RESUMO

Apesar de não possuir expressa previsão na legislação brasileira, a inserção da cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho é prática corriqueira e sustenta-se, principalmente, no artigo 444 da CLT, que dispõe sobre a liberdade das partes de estipular sobre as relações contratuais de trabalho, desde que seu conteúdo não se oponha ou conflite com a proteção do trabalho. Além disso, a liberdade de exercício do trabalho é garantia assegurada pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XIII, associada à livre iniciativa como elemento fundamental da ordem econômica nacional, com vistas à garantir a liberdade individual de inserção no mercado, que garante ao trabalhador liberdade para empreender ou associar-se a outras empresas que explorem qualquer atividade econômica. Dessa forma, a cláusula de não concorrência restringe as possibilidades de trabalho, de escolha e eventualmente, da própria livre iniciativa do empregado, especialmente, quando delas dependeria para se autossustentar após o término de seu vínculo com a empresa. Considerando esse contexto, o presente estudo teve por objetivo analisar os termos da instituição cláusula da não concorrência no contrato de trabalho, para que sua aplicação não agrida o caráter protetivo da legislação trabalhista e garanta ao empregador o revestimento de seus direitos autorais e de propriedade industrial.

Palavras-chave: Cláusula de não concorrência. Contrato de trabalho.

ABSTRACT

Although not expressly provided for in Brazilian law, the insertion of the non-compete clause in employment contracts is common practice and is mainly based on article 444 of the CLT, which provides for the parties freedom to stipulate contractual relations. as long as its content does not conflict with or conflict with work protection. Moreover, freedom to work is guaranteed by the Federal Constitution of 1988, in its article 5, item XIII, associated with free enterprise as a fundamental element of the national economic order, with a view to guaranteeing individual freedom to enter the market, which guarantees the worker freedom to undertake or to associate with other companies that exploit any economic activity. Thus, the non-compete clause restricts the employees possibilities of work, of choice and, eventually, of his own free enterprise, especially when it would depend on them for self-sustenance after the end of his relationship with the company. Considering this context, this study aimed to analyze the terms of the institution non-compete clause in the employment contract, so that its application does not undermine the protective nature of labor legislation and assure the employer the coating of its copyright and industrial property.

Keywords: Non-compete clause. Employment contract.

 

INTRODUÇÃO

As cláusulas especiais do contrato de trabalho asseguram às empresas a preservação da confidencialidade dos negócios, na intenção de evitar que seus empregados se dirijam a empresas concorrentes, divulgando informações específicas do processo de desenvolvimento da atividade empresarial obtidas durante o contrato de trabalho.

Tais cláusulas proíbem ou restringem a possibilidade de que o trabalhador se reempregue em empresas congêneres, num determinado raio ou durante certo tempo, seja em função idêntica à ocupada no emprego anterior ou noutra em que o conhecimento adquirido possa ser utilizado, no todo ou em parte, nas novas funções. Pode ocorrer, ainda, que uma cláusula desse tipo tenha como finalidade obrigar o empregado a permanecer no emprego durante a execução de algum projeto de interesse estratégico do negócio.

Dentre tais regras especiais, tem-se "cláusula de não concorrência", segundo a qual o empregado, após a rescisão do contrato laboral, durante determinado período de tempo, não poderá competir com seu empregador (através de empresa própria ou como empregado da concorrência), sob pena de arcar com perdas e danos causados para a empresa de origem.

A inserção da referida cláusula especial no contrato de trabalho deve ser apreciada com o devido cuidado, prezando pela boa-fé e pela razoabilidade contratual, tendo em vista que a CLT reputa inválida qualquer cláusula que tenha por objetivo desvirtuar, impedir ou fraudar a sua aplicação.

Assim, o presente estudo objetiva avaliar as características e requisitos da "cláusula de não concorrência" no contrato de trabalho, para que sua aplicação não agrida o caráter protetivo da legislação trabalhista e garanta ao empregador o revestimento de seus direitos autorais e de propriedade industrial.

 

2 DA CONCORRÊNCIA E DA LIBERDADE DE TRABALHO

Parte da doutrina entende que a livre concorrência e a livre iniciativa andam de mãos dadas. Esses autores argumentam que o abuso do poder econômico não se enquadra como exercício da liberdade de iniciativa, uma vez que ninguém pode licitamente abusar de um direito. Desse modo, a imposição de restrições aos infratores das regras concorrenciais não poderia ser entendida como uma limitação à livre iniciativa, mas como garantidora dessa liberdade, na medida em que protege o mercado de abusos.

