INTRODUÇÃO
O Direito é uma ciência multidisciplinar, que como qual, acompanha a evolução social a fim estabelecer a organização social. Como bem explica o professor Antônio Luiz Machado Neto (2008, p. 412) ao dizer que o direito não surge à toa na sociedade, mas satisfaz as imprescindíveis urgências da vida, sendo, portanto, fruto das necessidades sociais a fim de evitar a desorganização. Neste prisma, diante da globalização advinda com a internet, é dever do operador do Direito acompanhar as relações sociais concretizadas através da nova onda de convívio social, sob pena de sua inércia provocar uma iminente desordem. A internet não pode ser, absolutamente, terra sem lei.
Neste contexto, em todo o mundo surgiu o movimento de propagação de notícias falsas, notadamente com intuito de ganhos individuais. A propagação das chamadas Fake News, termo inglês utilizado para se referir às publicações aparentemente jornalísticas que tem o objetivo de enganar o interlocutor. Apresenta-se como fenômeno mundial e tem ganhando cada vez mais espaço e relevância nas arenas políticas. Evidentemente a busca por meios de proteção jurisdicional para fins de combate às fake news se tornou ponto forte na política mundial.
Com reflexos cristalinos, denota-se que diante da imediaticidade e da dificuldade de se combater as notícias falsas o legislador ainda não alcançou o patamar de segurança necessário para efetivamente defrontar os efeitos dela decorrente. Neste passo, o direito de resposta surge como importante instrumento no enfrentamento das fake news. Previsto na legislação eleitoral, possui o escopo de garantir igualdade de direitos entre os candidatos participantes do pleito, com intuito de garantir que os candidatos, durante o período da propaganda eleitoral, exerçam o direito de veiculação de sua candidatura através dos meios legais permitidos, sem a prática de condutas ofensivas aos demais candidatos que concorrem ao pleito (REIS, 2018, p. 105).
O Poder Judiciário brasileiro, por meio do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), empreendeu esforços para conter a disseminação de notícias falsas veiculadas nas mídias sociais, sobretudo, nas redes sociais, as quais representam grande poder lesivo devido as mais diversas formas de compartilhamento. Os desafios se impõe sobremaneira em razão de que a produção de notícias falsas se dá, na maioria das vezes, por meio de robôs virtuais (bots), cuja distribuição ocorre, de forma rápida e eficaz, pelos diversos compartilhamentos realizados por usuários nas redes sociais, representando um grave problema a ser enfrentado, diante do seu imenso potencial de dano político.
O âmago da questão está na inegável série de garantias individuais conferidas pela Magna Carta, diante da significativa proteção da vida privada e assegurando a inviolabilidade da intimidade. Decorre então a tutela jurisdicional à honra do indivíduo de maneira paulatina através do Direito de resposta. O instrumento é apontado como um dos antídotos para mitigar os efeitos devastadores das Fake News, exposto no desenvolvimento da tutela do direito de resposta.
1 A CONTEXTUALIZAÇÃO DO FENÔMENO “FAKE NEWS”
Diante da globalização da informação, a internet se consolidou como principal meio de comunicação, sendo capaz de compartilhar notícias e informações que ultrapassam os limites do tempo e do espaço. A era pós moderna inaugurou o tempo da informação instantânea, levando com isso o surgimento do fenômeno denominado “Fake News”. Neste aspecto, o termo em inglês é utilizado para referir-se a notícias falsas, informações inverídicas que são veiculadas principalmente através da internet. Nos dizeres de Braga (2018, p. 205), a expressão “fake news” pode ser definida como “[...] a disseminação, por qualquer meio de comunicação, de notícias sabidamente falsas com o intuito de atrair a atenção para desinformar ou obter vantagem política ou econômica”.
Adentrando ao tema, o escritor Diogo Rais (2018), ao tecer comentários sobre o correto conceito de “fake news” estabelece a aproximação com o termo “notícia fraudulenta”. Em sua obra, Diogo Rais (2018), explicita que a inverdade estampada pela notícia fraudulenta parece ser mais objeto da Ética do que do Direito, sendo a fraude o adjetivo mais próximo da face jurídica da desinformação. Em complemento, Gross (2018, p. 156) aponto o principal desafio da contemporaneidade como sendo as novas formas de produção e consumo das informações existentes na era da tecnologia avançada, criando a possibilidade de rápido alastramento de notícias.
