Criança e adolescente: uma perspectiva sobre seus direitos
RESUMO
As crianças e os adolescentes, em razão de sua vulnerabilidade, sempre foram postos em último plano, sendo, portanto, atingidos pelas mazelas sociais. As crianças e adolescente eram tratados como objetos nos primórdios remotos, e só na Idade Média é que as crianças passaram a ter seus direitos reconhecidos, embora mínimos. No Brasil passados pelas Ordenações Filipinas, século VIII, é que houve uma preocupação com crianças e adolescentes, mas somente de maneira a puni-las. Foi através de movimentos internacionais que a criança e o adolescente passaram a figurarem como sujeitos de direitos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura direitos para a criança e o adolescente, bem como a Constituição Federal de 1988. Mas nem sempre esses direitos são respeitados, assim é preciso que o Estado, a sociedade, a família, assumam de fato, seu compromisso com a criança e o adolescente. Objetiva-se, neste estudo identificar conceitualmente a terminologia utilizada na temática criança e adolescente, bem como seus conexos; explicar como a criança e o adolescente foram vistos e tratados na história jurídica, refletir acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes, e ao final demonstrar que é preciso um olhar mais profundo para a população infanto-juvenil, a fim de proporcionar à elas a proteção integral apregoadas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do adolescente. Para tanto, será realizada pesquisa doutrinária e acerca do tema.
Palavras-chave: Criança. Adolescente. Sujeitos de Direitos. Proteção Integral.
ABSRACT
Children and adolescents, because of their vulnerability, have always been in the final stages and are therefore affected by social ills. Children and adolescents were treated as objects in the earliest days, and it was only in the Middle Ages that children came to have their rights recognized, albeit minimal. In Brazil, passed by the Philippines Ordinances, in the 8th century, there was a concern with children and adolescents, but only in a way to punish them. It was through international movements that the child and the adolescent began to figure as subjects of rights. The Statute of the Child and Adolescent (ECA) ensures rights for children and adolescents, as well as the Federal Constitution of 1988. But these rights are not always respected, so it is necessary for the State, society and the family to assume commitment to the child and the adolescent. The objective of this study is to conceptually identify the terminology used in the child and adolescent, as well as its related themes; explain how the child and adolescent were viewed and treated in legal history, reflect on the rights of children and adolescents, and ultimately demonstrate that a deeper look at the child and adolescent population is needed in order to in the Federal Constitution and in the Statute of the Child and Adolescent. For this, doctrinal research and the subject will be carried out.
Keywords: Child. Teenager. Rights subjects. Integral Protection.
INTRODUÇÃO
A Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, ratificada pelo Brasil em 1990, a Constituição Federal de 1988, e o Estatuto da Criança e do Adolescente, incorporaram na cultura do ordenamento jurídico brasileiro, a concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, por tanto, são pessoas, entretanto, em condição peculiar de desenvolvimento, no entanto, não as faz menos pessoa que qualquer outra, é digna de direitos como como qualquer outro ser humano.
As crianças e os adolescentes sempre foram situadas num segundo plano na esfera familiar, social e estatal, e em decorrência dos inúmeros problemas sociais econômicos, das desigualdades na distribuição de renda, estes são os mais atingidos, pois ficam vulneráveis às mazelas que acometem a sociedade, tais como a violência, educação precária, etc.
Vulneráveis, pela a deficiência do Estado em proporcionar uma vida digna a todos, como moradia, educação, lazer etc., o que evitaria essa discrepância que existe no Brasil entre as pessoas, ou seja, a desigualdade de renda per capita, como pelas medidas adotadas pela lei, de punição ao menor infrator, pois o que se deve buscar não é a punição em si, mas a ressocialização do menor infrator, através das medidas socioeducativas.
Diante desta triste realidade que assola nosso país, percebe-se que o Estado, de um modo geral, nada tem contribuído para a prevenção de atos infracionais praticados pela criança e pelo adolescente, nem tão pouco assumido verdadeiramente compromisso com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura direitos para a criança e o adolescente, para que estas se desenvolvam fisicamente, mentalmente, moralmente, espiritualmente e socialmente, em condição de liberdade, assim como, também a Constituição Federal de 1988 preceitua, que cabe a família, a sociedade e ao Estado garantir à criança e ao adolescente, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e em sociedade, e pô-los a salvos de tudo, que as oprime, que as violente, que as explore, que as discrimine, enfim, de toda forma de negligência e crueldade.
Oportuno dizer, que o Estatuto da Criança e do Adolescente, não só garante direitos, como também estatui deveres para a criança e o adolescente, quando estes cometem atos infracionais, que vai desde a advertência até a internação.
Desta forma, quando do cometimento de atos infracionais, têm-se as medidas socioeducativas, das quais, buscam não só a punição do menor infrator, mas também a ressocialização, prevalecendo os interesses destes, como sujeitos de direitos.
Diante dessa realidade é preciso que o Estado, a sociedade e a família, assumam de fato, a proteção integral da criança e do adolescente, contribuindo para a proteção destes, evitando, assim, que os mesmos busquem outras alternativas que as coloquem em risco.
Assim, objetiva-se com neste estudo, refletir acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes, e ao final demonstrar que é preciso um olhar mais profundo para a população infanto-juvenil, a fim de proporcionar à elas a proteção integral apregoados na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do adolescente.
