuais começaram a obter diversas conquistas, como a retirada da homossexualidade do catálogo de doenças mentais pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e sua descriminalização, apesar de alguns países do Oriente Médio e África, influenciados pela religião, ainda punirem essas relações.

Nesse contexto, surgiu a necessidade de ser conferido um tratamento mais adequado à nova realidade social, principalmente no que tange aos homossexuais. No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988, deu um grande passo ao garantir liberdade, dignidade, igualdade e não discriminação, ideais que foram fundamentais nos direitos conquistados após sua promulgação. Um deles foi o reconhecimento da união estável entre casais do mesmo sexo, a partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132.

Portanto, é de suma importância a proteção do Estado com relação a essas minorias, de modo a garantir o princípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia, afastando qualquer tipo distinção em razão da orientação sexual, bem como a discriminação e o preconceito.

Fica claro, portanto, que a interpretação de todo o texto constitucional deve ser fincada nos princípios da liberdade e igualdade, despida de qualquer preconceito, porque tem como "pano de fundo" o princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado logo pelo art. 1º, III, como princípio fundamental da República (motor de impulsão de toda a ordem jurídica brasileira). Sem dúvida, então, a única conclusão que atende aos reclamos constitucionais é no sentido de que o rol não é, e não pode ser nunca – taxativo, por deixar sem proteção inúmeros agrupamentos familiares, não previstos no texto constitucional, até mesmo por absoluta impossibilidade. Não fosse só isso, ao se observar a realidade social premente, verificando-se a enorme variedade de arranjos familiares existentes, apresentar-se-ia outro questionamento: seria justo que os modelos familiares, não previstos em lei, não tenham proteção legal? (Farias, 2004, p. 21)

 

2.2.2 Uma breve explanação sobre a terminologia

Homossexualidade ou homossexualismo? Muitos ainda não sabem e continuam proferindo a palavra homossexualismo de forma ingênua, mas a realidade é que o termo carrega uma carga pejorativa, uma vez que o sufixo “ismo” geralmente é utilizado para designar patologias, tanto que até 1990 a homossexualidade, termo correto a ser utilizado, era classificada como doença mental, quando foi retirada do catálogo de distúrbios pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Assim, a forma correta para designar a atração entre pessoas do mesmo sexo é homossexualidade, visto que o sufixo “dade” significa “modo de ser”,ou “um estilo de comportamento, geneticamente prevalente” (MALUF, 2010, p. 124-125).

 

2.3 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO

O instituto da adoção surgiu em meio à necessidade de satisfazer a vontade daqueles que não tiveram a chance de ter filhos consanguíneos, sendo utilizado majoritariamente como forma de perpetuação da “linhagem” do adotante que não deixou herdeiros. Ou seja, não havia uma preocupação com o menor e seus interesses.

No Brasil, a adoção só foi disciplinada a partir do Código de 1916, o qual dispunha que só podiam adotar quem não tivesse filhos, sendo exigido ao adotante ter mais de 50 anos, visto que a partir dessa idade as chances de se ter um filho consanguíneo são menores, garantindo assim a finalidade do instituto. Frisa-se que a adoção era formalizada através de escritura pública e o vínculo de parentesco limitava-se ao adotante e ao adotado.

Com a alteração do Código Civil de 1916, pela Lei 3.133/57, a adoção passou a ter finalidade assistencial, à medida que deixou de ser um remédio para a esterilidade. Visando facilitar a adoção, o legislador passou a permitir a adoção por pessoas maiores de 30 anos. Ademais, a aludida lei, não exigia a inexistência de prole legítima ou legitimada como requisito para a adoção, contudo, o filho adotado não gozava das mesmas garantias e direitos dos filhos naturais. 

Posteriormente surgiram a Lei 4.655/65, que criou a legitimação adotiva, e a Lei 6.697/79 (Código de Menores), que substituiu a legitimação adotiva pela plena, estendendo o vínculo de parentesco à família dos adotantes, constando o nome dos avós no registro de nascimento do adotado, independentemente de consentimento expresso dos ascendentes.