Nesse sentido, costuma-se entender por concorrência, conforme dispõe Ari Possidonio Beltran (1998, p. 63):

"[...] é a disputa entre aqueles que exercem a mesma atividade. Como conseqüência, busca-se a proteção de dados comerciais, técnicos, ‘know-how’, até a preservação de empregados com elevada formação técnica, por vezes com bolsas de estudos no exterior financiadas pela própria empresa, bem como a relação de clientes, ou ainda, almeja-se, em certas condições, evitar a própria concorrência direta, ainda que por disposição limitada no tempo. Em tais modalidades de pactuação, fala-se, sobretudo, em ‘cláusula de não-restabelecimento’, ‘cláusula de não-concorrência em contrato social’ e da ‘cláusula de não-concorrência em contrato de trabalho’. [...] Em análise singela, pode-se dizer que o pacto de não concorrência implica a obrigação pela qual uma das partes contratantes se compromete a não praticar venda que induza desvio de clientela da outra. Se a relação jurídica vinculante é a venda de um estabelecimento comercial, haverá cláusula expressa assegurando que o alienante deixará de organizar um novo fundo de comércio."

Por sua vez, a concorrência desleal é entendida como todo ato de concorrente que, valendo-se de força econômica de outrem, procura atrair indevidamente sua clientela.

O segredo do negócio é legalmente protegido pela Lei de Propriedade Industrial (lei 9.279/96), sendo considerado crime a utilização não autorizada de informações e conhecimentos confidenciais ao negócio. No mesmo sentido se dispõe em relação a projetos criados pela empresa, os quais se encontram salvaguardados pela Lei de Direitos Autorais - lei 9.610/98, constando em seu art. 2º que a repressão à concorrência desleal é um dos meios de proteger os direitos relativos à propriedade industrial, considerado o s.

Ou seja, durante a vigência do contrato de trabalho, a concorrência é inadmissível por ser um dever elementar, isto é, o trabalhador não poderá desempenhar atividades da mesma natureza ou ramo de produção que exerce em função de seu contrato de trabalho, sempre que tais atividades, ao gerar interesses contraditórios para o trabalhador, estejam sendo prejudiciais ao empregador (CAVALCANTE; JORGE NETO, 2012).

Tanto assim o é, que o art. 482, alíneas "c" e "g" da CLT, prevê a dispensa por justa causa do empregado que praticar concorrência desleal e/ou divulgar os segredos empresariais:

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

[...]

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

[...]

g) violação de segredo da empresa; (BRASIL, 1943)

Alice Monteiro de Barros (2016, p. 171) afirma ainda que "a concorrência desleal traduz violação ao dever de fidelidade, constituído por obrigação de não fazer, sendo uma consequência do princípio da boa-fé."

A respeito do tema, o art. 195, inciso XI da lei 9.279/96 dispõe acerca da obrigatoriedade de sigilo mesmo após a rescisão contratual:

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

[...]

XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato; (BRASIL, 1996)

Destarte, a proteção legal do segredo da empresa ("trade secret") está diretamente relacionada à repressão da concorrência desleal e, mesmo que não haja registro de marcas ou patentes, o segredo da empresa goza de satisfatória proteção legal, de modo que, resumidamente falando, o segredo de empresa tende a ser ativo intangível cada vez mais importante na atividade empresarial brasileira, sendo recomendável que os empresários se certifiquem da observância das cautelas legais cabíveis para preservá-lo.

O artigo 195 da Lei de Propriedade Industrial dispõe, ainda, que:

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I - publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II - presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

(...)

IX - dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;

X - recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;

XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou

(...)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Assim, pode-se inferir que a repressão à concorrência desleal é um dos meios de proteger os direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Apesar do valor concorrencial desses ilícitos, a prática da concorrência desleal não aflige, necessariamente, o mercado.

Por outro lado, verifica-se o contraste com a liberdade de trabalho, assegurada pelo art. 5º, inciso XIII da Constituição Federal, que inclui, entre os princípios da ordem econômica nacional, a busca do pleno emprego.

No entanto, na concepção MALLET (2005, p. 124), nenhum direito encontra-se revestido caráter absoluto e, não se passa de modo diverso com o direito de exercício de trabalho tutelado pelo artigo supracitado, consoante reiteradamente enfatizado pela jurisprudência:

ADMINISTRATIVO. LIBERDADE DE PROFISSÃO. ART. 5º, XIII, DA CF/88. MÚSICOS. RESTRIÇÕES. LEI Nº 3.857/60. RECEPÇÃO PELA CF/88. 