1. DISTINÇÃO ENTRE CRIANÇA E ADOLESCENTE
A criança e o adolescente são sujeitos de direitos e, como sujeitos de direitos devem ter seus direitos personalíssimos respeitados e garantidos. São pessoas que estão em pleno desenvolvimento físico, emocional, intelectual, social, dentre outras coisas.
A criança e o adolescente, por estarem em desenvolvimento, não possuem maturidade para conduzirem por si próprias suas vidas. Não possuem tirocínio, logo, não podem tomar decisões sozinhas e assumir obrigações.
Contudo, gozam de direitos personalíssimos, os quais, devem ser respeitados e garantidos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069/90, conceitua criança e adolescente, considerando criança, a pessoa até doze anos de idade incompletos e, adolescente, pessoa entre doze e dezoito anos de idade incompletos.
Maria Helena Diniz (2008, p. 1086), conceitua criança como:
Criança. Direito do menor. Pessoa até doze anos de idade, que tem assegurados todos os direitos fundamentais ao homem, que deverão ser respeitados prioritariamente pela família, pela sociedade e pelo Estado, sob pena de responderem pelos danos causados.
Ainda, Maria Helena Diniz (2008. p. 120), afirma que adolescente:
[...] É o que está na adolescência, que compreende a idade entre doze e dezoito anos, tendo direitos especiais como: a) admissão no trabalho com a idade de catorze anos no mínimo; b) proibição de trabalho noturno, perigoso, ou insalubre; c) garantia de obtenção de vantagens previdenciárias; d) acesso à escola; e) direito de voto a partir de dezesseis anos; f) aceitação de mandato; g) permissão para fazer testamento ou para testemunhar atos jurídicos; h) exercício de emprego público para o qual não for exigida a maioridade; i) permissão para casar-se; j) exercício na justiça criminal do direito de queixa, renúncia e perdão; l) direito à convivência familiar e comunitária; m) prevenção à ocorrência de ameaça ou violação dos seus direitos à informação, à cultura, ao lazer, aos esportes, à venda de produtos e à autorização para viagens. Tem, por outro lado, deveres pela prática de crimes ou contravenções, sendo submetido a penas disciplinares, a prestação de serviços à comunidade, a regime de semiliberdade ou de internação etc.
Assim, verifica-se, que enquanto a criança está em franco desenvolvimento, sob todos os aspectos, e não pode agir sozinha, o adolescente, praticamente já está em fase de conclusão de seu desenvolvimento, pois já fala, anda, na maior parte das vezes já sabe ler e escrever, já realiza alguns trabalhos, toma algumas decisões, sabe lidar com várias situações da vida, dentre outras coisas, contudo, ainda não alcançou um desenvolvimento pleno.
2. BREVE EVOLUÇÃ DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL
A dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais da Constituição Federal, que reconhece cada indivíduo como centro autônomo de direitos e de valores essenciais à sua realização plena como pessoa. Indivíduo, é todo ser humano, incluindo aqui, por óbvio, crianças e adolescentes.
A História do Brasil, quando se trata da criança e do adolescente é de injustiças e maus-tratos para com os mesmos.
Para Volpi (2000, p.21):
Estudar a história da atenção à infância e à adolescência no Brasil implica ter coragem de mergulhar num mundo de injustiças, violência, maus-tratos, discriminação e negação de direitos. Começa com o tratamento dado aos indígenas, passa pelo truculento processo de escravidão do povo negro e vem até a tortura e o confinamento arbitrário de meninos e meninas de rua de nossos dias.
No Brasil colônia, em 1603, foram promulgadas por Filipe II, as Ordenações Filipinas, cujo teor desrespeitava os direitos fundamentais de que temos conhecimento atualmente.
Segundo Azevedo (2007, p.4):
As Ordenações Filipinas foram promulgadas em 1603, por Filipe II, e orientava-se no sentido de ampla e generalizada criminalização e severas punições. Predominavam a pena de morte, mas haviam outras, cruéis: açoite, corte de membros, trabalho forçado em galés, etc.
Durante a fase imperial, era assegurado ao pai, o direito de castigar o filho como forma de educa-lo, excluindo-se a ilicitude da conduta paterna se no exercício dessa autoridade paternal, viesse o filho a falecer ou sofrer algum tipo de lesão.
Foi nesse período, da fase imperial, que começou a preocupação com os infratores, menores ou maiores, e a política repressiva era fundada no temor ante a crueldade das penas.
Segundo Freitas (2003, p.21):
Para o código filipino, que vigorou até o fim do século XIX, a maioridade se verificava aos 12 anos para as meninas e aos 14 para os meninos, mas para a Igreja Católica, que normatizou toda a vida das famílias nesse período, 7 anos já é idade da razão.
Constata-se, que no período das Ordenações Filipinas, a criança e o adolescente alcançava sua maioridade, ainda menino(a).
Com o Código Penal do Império de 1830, houve uma pequena alteração ao tratamento com a criança e o adolescente.
Azevedo (2007, p.4) diz que:
O Código Penal Brasileiro de 1830 fixou a idade de responsabilidade penal objetiva aos 14 anos e facultou ao juiz a possibilidade de – isso se ele entender que a criança sabe distinguir o bem do mal – manda-la para a cadeia a partir dos 7 anos. Portanto o Brasil adota o critério biopsicológico entre 7 e 14 anos para afirmar que a partir dos 14 se é tratado como adulto (...).