Finalmente, com a Constituição Federal de 1988, as diferenças entre os filhos biológicos ou afetivos foram extintas, vedando qualquer forma de discriminação:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), acolhendo a finalidade social e os princípios da proteção integral, passou a regular a adoção dos menores de 18 anos e diminuiu a idade do adotante para 21 anos.

O Código Civil de 2002 aboliu a adoção simples, reduziu a idade do adotante para no mínimo 18 anose extinguiu a diferença de idade entre adotante e adotado.

Em 3 de agosto de 2009, foi promulgada a Lei 12.010/2009, a qual alterou diversos dispositivos, inclusive os da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), determinando que esta passaria a regulamentar a adoção, instituto que ganhou ainda mais celeridade com o surgimento da Lei 13.509/2017, que também alterou artigos do ECA, visando agilizar o processo de uma forma menos burocrática. 

Desse modo, nota-se com o passar do tempo, que a adoção deixou de ser uma “paternidade de segunda classe”, de natureza contratual e passou a ser fundada no afeto recíproco, visando não só os interesses dos pais, mas também da criança.

Segundo o entendimento de Diniz (2007, p.483):

Adoção vem a ser um ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.

Para Dias (2010, p. 477):

A adoção significa muito mais a busca de uma família para uma criança. Foi abandonada a concepção tradicional, em que prevalecia sua natureza contratual e significava a busca de uma criança para uma família. Não é uma paternidade de segunda classe e se prefigura como a paternidade do futuro, enraizada no exercício da liberdade. A filiação não é um dado da natureza, mas uma construção cultural, fortificada na convivência, no entrelaçamento dos afetos, pouco importando sua origem. 

 

2.3.1. Procedimento básico, requisitos e situação da adoção no Brasil

Primeiramente, é importante destacar que segundo dados contidos no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), implantado em 2019, até 26 de março de 2020, cerca de 34,8 mil crianças e adolescentes se encontravam em casas de acolhimento e instituições públicas no Brasil.

O legislador ao alterar a Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), através da Lei nº 13.509/2017, buscou incentivar e agilizar o procedimento de adoção, tornando-o menos burocrático ao envolvidos. Mas como funciona o processo de adoção no Brasil e quais seus requisitos?

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, são requisitos para a adoção: 

Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. 

§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

§ 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. 

§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.

§ 4º Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. 

§ 5º Nos casos do § 4 o deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil . 

Outro requisito importante para a adoção é que se o adotado tiver mais do que 12 anos de idade, deverá expressar seu consentimento sobre a adoção, segundo o art. 28, § 2º da Lei 12.010/09.

Salienta-se que todo o processo de adoção deve ocorrer mediante intervenção judicial, junto ao Ministério Público, inclusive se o adotado for maior de 18 anos.

Inicialmente, devem ser esgotadas as possibilidade de reintegração da criança e do adolescente na família natural ou extensa. Para isso, declarado o interesse da mãe biológica em dar o filho pra adoção, e a busca infrutífera pelo pai, ou a concordância deste, a justiça declarará extinto o poder familiar, o que pode ser modificado mediante arrependimento no prazo de 10 (dez) dias.

Os pais interessados em adotar devem procurar a Vara da Infância e Juventude do seu município, inscreverem-se, mediante apresentação de documentação necessária, e ao serem aprovados, estarão habilitados a constar dos cadastros local e nacional de pretendentes à adoção. É obrigatória a realização de um curso de preparação psicossocial e jurídica, que ao ser concluído, procederá a uma avaliação feita por psicólogos e assistentes sociais, por meio de entrevistas e visitas ao domicilio do candidato. Nessa avaliação, fica determinado o perfil da criança que se deseja adotar.

Posteriormente, através do laudo dessa avaliação, com o parecer do Ministério Público, caso o pedido seja acolhido pelo juiz da Vara da Infância e Juventude, o nome do pretendente será incluído no Cadastro Nacional de Adoção, válido por 2 (dois) anos em território nacional. Assim, basta aguardar até aparecer um perfil compatível com o procurado pelo adotante. Contudo, caso o pedido não seja acolhido, é possível começar o processo novamente, se adequando aos requisitos necessários e aos motivos que ensejaram o indeferimento.