1. O art. 5º, XIII, da CF/88, embora assegure o livre exercício profissional, não contempla uma liberdade absoluta, admitindo a Magna Carta que o legislador ordinário faça restrições de acordo com a natureza da profissão que se quer exercer. 

2. In casu, os dispositivos da Lei nº 3.857/60, cuja constitucionalidade está sendo discutida, salvo prova em contrário, apenas exigem o preenchimento de determinados requisitos para o exercício da profissão de músico, condições que, em princípio, não atentam contra o texto constitucional.

3. Precedentes do TRF/4ª Região. Improvimento da apelação.

(TRF4, AMS 2001.72.00.004136-0, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, DJ 03/04/2002)

Dessa forma, observa-se que a liberdade de trabalho pode sofrer restrições, desde que razoáveis, não se tratando, portanto, de uma liberdade absoluta, exigindo, apenas, o preenchimento de determinados requisitos.

 

2.1 CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA

Antes de mais nada, convém ressaltar que não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, legislação expressamente voltada para a regulamentação da aplicação da cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho. Em razão disso, há que se trazer as fontes enumeradas no art. 8º da CLT, segundo o qual:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)

§ 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)

§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência)

Tendo em vista os dispostos acima mencionados, ante a ausência de norma especifica a respeito, aplica-se ao Direito do Trabalho o art. 122 do CC, segundo o qual:

"são lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes." (BRASIL, 2002)

Na mesma linha de raciocínio, o art. 444 da CLT estabelece que as relações contratuais de trabalho devem obedecer às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos e às decisões de autoridades competentes, sem deixar de mencionar, também, o Direito Comparado, o qual é favorável à aplicação da cláusula de não concorrência aos contratos de trabalho.

De acordo com Maria Gabriella Zanatto (2018, p. 02):

Na Espanha, o item 1º do artigo 21 do Estatuto dos Trabalhadores estabelece a possibilidade de ajustar a cláusula de não concorrência para viger após a cessação do contrato de trabalho. Essa cláusula não poderá ter duração superior a dois anos e só será válida se o empregador tiver interesse industrial ou comercial e se houver o pagamento de uma compensação econômica.

Na Itália, art. 2125 do Código Civil, autoriza-se a estipulação do patto di non concorrenza, o qual limita o desenvolvimento da atividade do empregado, por período sucessivo à cessação do contrato.

Já na França, admite-se a cláusula de não concorrência desde que não haja uma proibição total do trabalho do empregado.

Conclui-se, portanto, que persiste, em diversos países, uma tendência legislativa no sentido de reconhecer a validade das cláusulas de vedação de concorrência especialmente quando: a) limitadas no tempo e no espaço e b) compensadas por um prêmio ou indenização.

Na concepção de Sérgio Pinto Martins (2001, p. 128) a cláusula de não concorrência "envolve a obrigação pela qual o empregado se compromete a não praticar pessoalmente ou por meio de terceiro ato de concorrência para com o empregador"

Alice Monteiro de Barros (2016, p. 169), por sua vez, também defende que:

"A inserção da cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho é polêmica, pois se de um lado ela é necessária à proteção dos legítimos interesses da empresa, "numa época em que o capital intelectual importa mais do que o segredo de fabricação", dada a intensa concorrência a que são submetidas as empresas, de outro lado ela poderá infringir a liberdade de trabalho, ofício ou profissão assegurada em preceito constitucional.[...] Não cremos, tampouco, possa a referida clausula, nessas condições, cercear a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, na forma do art. 5º, XIII, da Constituição de 1988, pois a inserção da clausula deverá permitir ao empregado a possibilidade de exercer a atividade que lhe é própria, considerando sua experiência e formação, desde que junto a estabelecimentos empresariais insuscetíveis de ocasionar concorrência danosa ao ex-empregador."

Desse modo, temos que a inclusão da cláusula de não concorrência nos contratos de trabalho, é essencial para a preservação dos interesses legítimos da empresa, por um lado, ao passo que, de outro lado, poderá infringir a liberdade de trabalho, ofício ou profissão assegurada em preceito constitucional.