Ainda, Azevedo (2007, p. 5) afirma que:
Em 11-10-1890, foi editado no Código Penal Brasileiro, conhecido com Código Zanardelli. O Código Penal de 1890, o primeiro da República, estabeleceu a inimputabilidade absoluta apenas para os menores de nove anos. Para os infratores que contassem entre nove e quatorze anos, desde que houvessem agido com discernimento, era indicado o recolhimento a estabelecimento disciplinar industrial, pelo tempo que parecesse necessário ao juiz, não podendo exceder o limite de dezessete anos de idade. Apesar da previsão de tratamento diferenciado, as “casas de correção” e as unidades de “estabelecimento disciplinar industrial” jamais saíram do papel.
Houve, com relação ao código filipino, apenas pequenas modificações. Os menores de 9 anos passaram a serem inimputáveis, mantendo a verificação do discernimento para os adolescentes entre 9 e 14 anos de idade, e os de até 17 anos seriam apenados com 2/3 da pena do adulto.
Destaca-se, que o Estado agindo por meio da Igreja, funda em 1551, a primeira casa de recolhimento de crianças no Brasil, gerida pelos jesuítas, com o intuito de isolar crianças indígenas e negras da má influência dos pais, com seus costumes bárbaros. Solidava, assim, o início da política de recolhimento.
Segundo Andréa Rodrigues Amin (MACIEL, 2016, n.p.):
No século XVIII, aumenta a preocupação do Estado com órfãos e expostos, pois era prática comum o abandono de crianças (crianças ilegítimas e filhos de escravos, principalmente) nas portas das igrejas, conventos, residências ou mesmo pelas ruas. Como solução, importa-se da Europa a Roda dos Expostos, mantida pelas Santas Casas de Misericórdia.
Nesse contexto, a história Brasil, quando diz respeitos a crianças e ao adolescente, verifica-se injustiças e maus-tratos para com os mesmos.
Para Volpi (p.21):
Estudar a história da atenção à infância e à adolescência no Brasil implica ter coragem de mergulhar num mundo de injustiças, violências, maus-tratos, discriminação e negação de direitos. Começa com o tratamento dado aos indígenas, passa pelo truculento processo de escravidão do povo negro e vem até a tortura e o confinamento arbitrário de meninos e meninas de rua de nossos dias.
Segundo Bataglia e Côrtes Alves (apud VOLPI, 2000, p. 21):
Em sua obra Infância e desenvolvimento – desafios e propostas, ‘as casas dos expostos’, conhecidos como casas da roda, forma típica de atendimentos nos séculos XVIII e XIX, tinham como propósito maior a salvaguarda dos padrões de moral pública e familiar da época. Acolhiam no anonimato ‘filhos de mães solteiras’, de ‘mulheres de má conduta’, crianças abandonadas pelos pais devido à extrema pobreza, filhos de escravos (entregues na esperança de que pudessem crescer como cidadãos livres), entre outros enjeitados.
Encontra-se, desta maneira, que além da Santa Casa de Misericórdia ser um hospital, era também um asilo para os enjeitados, sendo a única instituição, à época, de assistência à criança abandonada em todo o Brasil.
A revista Inter-Ação (jan./jun., 2004, p.115) diz que: “até a metade do século XX, manteve-se as rodas dos expostos no Brasil, sendo a última desativada na década de 1950, em São Paulo”.
Para Freitas (2003, p. 36):
A Santa Casa de Misericórdia, além de ser um hospital, é também um asilo para os enjeitados. Ali, tem-se a exposição diária de criança, e as facilidades que se dão a fim de que o que queiram livrar-se delas possam fazê-lo discretamente. O engenho, ou seja, a ‘roda dos expostos’, para receber as crianças conta de um cilindro oco e vertical, e girando em torno de um eixo. Um terço dele é aberto para dar acesso ao interior, e o fundo é coberto com uma almofada. O aparelho é constituído de tal modo que é impossível aos de dentro verem os do lado de fora.
Assim, vê-se, que à criança e ao adolescente não eram garantidos direitos, ao contrário, eram reduzidos à condição análoga de objetos.
A influência externa e as discussões internas acerca da criança e do adolescente em situação de abandono e delinquência, levam há uma consciência geral de que o Estado deveria proteger as mesmas.
Nesse pensamento, Mello Mattos, em 1902, propõe um projeto de proteção ao menor que é transformado em Lei em 1926 e, um ano depois, em 12 de outubro de 1927, é promulgado o Código de Menores, mais conhecido como Código Mello Mattos.
Segundo Freitas (2003, p. 83):
Depois da Primeira Guerra, vários tratados internacionais estabeleceram novas regras de convivência entre os países membros da Sociedade das Nações, e que um dos resultados desses tratados foi a aprovação de uma Declaração dos Direitos da Criança, na Conferência de Genebra, em 1921. No Brasil, o que se decretou foi um Código de Menores, em 1927, do qual constava a proibição do trabalho de crianças de até 12 anos e sua impunidade até os 14 anos.