Encontrada a criança ideal, a Vara da Infância avisa ao pretendente, seu histórico de vida é apresentado ao adotante e caso haja interesse, ambos são apresentados. Após o encontro, a criança será entrevistada e dirá se quer ou não continuar com o processo.

Com a continuação do processo, é iniciado o estágio de convivência, no prazo fixado pelo juiz, não podendo ser superior a 90 (noventa) dias. Essa etapa é fundamental para verificar se o adotando se adaptou à nova família e se o adotante é capaz de criar o filho afetivo. Durante esse período é feito um acompanhamento por profissionais especializados, que apresentaram relatório do estudo social realizado.

Concluída essa fase, inicia-se a ação de adoção, e nesse momento o adotando passa a morar com a família, que passa a deter guarda provisória do mesmo, até a conclusão do processo. 

Com o laudo conclusivo da equipe técnica, o juiz proferirá sentença e determinará a lavratura do novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família. A partir de então, o adotado passa a ter todos os direitos de um filho biológico.

 

2.4. ADOÇÃO HOMOAFETIVA NO BRASIL

Afirmar que as famílias homoafetivas são menos dignas da proteção do Estado, em comparação com as entidades compostas por heterossexuais, ou baseadas no casamento, significa uma afronta à supremacia da dignidade da pessoa humana, o pluralismo familiar, a liberdade, a igualdade e à não discriminação. 

Dispõe o art. 1.723 do Código Civil: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Diante da evolução da constitucionalização do Direito Civil, o Supremo Tribunal Federal através do julgamento histórico da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceu, com efeito vinculante, a união estável homoafetiva como entidade familiar, conferindo a estes os mesmos direito e deveres garantidos as famílias heterossexuais, visando atenuar eventuais preconceitos e distinções de direitos, afastando qualquer possibilidade de interpretações discriminatórias.

Assim, apesar da inexistência de lei que regulamente expressamente a possibilidade de adoção por pares homossexuais, com reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, e a garantia de direitos análogos aos das uniões heterossexuais, inferir esse direito constituiu um desrespeito não só aos princípios constitucionais, mas também ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, já que lhes é retirada a oportunidade de desfrutar do afeto, amor e cuidado proporcionado por uma família.

Por sorte, os tribunais brasileiros têm, em sua grande maioria, tomado decisões acertadas acerca do assunto, de modo a diminuir o preconceito e a discriminação ainda existentes em nossa sociedade:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. (APELAÇÃO CÍVEL SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70013801592, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luis Felipe Brasil Santos, Julgado em 05/04/2006).

 

3 METODOLOGIA

O presente artigo foi baseado em pesquisas através de leituras bibliográficas, análise de dados e pesquisas científicas e psicológicas, bem como foi feito um estudo comparado sobre a evolução da visão social acerca do tema.

Também foram coletados dados, por meio de enquete, visando expor a opinião popular sobre a influência da adoção por casais homoafetivos, na orientação sexual do adotado, o que contribuiu para enriquecer as informações, conferindo mais dinâmica ao trabalho. 

 

4 RESULTADOS

4.1 Análise comparada

Ainda que tenha ocorrido significativa mudança na mentalidade de boa parte da sociedade brasileira, mesmo após o reconhecimento da união estável homoafetiva e a possibilidade da adoção por esses pares no Brasil, muitos desafios e preconceitos ainda envolvem esse assunto. Se para a lei não existe distinção entre famílias heterossexuais e homossexuaispara a sociedade isso ainda é um tabu.

Sem qualquer fundamentação científica ou outro tipo de embasamento, um dos repetidos argumentos utilizados por quem é contra a adoção homoafetiva, é que os filhos adotados por casais homossexuais são influenciáveis quanto à orientação sexual dos pais. O questionamento que se faz é: se a orientação sexual de alguém influencia na orientação de outrem, por que há tantos casais heterossexuais cujos filhos são homossexuais? O primeiro fato a se considerar, é que ainda que influenciasse isso não seria um problema. Homossexualidade não é crime, tampouco uma doença. Superadas tais considerações, insta salientar que não há uma comprovação de que a homossexualidade dos pais influencie na orientação sexual dos filhos, inclusive porque, caso positivo, não haveriam gays filhos de pais héteros. 