 

2.2 O QUE DIZ A JURISPRUDÊNCIA

Nesse sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região se pronunciou:

CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA. NATUREZA JURÍDICA. VALIDADE. É lícita a inserção de cláusula de não concorrência em contrato de trabalho, como condição genérica, nos termos dos artigos 121 e seguintes do Código Civil . Sua natureza jurídica, nas palavras de Nelson Nery Jr é de elemento acidental do negócio jurídico e subordina a eficácia do mesmo negócio à ocorrência de evento futuro e incerto. (In Código Civil Comentado, ed. RT/SP, 7ª ed., p. 345)(TRT-15-RO: 52325 SP 052325/2011, Relator: RITA DE CÁSSIA PENKAL BERNARDINO DE SOUZA, Data de Publicação: 19/08/2011)

Ou seja, não existem dúvidas, tanto na doutrina quanto na jurisprudência de que, durante a vigência do contrato de trabalho, é lícita a inserção da cláusula de não concorrência, enquanto obrigação de natureza moral, contemplada com os deveres de obediência, lealdade e sigilo que tem o empregado para com o empregador.

Por outro lado, figura uma corrente minoritária que considera a cláusula de não concorrência inconstitucional por ir de encontro à liberdade de trabalho assegurada no art. 5º, inciso XIII, da CF. Entretanto, o entendimento majoritário tende a aceitar a aplicação da cláusula de não concorrência no contrato de trabalho, por aplicação subsidiária da legislação estrangeira, como autoriza o art. 8º da CLT, observando um contexto de razoabilidade.

A jurisprudência atual do TST, por exemplo, se posiciona pela validade da cláusula mesmo após extinção contratual, desde que preenchidos alguns requisitos (grifo nosso):

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA E CONFIDENCIALIDADE. ADITIVO AO CONTRATO DE TRABALHO. DESPROPORCIONALIDADE DAS OBRIGAÇÕES IMPOSTAS AO EMPREGADO. ALTERAÇÃO CONTRATUAL LESIVA. INVALIDADE. OBSTÁCULO PARA O INGRESSO NO MERCADO DE TRABALHO. No caso em tela, discute-se a licitude de cláusula de confidencialidade e de não concorrência firmada pela reclamada com o reclamante, mediante aditivo ao contrato de trabalho. A jurisprudência do TST tem se firmado no sentido de que, conquanto a estipulação de cláusula de não concorrência cinja-se à esfera de interesses privados do empregador e do empregado, imprescindível para o reconhecimento da validade de tal ajuste a observância a determinados requisitos, dentre os quais: a estipulação de limitação territorial, vigência por prazo certo e vantagem que assegure o sustento do empregado durante o período pactuado, bem como a garantia de que o empregado possa desenvolver outra atividade laboral. Tais requisitos, todavia, não restaram atendidos. Com efeito, da leitura da cláusula de confidencialidade e não concorrência transcrita no acórdão regional constata-se que não houve a estipulação de limitação territorial (o que pressupõe sua abrangência para todo o território nacional), nem de alguma espécie de contrapartida financeira ao reclamante durante o período da restrição temporária pactuada, o que vai de encontro com o disposto no art. 444 da CLT, que veda a estipulação de relações contratuais de trabalho que contrariem as disposições de proteção ao labor. Ademais, não pode olvidar que o art. 468 da CLT consagra o princípio da inalterabilidade do contrato de trabalho por ato unilateral de qualquer das partes, salvo se por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que da alteração não resultem prejuízos diretos ou indiretos ao empregado. A cláusula de confidencialidade e não concorrência inserta em aditivo do contrato de trabalho do reclamante, ante a desproporcionalidade das obrigações e penalidades impostas a ele, dificultando sobremaneira o seu retorno ao mercado de trabalho após a rescisão do contrato, configura evidente prejuízo e caracteriza nítida alteração contratual lesiva vedada pelo art. 468 da CLT. Recurso de revista conhecido e provido.

(TST - RR: 10660320145120022, Relator: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 30/08/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/09/2017)

Os Tribunais Regionais também têm se posicionado pela validade da cláusula:

TRT-PR-17-08-2010 I - CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA - PACTUAÇÃO APÓS O INÍCIO DO CONTRATO DE TRABALHO - VALIDADE - A estipulação de cláusula de sigilo, confidencialidade e não-concorrência, durante o curso do contrato de trabalho, não se traduz em alteração ilícita e unilateral. Isto porque o art. 482, nas alíneas c e g, da CLT, prevê que constituem motivos para a ruptura contratual por justa causa a prática de concorrência e a violação de segredo da empresa. Destarte, tem-se que tais deveres estão ínsitos no próprio contrato de trabalho, sobretudo diante do princípio da boa-fé, que deve nortear a relação de trabalho. Portanto, é plenamente válida a estipulação de cláusula de não-concorrência mesmo após o início da vigência do contrato de trabalho, não havendo afronta ao art. 468 da CLT. II - CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA - VIGÊNCIA APÓS O TÉRMINO DO CONTRATO DE TRABALHO - VALIDADE - É válida a cláusula de não-concorrência que tenha vigência mesmo após a extinção do contrato de trabalho, embora tal modalidade não encontre disciplina jurídica no Direito do Trabalho. Assim, constatada a lacuna, possibilita-se, por força do art. 8º da CLT, a aplicação do art. 122 do Código Civil Brasileiro, que dispõe que "São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.". Desse modo, seria lícita, em tese, a pactuação de cláusula de não-concorrência após a cessação do contrato de trabalho.(TRT-9 1815420092908 PR 18154-2009-2-9-0-8, Relator: EDMILSON ANTONIO DE LIMA, 1A. TURMA, Data de Publicação: 17/08/2010)

Assim, o objetivo principal da cláusula de não concorrência é resguardar técnicas, procedimentos ou informações, a que tenham acesso empregados em razão do cargo de confiança que exerçam ou pela característica da atividade, além do contato com clientes. Determinadas atividades não só exigem treinamento especializado dos trabalhadores – não raro, custeado pelo empregador –, como lhes proporcionam conhecimentos privilegiados, tornando-os candidatos em potencial para empresas concorrentes.

Intento subjacente é evitar vazamento de informações que comprometam a sobrevivência do negócio. Daí a proteção contratual estabelecendo cláusulas de não concorrência, que podem vigorar durante o contrato e possuir termo inicial a partir da rescisão, até período razoável para caducar as informações, considerando, conforme o caso, até mesmo o limite territorial.

 

2.4 CONDIÇÕES DE VALIDAÇÃO

Para que a cláusula contratual de não concorrência seja válida devem ser observados os requisitos: a) limitação temporal; b) restrição deve estar relacionada à atividade profissional do empregado exercida durante a vigência do contrato; c) limitação geográfica; d) compensação financeira pela restrição do exercício da atividade profissional.

No que diz respeito à limitação temporal, há de se considerar o tempo de obrigação da obrigação de não-concorrência já que uma restrição permanente afigura-se ilícita, cerceando, sem medidas, a liberdade de trabalho. O passar do tempo faz com que as informações e o conhecimento adquiridos pelo empregado se desatualizem e percam importância. Como tempo máximo, por analogia ao Código Civil, costuma-se aplicar o prazo de 5 (cinco) anos (art. 1.147, CC) ou o prazo de 2 (dois) anos (art. 445, caput da CLT);

Por falta de expressa previsão legal, interessante a sugestão de Jorge Neto e Pessoa Cavalcante (2012), por analogia, quanto ao prazo bienal do art. 445 da CLT (compatível inclusive com o período de prescrição trabalhista constitucional):

“A escolha do trabalho é uma das expressões fundamentais da liberdade humana. Seus fundamentos são: de um lado, o princípio da livre iniciativa, que conduz necessariamente à libre escolha do trabalho; de outro, a própria condição humana, cumprindo ao homem dar um sentido a sua existência.”

Quando menos, incidiria o prazo duodecimal do art. 478 da CLT. Restrição relativa à atividade profissional do trabalhador, que deve ser a exercida durante o contrato, seria compatibilidade mínima com o princípio constitucional da liberdade de trabalho. Afinal, direito ao trabalho é próprio da condição humana. 

A restrição, por sua vez, deve estar ligada apenas a atividade profissional exercida pelo empregado durante o pacto laboral rompido (mencionando detalhes técnicos da função) – é preciso que se justifique a restrição uma vez que a interferência na liberdade de trabalho do empregado, somente é válida quando destinada a satisfazer relevante e legítimo interesse do empregador. Restrição imposta a trabalhador sem conhecimento especializado, não se admite, sendo válida tão somente a empregados encarregados do desenvolvimento de novos produtos ou com acesso a dados sigilosos de custos, de mercado ou de outra espécie que sejam estratégicos;

A amplitude geográfica irá depender da dimensão espacial onde se dá ou onde se tem a influência da atividade econômica do empregador, direcionada, mais especificamente, à proteção de clientela e fornecedores do ex-empregador. Situação corriqueira no meio empresarial, pois é intensa a disputa comercial nesse campo. Pode a cláusula de não concorrência limitar-se ao quesito territorial, o que não implicaria necessariamente restrição da atividade profissional. Compensação financeira ao empregado, pela cláusula de não concorrência, funciona, na prática, como atenuação da liberdade de trabalho, que é substituída por indenização.