Para Freitas (2003, p. 84):
Dos 14 aos 18 anos, as crianças poderiam ser internadas em ‘estabelecimentos especiais’ e dos 18 anos em diante seriam puníveis pelos crimes cometidos. As crianças da categoria dos 14 aos 18 anos, desde então numa espécie de limbo legal, serão transformadas em menores, e os estabelecimentos especiais destinados a elas, bem como os agentes sociais que delas deveriam se encarregar, passam a ser objeto da atenção de médicos e juristas, de psicólogos e pedagogos.
Para Azevedo (2007, p. 3):
Embora elaborado exclusivamente para o controle da infância abandonada e dos delinquentes de ambos os sexos, menores de 18 anos (art. 1º), o Código Mello Mattos seria, apesar disto, o primeiro diploma legal a dar um tratamento mais sistemático e humanizador à criança e ao adolescente, consolidando normas esparsas anteriores e prevendo, pela primeira vez, a intervenção estatal nesta delicada seara social.
Para Andréa Rodrigues Amin (MACIEL, 2016, n.p.):
(...) Foi uma lei que uniu justiça e assistência, união necessária para que o Juiz de Menores exercesse toda sua autoridade centralizadora, controladora e protecionista sobre a infância pobre, potencialmente perigosa. Estava construída a categoria Menor, conceito estigmatizante que acompanharia crianças e adolescentes até a Lei n.º 8.069/90.
Desta forma, o Código Mello Mattos trouxe como dever da família, suprir adequadamente as necessidades básicas das crianças e dos jovens, de acordo com o modelo idealizado pelo Estado, e por parte deste, medidas assistenciais e preventivas com o objetivo de diminuir o número de crianças e jovens que vivem na rua.
Em 1941, através do Decreto-Lei n.º 3.799, que criou o Serviço de Assistência do Menor (SAM), que atendia menores delinquentes e desvalidos, redefinido em 1944 pelo Decreto-Lei n.º 6.865.
Em 1964, entrou em vigência a Lei n.º 4.513, que criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem).
Nesse sentido, destaca Andréa Rodrigues Amin (MACIEL, 2016, p.n):
A atuação da nova entidade era baseada na Política Nacional do Bem-Esstar do Menor (PNBEM) com gestão centralizada e verticalizada. Nítida a contradição entre o técnico e a prática.
Legalmente, a Funabem apresentava uma proposta pedagógico-assistencial progressista. Na prática, era mais um instrumento de controle do regime político autoritário exercido pelos militares. Em nome da segurança nacional, buscava-se reduzir ou anular ameaças ou pressões antagônicas de qualquer, origem, mesmo se tradando de menores, elevados, naquele momento histórico, à categoria de “problema de segurança nacional”.
O período de vigência destes decretos-leis, foi individualizado pelo regime de internações com quebra dos vínculos familiares, substituídos por vínculos institucionais, tendo como objetivo recuperar o menor, adequando-o ao comportamento ditado pelo Estado, mesmo que o afastasse por completo da família. A preocupação era correcional e não afetiva.
Em 10 de outubro de 1979, sobre fortes debates de uma legislação menorista, entra em vigor a Lei n.º6.697, o novo Código de Menores.
Para Leite (2013):
Em 1979, surgiu um novo Código de Menores, trazendo um dispositivo de intervenção do Estado sobre a família, que abriu caminho para o avanço da política de internação-prisão. O princípio de destituição do pátrio poder baseado no estado de abandono, através da sentença de abandono, possibilitando ao Estado recolher crianças e jovens em situação irregular e condená-los ao internato até a maioridade.
Essa lei não inovou, apenas consolidou a doutrina da Situação Irregular, continuou a cultura da internação de crianças e adolescentes, as quais essas, eram carentes ou delinquentes.
A criança e o adolescente, ainda, que em desenvolvimento possuem direitos, dos quais estão inclusos no Direitos Humanos, vez que se tratam de seres humanos, como todas a pessoas.
3. A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES
Após a Segunda Guerra, movimentos em prol dos Direitos Humanos, levaram a ONU em 1948, a elaborar a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Nesse contexto, Piovesan e Ikawa (2008, p.860) diz que:
A concatenação de fatos históricos, tais como o absolutismo monárquico, o racionalismo jurídico, o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha e Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, que revelaram a opressão do Estado sobre o indivíduo, destituindo-o de sua dignidade, desencadeou na comunidade internacional, uma série de pensamentos e movimentos ideológicos na direção da promoção e da defesa dos direitos humanos concretizados em instrumentos como o Direito Humanitário (Direitos para períodos de guerras), a liga das Nações Unidas, a OIT – Organização Internacional do Trabalho, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. No que toca a esta última, foi adotada como um paradigma ético universal, impactando, por sua vez, a ordem jurídica interna dos diversos países que lhe foram signatários.
Para Carlos Aurélio Mota de Souza (apud Bucci; Sala; Campos (coords.), 2012, p. 57):
Conscientizar o homem para a Cidadania é fundamental. ‘É o dever-ser’ da doutrina superior dos direitos do homem! A dignidade do homem – como ser privilegiado na natureza – somente se expressa plenamente na convivência pacífica com os semelhantes e na condução eficaz e igualitária do bem comum, através da administração política da coisa pública.
Segundo Fernando Barcellos de Almeida (apud Bucci; Sala; Campos (coords.), 2012, p. 59):
Direitos humanos são as ressalvas e restrições ao poder político ou as imposições a este, expressas em declarações, dispositivos legais e mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades de inteligência, dignidade e consciência, e permitir as satisfações de suas necessidades material e espirituais.