Outro argumento contrário é que, crianças adotadas por pais gays tendem a ter distúrbios psicológicos por causa do preconceito, e não se desenvolvem da maneira correta por não possuírem a figura de uma mãe e de um pai em sua família. E mais, também há quem diga que essas crianças possam vir aser vítimas de abusos dos pais.

De acordo com o Instituto Locomotiva, existem no Brasil cerca de 11 milhões de mães solteiras, fato que corrobora para que não subsista o argumento de que o problema está na família homossexual, que por não possuir a figura materna e paterna, não é capaz de garantir pleno desenvolvimento aos filhos. De acordo com estudos realizados por Green et al. (1986, p.  167-184), em uma pesquisa realizada com 56 crianças filhas de mães lésbicas e 48 filhas de heterossexuais, não foi detectado nenhuma divergência no desenvolvimento psicossocial e psicossexual entre elas. Assim, o que é determinante não é o sexo dos pais, mas sim a qualidade da relação familiar e o afeto.

Outra questão relevante de ser destacada, é que no ambiente infantil, qualquer fator que fuja do comum propicia o bullying, como peso, altura, cor de pele etc. Assim, não é somente a adoção homoafetiva que sujeita crianças ao preconceito, já que é uma experiência inevitável por qualquer pessoa, seja em razão da orientação sexual dos pais ou não. Nesse sentido, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas revelou em uma pesquisa, que a maior parte do preconceito é devido à questões raciais, depois por causa da condição econômica e logo após em razão da orientação sexual. Cabe aos pais homossexuais, prepararem seu filhos para lidarem com eventuais estigmas no âmbito social ou escolar, buscando sempre tratar com transparência a realidade relacionada às suas origens, em virtude do olhar da sociedade. Também é de fundamental importância, o incentivo de politicas sociais, tanto pelo Estado, tanto pelas escolas, visando afastar qualquer tipo de discriminação e bullying. 

O argumento de que filhos de homossexuais correm riscos de sofrer abusos pelos pais e/ou seus amigos, se debruça numa visão preconceituosa, em que a homossexualidade é anormal, disfuncional e uma doença psiquiátrica, como resquício da homofobia existente antigamente, em que a homossexualidade era vista como um ato pervertido. Contudo, diversos estudos indicam que a orientação sexual por si só é irrelevante para o comportamento ou riscos de abuso sexual infantil, sendo igual o risco tanto em família homoparentais e heterossexuais. 

Segundo Dias (2010): 

Essas preocupações, no entanto, são afastadas com segurança por quem se debruça no estudo das famílias homoafetivas com prole. As evidências trazidas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães. Não foram constatados quaisquer efeitos danosos ao normal desenvolvimento ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio de crianças com pais do mesmo sexo. Também não há registro de dano sequer potencial ou risco ao sadio estabelecimento dos vínculos afetivos. Igualmente nada comprova que a falta do modelo heterossexual acarreta perda de referenciais a tornar confusa a identidade de gênero. Diante de tais resultados, não há como prevalecer o mito de que a homossexualidade dos genitores gere patologias nos filhos.

 

Vale a pena destacar a história de João, garoto de 11 anos, que foi adotado por dois pais homens. O garoto chegou a morar na rua, até que foi acolhido pelo conselho tutelar, que o encaminhou a um orfanato, devido o falecimento do pai e o abandono da mãe, a qual é dependente química. Na escola onde estava matriculado, foi proposto aos alunos que escrevessem uma redação sobre “como seria a vida do menino mais feliz do mundo”, tema comum de que as crianças desejem ter superpoderes e etc., mas João retratou o tema baseado em sua própria realidade após sua adoção, traduzida em uma relação de muito amor, afeto e realização. O texto escrito pelo adotado foi publicado por seus pais em uma rede social, o que logo alcançou grande repercussão e saiu em diversas matérias jornalísticas. 

Assim, João relata com suas palavras:

Uma vez eu morava só com meu pai, e um dia ele morreu e ninguém me quis, daí eu fui morar num orfanato. Passou muito tempo eu conheci dois pais homem que gostaram de mim eles me adotaram e partir desse dia eu me fiquei muito feliz. Eu amo muito esse dia esse dia nesse dia que conheci eles estou vivendo muito bem, muito feliz com eles, eles me amam e eu amo eles. 