É necessário, ainda, que o empregado tenha uma compensação financeira pelas restrições advindas da cláusula. Essa compensação deve corresponder, no mínimo, à remuneração por ele auferida quando estava em vigência o contrato individual de trabalho multiplicada pelo número de meses relativos à duração da não concorrência, em que haja fixação de multa pelo não cumprimento. A multa não poderá ser superior ao valor do principal.

É interessante também a empresa fixar uma cláusula de que o empregado possa desenvolver outra atividade laborativa que não em empresa concorrente para resguardar o direito do trabalhador, de modo que é possível aplicar a cláusula de não concorrência i) no próprio ato da contratação do empregado; ii) durante a vigência do contrato de trabalho ou; iii) no momento da rescisão contratual.

Todavia, questão polêmica é a possibilidade de alteração do contrato em curso para introdução da cláusula de não concorrência. Em que pese haver a possibilidade de realizar a alteração nos contratos de trabalho vigentes, é recomendável, com base no entendimento do TST, que a cláusula seja fixada no próprio ato da contratação ou no momento da rescisão contratual.

Isso porque, tal alteração ao contrato de trabalho pode configurar como prejudicial ao empregado e para que seja evitada a alegação do empregado de que foi coagido a concordar com tal restrição, recomenda-se a aplicação das alterações aos novos contratos.

Ademais, o empregado deve ter a prerrogativa de recusar a introdução da cláusula em seu contrato a fim de que permaneçam as condições de trabalho originalmente contratadas. Por fim, destaca-se que descumprida a obrigação imposta ao empregado, incide o disposto no art. 475 do CC: “Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos”.

Ao empregador é dado postular, sem prejuízo das perdas e danos, a restituição dos valores pagos em compensação à restrição pactuada ou a execução especifica da obrigação.

Aplica-se, em última hipótese a regra do art. 498 e seguintes do CPC, admitindo-se imposição de multa diária ou adoção de outras medidas para assegurar a prestação de tutela especifica.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A previsão de não concorrência em contratos de trabalho impõe obrigações recíprocas para as partes e deve ser regulamentada a fim de que possa gerar efeitos tanto para o empregador quanto para o empregado no caso de descumprimento.

Muito embora a Constituição Federal preveja a proteção ao trabalho, referido direito não é absoluto, sendo passível de restrições, por exemplo, quando diz respeito ao direito do empresário em resguardar seus segredos industriais, obviamente, respeitando-se: a) limitação temporal (cinco anos, art. 1.147, CC, ou dois anos, art. 445, caput, CLT); b) restrição relacionada com a atividade profissional exercida pelo empregado na vigência do contrato individual de trabalho; c) fixação da sua amplitude geográfica; d) compensação financeira pelas restrições advindas da cláusula, a qual, no mínimo, deverá corresponder à remuneração por ele auferida quando estava em vigência o contrato individual de trabalho; e) a fixação de uma multa, no caso do não cumprimento da cláusula tanto pelo empregado como pelo empregador.

Ademais, a cláusula de não concorrência deve ser aplicada de forma escrita e fixada no próprio ato da contratação do empregado, durante a vigência do contrato (relevante modificação das condições reais de trabalho) ou no momento da rescisão contratual.

Desse modo, evidencia-se que a cláusula de não concorrência não afronta a liberdade de trabalho desde que garantida ao empregado justa compensação pelo período em que não poderá trabalhar para outro empregador, ou mesmo por conta própria, no tocante aos elementos descritos na respectiva contratação. As delimitações temporais e territoriais são fundamentais à espécie.

Considerando a natureza alimentar do salário, compensação monetária para o empregado, em razão do impedimento de trabalhar para outro empregador ou de forma autônoma, supre, em tese, a limitação dessa liberdade. Por outro lado, a prestação de serviços para outro empregador, em seguida à demissão do último contrato, poderá ser mais relevante ao empregado, de modo que a cláusula de não concorrência no contrato de trabalho deve ser estipulada tendo em vista a proteção de direitos fundamentais, especialmente respeitando o princípio da função social do contrato.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Data da conclusão/última revisão: 25/10/2019

 

Como citar o texto:

FREITAS, Wanderson Roberto Rodrigues de; PIETZSCH, Ingo Dieter..A cláusula de não concorrência no contrato de trabalho. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1665. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/4617/a-clausula-nao-concorrencia-contrato-trabalho. Acesso em 8 nov. 2019.

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