Para João Baptista Herkenhoff (apud Bucci; Sala; Campos (coords.), 2012, p. 59):
Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.
Para Alexandre de Morais (apud Bucci; Sala; Campos (coords.), 2012, p. 60): “os direitos humanos colocam-se como uma das previsões absolutamente necessárias a todas as constituições, no sentido de consagrar o respeito à dignidade humana, garantir a limitação de poder e visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana”.
Ainda, Bucci; Sala; Campos (coords., 2012, p. 67): “Assim, os Direitos Humanos extraem da própria natureza humana, antes da criação de qualquer contrato social, o caráter de inviolável, imprescritível e universal. Sua validade afeta igualmente todos os povos em todos os tempos pela dimensão”.
A criança e o adolescente, como qualquer ser humano tem também direito à vida, à liberdade, segurança, consideração e tratamento respeitoso, tanto física, quanto psicologicamente, emocionalmente e socialmente e mais, precisa de afeto, amor, carinho, compreensão.
O art. 3º, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelece que toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, estabelece também em seu art. 5º, que nenhuma pessoa será submetida à tortura, tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Assim, salienta Waiselfisz (2012):
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, pedra fundamental de nossa moderna convivência civilizada, estabelece, no ser art. 3º, que “todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” e no art. 5º: “ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.
Segundo Waiselfisz (2012):
Mais recente, a Declaração Universal do Direitos da Criança estabelece, no seu Princípio VI – Direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade, que ‘a criança necessita de amor e compreensão, para o desenvolvimento pleno e harmonioso de sua personalidade’.
Para Piovesan e Ikawa (2008, p. 858):
Os direitos da criança como categoria dos direitos humanos internacionais, especificamente concebidos e elaborados, se expandiram internacional e nacionalmente como fruto da aspiração de toda humanidade no decorrer de seu complexo contexto histórico. Com vistas à sua proteção integral, a criança é posta como um sujeito específico, especial, cuja proteção constitui ônus não só de seus genitores, mas também, de toda a comunidade em que ela se encontra inserida, de seu Estado e, primordialmente, de toda a comunidade internacional da qual é ela cidadão.
Portanto, após a primeira e segunda guerras, das quais, houve injustiças, desumanidade, ansiou-se por direitos que garantissem a humanização da população mundial, nascendo assim os direitos humanos, para garantir direitos fundamentais.
Em 20 de novembro de 1959, a ONU publicou a Declaração dos Direitos da Criança, a qual, originou-se a doutrina da proteção integral à criança e adolescente.
Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (2010, p. 27):
Com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), uma nova instância e parâmetros foram estabelecidos para a discussão e deliberação de temas internacionais, inclusive a juventude. A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada no ano de 1948, a comunidade internacional, por meio da ONU, vem firmando uma série de Convenções Internacionais nas quais são estabelecidos Estatutos comuns de cooperação mútua e mecanismos de controle, que garantem a não violação e o exercício pelo cidadão de um elenco de direitos considerados básicos à vida digna, os chamados direitos humanos.
Para Fundo de População das Nações Unidas (2010, p.48):
A Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990, introduziu no plano normativo internacional aspectos inovadores, novos paradigmas orientadores das relações pessoais e sociais com este segmento, como:
- o valor intrínseco da criança e do adolescente como ser humano;
- a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento;
- seu reconhecimento como sujeito de direito; e
- sua prioridade absoluta nas políticas.
Para o Fundo de População das Nações Unidas (FPNU) (2010, p. 48):
O reconhecimento pelas Nações Unidas da criança e do adolescente como sujeitos sociais portadores de direitos e garantias próprias, independentes dos direitos de seus pais e/ou familiares e do próprio Estado, foi a grande mudança de paradigma. Essa mudança estabeleceu obrigações diferenciadas para os Estados, a família e a sociedade em geral, no âmbito das relações com a criança e adolescente, assegurando políticas não excludentes ou repressivas que favoreçam o pleno exercício da cidadania desse segmento.
Desta forma, no plano internacional de proteção dos direitos humanos, é adotado como fator primordial o desenvolvimento integral da criança, reconhecendo como verdadeiro sujeito de direito, a exigir proteção especial e absoluta prioridade para toda criança, que nos termos da Convenção, como já dito, é todo ser humano com menos de 18 anos de idade.
4. A PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO DIREITO BRASILEIRO
Constrói-se o direito com lutas e sentimento de justiça. Assim, com acentuada mobilização de organizações populares nacionais e de atores da área da infância e juventude, somada a pressão de organismos internacionais, como o Unicef, foi essencial para que o legislador constituinte se tornasse sensível a uma causa já reconhecida como primordial em diversos documentos internacionais, como a Declaração de Genebra, de 1924; a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Nações Unidas, em 1948; a Declaração dos Direitos da Criança, de 1959; a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969) e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras Mínimas de Beijing (Res. 40/33 da Assembleia-Gral, de 29 de novembro de 1985. A nova ordem rompeu, desta forma, com o já consolidado modelo da situação irregular e adotou a doutrina da proteção integral.
A Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança do Adolescente e a Convenção sobre os Direitos da Crianças, ratificado pelo Brasil, trouxe ao nosso ordenamento jurídico uma nova cultural, em que crianças e adolescentes são tidos como sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento, sendo garantido à elas proteção integral.