Nós brincamos nos divertimos, sentimos dor e choramos juntos, e nós três somos felizes e amamos uns aos outros. Eu ser adotado eu não tenho vergonha e amo muito eles e minha outra família que eu tinha não me amava e eu era triste, mas essa família eu sinto que me ama e eu vou dar muito valor a ela, porque eu amo muito ela. 

O menino mais feliz do mundo chama João sou eu.
De João para meus dois pais homem que eu amo muito.

Nota-se, portanto, considerando que a nova concepção de família é baseada na dignidade da pessoa humana, pluralismo familiar, afetividade e liberdade, é sempre necessário estar atento ao melhor interesse da criança, não importando a orientação sexual dos pais adotantes, os quais são plenamente capazes de proporcionar o mesmo ambiente de desenvolvimento saudável que os pais heterossexuais, sendo qualquer entendimento diverso, além calcado no preconceito,  frágil, visto que inexistem diferenças nas crianças criadas por casais homoafetivos e em relação àquelas criadas por heterossexuais. 

 

4.2 Pesquisa de opinião

Considerando que a adoção homoafetiva é um assunto polêmico e que permite diversos tipos de posicionamentos, realizou-se pesquisa de opinião acerca do tema em discussão, de modo a verificar o ponto de vista dos entrevistados em relação à pergunta proposta.

Para o questionamento foram ouvidas 177 (cento e setenta e sete) pessoas de diferentes sexos e escolaridade, cuja faixa etária varia de 20 (vinte) à 70 (setenta) anos, cuja pergunta era: “Na sua opinião, a adoção por casais homossexuais influencia na orientação sexual do filho adotado?”. Verificou-se que aproximadamente 79,1% (setenta e nove vírgula um por cento) dos entrevistados responderam que a adoção homossexual não influencia na orientação sexual do adotado, enquanto que 17,5% (dezessete vírgula cinco por cento) responderam que influencia e 1,13% (um vírgula treze por cento) não souberam responder. 

Algumas das justificativas dadas pelos entrevistados em suas respostas foram:

“A orientação sexual não é passível de influência, portanto não importa qual seja a orientação de quem cria a criança. Pode acontecer da criança ser reprimida por conta do preconceito existente e demorar a reconhecer ou descobrir a sua orientação sexual.”

“Não sei opinar, mas acho que se fosse um fator determinante, nenhum filho de pais héteros seriam gays.”

“Nossos pais são nossa maior fonte de inspiração em vários aspectos de nossas vidas, então de certa forma influencia nesse quesito também.”

Assim, o que se conclui através dessa pesquisa de opinião é que cada vez mais a sociedade está mais aberta a diversidade, neste caso, a adoção homossexual, ainda que haja uma parcela de casos de muita resistência, com ideais conservadores e machistas, muitas vezes sob influencia religiosa, como existia antigamente. 

 

5 CONCLUSÃO

A nova concepção de família na atualidade é resultado das diversas transformações sofridas pela sociedade que surtiram efeito nas entidades familiares, conferindo-as uma configuração mais ampla, cuja finalidade é baseada no afeto, na solidariedade e no pleno desenvolvimento de seus membros, diferente de como era no passando, em que só era considerada como família apenas aquela constituída pelo casamento, pouco importando a felicidade de seus integrantes.

Como exemplo de reflexo da valorização do afeto nas relações familiares, estão as famílias homoafetivas. Apesar de existirem desde os primórdios da humanidade, essa entidade foi duramente perseguida, em razão, principalmente, da influência religiosa, que condenava a prática de atos homossexuais, taxados como pecado.

Apesar de toda adversidade, através de diversas lutas em prol da igualdade, o advento da dignidade da pessoa humana e a laicização do Estado, os homossexuais conquistaram e vêm conquistando diversos direitos. No caso do Brasil, uma importante conquista histórica foi o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, conferindo o mesmo tratamento dado à casais heterossexuais, o que permitiu àqueles, por exemplo, a adoção, conforme julgamento da ADI 4277 e ADPF 132, e casamento, conforme resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça.

Ocorre que, apesar do Estado garantir tratamento igualitário a todas as famílias, independente de sua origem, a sociedade ainda encara essas novas modalidades como um tabu, especialmente quando se trata da família homoafetiva. Argumentos como: “As crianças precisam de um pai e de uma mãe para se desenvolverem corretamente”, “A opção dos pais vai interferir na orientação sexual do adotado”, “A adoção por casais do mesmo sexo causa problemas psicológicos na criança”, são alguns dos desafios ainda enfrentados, baseados no preconceito, já que estudos comprovam que a adoção homoafetiva não provoca qualquer distúrbio no adotado, quando comparados às crianças que possuem pais de orientação heterossexual.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Código civil. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. Ed Especial. São Paulo: Ed. RT, 2015.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. Ed Especial. São Paulo: Ed. RT, 2015.

CARVALHO, Alexandre de. Freud: Para Entender de Uma Vez. São Paulo, SP: Abril, 2017.

CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. Vol.5, 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

Famílias e Constituição. Boletim IBDFAM. n. 75. Ano 12. Julho/Agosto 2012.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito constitucional à família. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, n. 23, p. 5 – 21, abr./mai. 2004.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias. 4. ed.São Paulo: Saraiva, 2011.

MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas Modalidades de Família na Pós-Modernidade. São Paulo: Atlas, 2010.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MORICI, Sílvia; DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. p. 37.

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

DIAS, Maria Berenice. A família homoafetiva e seus direitos. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_639)45__a_familia_homoafetiva_e_seus_direitos.pdf>. Acesso em: 28 de jun. de 2020.

Painel detalha estatísticas da adoção e do acolhimento no Brasil. Conjur, 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-abr-01/painel-detalha-estatisticas-adocao-acolhimento-brasil>. Acesso em: 15 de jul. de 2020.

Justiça gaúcha autoriza casal homossexual a adotar crianças. Conjur, 2006. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2006-abr-05/justica_gaucha_autoriza_adocao_casal_homossexual>. Acesso em: 15 de jul. de 2020.

PENZANI, Renata. Adoção: João descreve o ‘menino mais feliz do mundo’, ele mesmo. Catracalivre, 2017. Disponível em: <https://catracalivre.com.br/cidadania/adocao-joao-descreve-o-menino-mais-feliz-do-mundo-ele-mesmo/> Acesso em: 15 de jul. de 2020.

CASTRO, Carol. 4 Mitos sobre filhos de pais gays. Super Interessante, 2018. Disponível em:<https://super.abril.com.br/comportamento/4-mitos-sobre-filhos-de-pais-gays/>. Acesso em: 15 de jul. de 2020.

ZAMBRANO, Elizabeth; LOREA, Roberto; MYLIUS, Leandra; MEINERZ, Nádia; BORGES, Priscila. O direito a homoparentalidade. Grupo Dignidade. Disponível em:<https://www.grupodignidade.org.br/docs/zambrano_et_al_homoparentalidade_-_A4[1].pdf>. Acesso em: 15 de jul. de 2020.

FANTÁSTICO.  Dia das Mães: a vida das 11 milhões de brasileiras que criam os filhos sozinhas. G1, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2020/05/10/dia-das-maes-a-vida-das-11-milhoes-de-brasileiras-que-criam-os-filhos-sozinhas.ghtml>. Acesso em: 15 de jul. de 2020.

Oscar Wilde – Sou o amor que não ousa dizer seu nome. Literatus. 2008. Disponível em: <https://literatus.blogspot.com/2008/11/o-amor-que-no-ousa-dizer-o-nome-nesse.html#:~:text=%22O%20amor%20que%20n%C3%A3o%20ousa,sonetos%20de%20Michelangelo%20e%20Shakespeare.>. Acesso em: 28 de jun. de 2020.

Data da conclusão/última revisão: 30 de julho de 2020

 

Como citar o texto:

CANÇADO, Izabella Martins Caetité Lopes..Adoção homoafetiva: o estigma social em paralelo com sua viabilidade psicossocial e psicosexual. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 995. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-da-infancia-e-juventude/10469/adocao-homoafetiva-estigma-social-paralelo-com-viabilidade-psicossocial-psicosexual. Acesso em 7 set. 2020.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.