No processo de institucionalização dos direitos humanos no Brasil, a Contituição Federal de 1988 representa a grande mudança de paradigma jurídico.
Segundo Rocha e Pereira (2003):
A Constituição Federal de 1988 inova na proteção à criança e ao adolescente ao adotar a doutrina da proteção integral, diferenciando d doutrina da situação irregular vigente até então com o Código de Menores. A doutrina da situação irregular tinha como objeto legal apenas os menores de 18 anos em estado de abandono ou delinquência, sendo submetidos pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção.
Confiou à Constituição supracitada, uma maior ênfase no que concerne à proteção e garantias à criança e ao adolescente. Ampliando essa responsabilidade à família, à sociedade e ao Estado, declarando a proteção integral a toda a população infanto-juvenil, conforme se encontra preconizado no caput do art. 227, se não vejamos:
Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Para Wolkmer e Leite (2003, p. 32): “Este novo direito social, ao garantir o acesso à educação, por exemplo, o faz consciente de que a educação é um dos instrumentos mais eficazes para o surgimento do sujeito-cidadão”.
Além do caput, do artigo supracitado, em seu § 4º, estabelece também, normas punitivas na forma da Lei sobre o abuso, violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
Vejamos também o artigo 228 da Constituição Federal de 1988: Art. 228. “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
Desta forma, a Constituição Federal de 1988, consiste numa garantia individual às crianças e aos adolescentes, declarando-os inimputáveis. Entretanto, esse novo direito que garante a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, não limita à eles, serem apenas sujeitos receptores de garantias, mas sobretudo serem receptores de um processo de edificação de suas autonomias.
Nesse sentido, Wokmer e Leite (2003, p. 32) diz:
A criança e adolescente na ótica menorista eram meros objetos de toda uma ideologia tutelar, de uma cultura que coisificava a infância. Já na ótica desse novo direito, a criança e o adolescente são compreendidos como sujeitos, cujas autonomias estão se desenvolvendo, elevando-os a autores da própria história, enquanto atores sociais.
A revolução constitucional na defesa dos interesses infanto-juvenis, teve como resultado a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990, revogando, assim, o antigo Código de Menores, regulamentou o art. 227 da CF/88, deu cumprimento aos compromissos internacionais, incorporando em seu texto os compromissos expostos na Convenção Sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, da qual o Brasil é signatário.
4.1 Estatuto da Criança e do Adolescente
Segundo o Fundo de População da Nações Unidas (2010, p. 59):
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990) rompe com o regime anterior da Lei Federal n.º 6.697 de 10.10.1979 (Código de Menores - revogado), voltado para as crianças e adolescentes em situação irregular, e reconhece todas as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos nas diversas condições sociais e individuais. O Estatuto dá cumprimento aos compromissos internacionais assumidos na Convenção Internacional dos Direitos da Criança das Nações Unidas e regulamenta o art. 227 da nova Constituição Federal de 1988.
Para Andréa Rodrigues Amin (MACIEL, 2016, n.p.):
O termo “estatuto” foi de todo próprio, porque traduz o conjunto de direitos fundamentais indispensáveis à formação integral de crianças e adolescentes, mas longe está de ser apenas uma lei que se limita a enunciar regras de direito material. Trata-se de um verdadeiro microssistema que cuida de todo o arcabouço necessário para efetivar o ditame constitucional de ampla tutela do público infanto-juvenil. É norma especial com extenso campo de abrangência, enumerando regras processuais, instituindo tipos penais, estabelecendo normas de direito administrativo, princípios de interpretação, política legislativa, em suma, todo o instrumental necessário e indispensável para efetivar a norma constitucional.
Segundo Wolkmer e Leite (2003, p. 42):
O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao assegurar em seu art. 1º a proteção integral à criança e ao adolescente, reconheceu como fundamentação doutrinária o princípio da Convenção, que em seu art. 19 determina: “Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência físicas ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela”.
Portanto, o ECA ao trazer em seu bojo a doutrina da Proteção Integral à criança e ao adolescente e, não mais a Doutrina da Situação Irregular, de caráter filantrópico e assistencial, constituindo, assim, uma verdadeira revolução no nosso ordenamento jurídico e social, no qual família, sociedade e Estado são partícipes e cogestores do sistema garantias a todas as crianças e adolescentes, lesados em seus direitos fundamentais de pessoas em desenvolvimentos.
O artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, afirma que a criança e o adolescente, possuem todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, além de lhes assegurar todas as oportunidades e facilidades, que lhes possam proporcionar desenvolvimento físico, mental, mora, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, senão vejamos:
Art. 3º. “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurndo-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, menta, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.
Para Wolkmer e Leite (2003, p. 49):
Nesse processo de conferir à criança e ao adolescente uma série de direitos que vão desde a efetivação dos direitos referentes à vida até a convivência familiar e comunitária, há que garanti-los com absoluta prioridade. A garantia de prioridade, segundo a definição legal, presente no parágrafo único do art. 4º de o Estatuto da Criança e do Adolescente, compreende especificamente:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevâncias públicas;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Dessa forma, o ECA, garante proteção integral à criança e ao adolescente, sendo da família, sociedade e Estado a responsabilidade em assegurar essa Proteção Integral, que se traduz em direitos.
4.1.1 Das medidas de proteção
Segundo De Plácito e Silva (apud Zainaghi 2002), conceitua proteção da seguinte forma:
Do latim protctio, de proteger (cobrir, amparar, abrigar), entende-se toda espécie de assistência ou de auxílio, prestado às coisas ou às pessoas, a fim de que se resguardem contra os males que lhes possam advir. Em certas circunstâncias, a prostituição revela-se o favor ou benefício, tomando, assim, o caráter de privilégio ou de regalia. Desta acepção é que se deriva o conceito protecionismo, na linguagem econômica e tributária.
O art. 98 do Estatuto da criança e do adolescente dispõe, que as medidas de proteção à criança e ao adolescente, são aplicadas pela autoridade competente (juiz, promotor, conselheiro tutelar), quanto da violação ou ameaças dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, em situação de risco pessoal ou social, vejamos:
Art. 98. “As medidas de proteção à criança e ao adolescentes são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou violados:
I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis;
III – em razão de sua conduta”.
Edson Sêda (Cury; Silva; Mendez, 2002, p. 34) comentando o artigo supracitado, entende que:
Comporiam este conjunto, por um lado crianças e jovens vítimas históricas de políticas econômicas concentradoras de renda e de políticas sociais incompetentes em sua tarefa de assegurar a todos os cidadãos seu direitos sociais básicos. Criança e jovens com a saúde ou a própria vida ameaçadas pelas condições de pobreza, desnutrição e insalubridade ambiental; sem acesso a uma assistência médica de qualidade; fora da escola ou submetidos a um processo educacional que os leva ao fracasso escolar, à estigmatização e à exclusão; inseridos num trabalho que os explora e afasta do convívio familiar e comunitário, da escola e do lazer.
Estariam também neste grupo, por outro lado, crianças cujas famílias se omitem do dever de assisti-las e educa-las, praticam maus-tratos, opressão ou abuso sexual, ou simplesmente as abandonam.
Surge, porém na letra da lei entre os responsáveis pela ameaça ou violação dos direitos da criança um terceiro agente – ela própria (a criança) em função de sua conduta.
Ressalta-se, que são asseguradas em qualquer hipótese, às crianças e adolescentes seus direitos fundamentais, bem como sua proteção integral, além da garantia da prioridade em receber proteção e socorro, salvaguardando seus direitos fundamentais, como a saúde e vida.
4.1.2 Dos atos infracionais
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que: Art. 103. “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Segundo Edson Sêda (apud Cury; Silva; Mendez. 2002, p. 304):
A legislação reconhece que a criança e o jovem, em função de uma dada conduta – crime ou contravenção – reconhecida como ato infracional, possam vir a ter direitos ameaçados ou violados. Ao lado disto, entretanto, a mesma lei elege o princípio da inimputabilidade dos indivíduos entre 0 e 18 anos, tomando por base a reconhecida condição peculiar de desenvolvimento sócio-cognitivo em que se encontram estes sujeitos.
Para Edson Sêda (apud Cury; Silva; Mendez, 2002, p. 304):
Conciliando estas premissas aparentemente contraditórias, assegura-se à criança até 12 anos que comete um ato infracional a preservação de todos os seus direitos assegurados em lei, admitindo-se apenas para o adolescente infrator a restrição do seu direito à liberdade, e assim somente em casos considerados de extrema gravidade e em condições específicas.
Segundo Napoleão X. do Amarante (apud Cury; Silva; Mendez. 2002, p. 325):
(...) para os atos infracionais, em relação à criança tem cabimento seu encaminhamento aos pais ou responsáveis, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamentos temporários, matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico,, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; abrigo em entidade e colocação em família substituta (art. 105 c/c art. 101, do Estatuto). Os adolescentes sujeitam-se, entretanto, a advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional e qualquer uma das prevista no art. 101, I a VI, e art. 112.
SPOSATO (apud Marques, 2013, p. 22) salienta que:
A conduta do adolescente configura um ato infracional quando possui tipicidade, e somente neste caso poderá ter como resposta uma medida socioeducativa. Também a antijuridicidade da conduta praticada é um elemento que permite vincular a ação do sujeito ao desrespeito da ordem jurídica. Considerando ainda que nem toda conduta antijurídica é delito, mas todo delito contém a antijuridicidade, na medida em que representa uma quebra à ordem jurídica e ao direito positivo, para o ato infracional será também a antijuridicidade marca distintiva de demonstração da relevância penal ou infracional.
Assim, cometendo o adolescente ato infracional, à ele será aplicada medidas socioeducativas, como meio de responsabilizá-lo pelos seus atos.
4.1.3 Das medidas socioeducativas
As medidas socioeducativas estão previstas no artigo 112, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, estas medidas são de caráter sócio-educativo e protetivo, aplicáveis aos adolescentes autores de atos infracionais.
Segundo João Batista Costa Saraiva (apud Marques, 2013, p. 28):
A responsabilização penal do adolescente infrator, como se viu, concretiza-se através da aplicação da medidas socioeducativas, aplicadas tão somente aos adolescentes autores de ato infracional, ou seja, através delas ocorre a responsabilização penal do adolescente infrator, que passa a ser sujeito responsável pelos seus atos, como aduz:
Não se pode ignorar que o Estatuto da Criança e do Adolescente institui no país um sistema que pode ser definido como de Direito Penal Juvenil. Estabelece um mecanismo de sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção e conteúdo, mas evidente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo.
Assim, as medidas socioeducativas não buscam a punição dos autores de atos infracionais, pelo contrário busca-se com elas propiciar ao adolescente novas oportunidades, com perspectivas de transformarem suas vidas.
Para Olympio Sotto Maior (apud Cury; Silva; Mendez, 2002, p. 366):
A prevenção da criminalidade e a recuperação do delinquente se darão, como quer o Estatuto, com a efetivação das políticas sociais básicas, das políticas sociais assistenciais (em caráter supletivo) e dos programas de proteção especial (destinados às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e/ou social), vale dizer, com o Estado vindo a cumprir seu papel institucional e indelegável de atuar concretamente na área da promoção social.
Então, para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que, no contexto de proteção integral, receba ele medidas socioeducativas e não punitivas, das quais, busca-se que esse adolescente infrator tenha uma maior integração social e possa não prejudicar o seu desenvolvimento humano.
Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (2010, p.16): “A recuperação, quando for o caso, do locu estruturado formado pela família, escola e grupo, entendendo-se que o sentido estratégico a ser buscado passa a ser: grupo-escola-família”.
Ainda, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (2010, p. 17):
Outro aspecto a ser considerado reside no fato de que ainda que o objetivo final, em determinadas situações extremas, seja a ressocialização do jovem, é necessário que esse processo considere com um dado e não ‘problema’ o fato de o jovem ter hábitos, valores e atitudes, inclusive linguagens, diferentes do que a sociedade toma como correto. E no respeito a essas características próprias que é possível construir espaços de entendimento efetivamente dialógicos, onde o jovem possa se tornar agente efetivo do próprio desenvolvimento, tratando dos temas que afetam sua vida.
Assim, com as medidas socioeducativas busca-se uma maior integração do adolescente, mostrando respeito à eles, respeito aos seus espaços. Mostrar aos adolescentes as medidas impostas à eles, não busca apenas sua punição, mas também é o meio para que eles se desenvolvam interagindo com os temas que afetam suas vidas, de maneira à assegurá-los sua dignidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os direitos da criança e do adolescente foram historicamente analisados, ainda que de forma sucinta. Foram considerados os períodos do tratamento dispensado à criança e ao adolescente. Buscou-se com isso, enfatizar os direitos da criança e do adolescente e quão proteção estes precisam, tendo em vista ser pessoas em desenvolvimento.
Observou-se as definições de criança, adolescente, atos infracionais e medidas socioeducativas, afim de mostrar que como pessoas em desenvolvimento, são inimputáveis, pois são menores de 18 anos. Observou-se também, que há medidas que punem o menor de forma a restringir sua liberdade.
Analisou-se o surgimento das leis que tratassem dos direitos da criança e do adolescente, até chegar as que contemplam atualmente, como o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Analisou-se a quem cabe proteger de forma integral a criança e o adolescente: família, sociedade e Estado, constatando a necessidade destes entes na formação, desenvolvimento da criança e do adolescente.
Tal problemática pautou-se em razão da vulnerabilidade infanto-juvenil, tendo seus direitos suprimidos por parte de entes que deviriam os proteger.
Os direitos da criança e do adolescente surgiram de forma graduada com o decorrer do tempo.
Pôde ser constatado que a criança e o adolescente não eram sujeitos de direitos, e por isso não tinham direitos como todo cidadão.
Foi as Nações Unidas primeiramente, que reconheceu como sujeitos portadores de direitos, merecedores de políticas públicas voltadas para sua proteção.
Os direitos humanos surgem depois de grandes guerras, para garantir os direitos fundamentais do homem.
Os direitos da criança como categoria dos direitos humanos, consagra a criança como sujeito específico de direito, em que visa sua proteção integral, tanto por parte dos pais, como da sociedade e do Estado.
O advento da CF/88 e da Lei 8.069/90, veio assegurar a proteção integral à criança e ao adolescente.
Foi constatado também, que medidas de punição como restrição de liberdade, não ressocializa adolescentes infratores, tendo em vista que essas medidas ocorrem desde as Ordenações Filipinas.
Foi constatado, que diante dos projetos de lei sobre a maioridade penal, a diminuição da maioridade de nada servirá, além de aumentar o número de internos em presídios, pois historicamente vimos que adolescentes, outrora, eram punidos com restrição de liberdade, e de nada adiantou. Ao contrário, propostas como estas demonstram a inviabilidade constitucional e o absurdo desse tipo de escolha de política criminal.
Nota-se, que são essenciais a promoção de novos valores e implementação dos parâmetros constitucionais e internacionais, que afirmam as crianças e adolescente como verdadeiros sujeitos de direito, em condição peculiar de desenvolvimento, a merecer especial proteção.
Por fim, nota-se que a criança e o adolescente, necessitam do amor de sua família, como também de cuidados por parte desta, os protegendo e assegurando seus demais direitos. Ao Estado, este tem o dever de fazer políticas públicas e sociais, que possam ampara a criança e o adolescente, assim como sua família. A sociedade também tem participação em assegurar que sejam respeitados os direitos da criança e do adolescente.
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Data da conclusão/última revisão: 15/11/2017
Jaine Souza dos Santos
Graduada em direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Advogada. Discente do curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Estadual de Mato Grosso dos Sul-UEMS.