A sofisticação dos métodos de disseminação de notícias falsas chama atenção pela utilização de robôs – os bots - programados para espalhar grande volume de mensagens pré-programadas de maneira extremamente veloz (LIMA, 2018). As atividades dos bots são desenvolvidas por meio de perfis falsos, que interagem com indivíduos que utilizam a internet realizado deferentes tipos de atividades. Neste sentido, Teixeira (2018, p. 22) observa que essa “semelhança com a realidade contribui para aumentar o compartilhamento e confere credibilidade ao conteúdo enganoso”. Pode-se apontar para outro método de propagação de fake news, os denominados “ciborques de mídias sociais”. O termo é utilizado para designar pessoas que criam vários perfis falsos nas redes sociais para propagar notícias falsas (TEIXEIRA, 2018, p. 22). Confere-se a todo esse complexo de atividades imbuídas na finalidade de propagar fake news, o termo de “exército fake”.
Sob a ótica brasileira, a disseminação em massa de notícias falsas ocorre especialmente através do WhatsApp, aplicativo que alcançou o número de 120 milhões de usuários ativos no país em 2017 (VELOSO, 2017). O aplicativo se tornou o principal meio de compartilhamento de mensagens, inclusive com notícias falsas sendo compartilhadas entre grupos de família e amigos. Exatamente neste sentido que Diego Rais, em seu estudo, aponta que existe a tendência de que nos grupos se reúnam pessoas que compõe uma espécie de círculo de confiança e, justamente ali, a desinformação parece encontrar campo fértil para a proliferação (RAIS, 2018, p. 151). Deste modo, as vítimas que recebem a informação falsa, acaba por colaborar com a disseminação e propagação dessas notícias, formando uma espécie de “corrente difusora das fake news” (RAIS, 2018, p. 150).
As fake News alcançaram um patamar de perplexidade mundial quando nos últimos anos atribuiu-se indícios razoáveis de que a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos da América em 2016 tenha sido decidida pela utilização de notícias falsas. Pesquisas indicam a veiculação de 115 histórias falsas favoráveis à campanha de Donald Trump, compartilhadas mais de 30 milhões de vezes, enquanto 41 notícias falsas pró Hillary foram compartilhadas 7.6 milhões de vezes (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017). Ainda nesta senda de exposição, outro episódio que chocou o mundo inteiro foi o resultado do referendo que retirou o Reino Unido da União Europeia (EU) em 2016, o chamado Brexit. Sérios são os indícios de que houve influência de “fake news” na decisão dos britânicos, principalmente por aquelas de cunho xenofóbico e narcisistas (ESTEVES, 2019).
Objetivamente, por ser um meio de comunicação muito abrangente, a internet pode ser tanto benéfica quanto prejudicial para a campanha eleitoral de determinado candidato e partido. As notícias falsas (ou fake news) sobre os pretensos candidatos e seus respectivos partidos políticos podem ser entendidas como um tipo de contrainformação, pois além de estarem voltadas contra a veracidade das informações. Cuida salientar, entretanto, que a abordagem do fenômeno das “fake news” está intimamente relacionada aos direitos e garantias fundamentais amplamente consagrados na Constituição da República, tais como o direito à intimidade, à vida privada, à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa (MENDONÇA, 2019).
2 A PREJUDICIALIDADE DAS FAKE-NEWS NA MANIPULAÇÃO DO VOTO
Seguindo com o exposto, as fake news são notícias sabidamente inverídicas, dolosamente veiculadas e que influem, de maneira direta na construção do voto do eleitor. Trata-se de impulso externo e inverídicos que buscam, manipular a construção da convicção de cada cidadão. Cuida salientar, uma das premissas fundamentais da democracia é o voto livre e consciente. Para tanto, é preciso que a opinião do eleitor seja imune a suborno, corrupção e desinformação. Inconcebível o voto livre sem opinião livre, a democracia urge neste ponto (FUX, 2018).
Vale estabelecer, os limites entre princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988 consagrou o direito de liberdade de expressão como direito fundamental, garantindo no artigo 5° a livre manifestação de opiniões, ideias e pensamentos livre de censura ou retaliação. O disposto no artigo 220 da Constituição Cidadã demonstra o cuidado do legislador constituinte em, de fato, assegurar a liberdade de expressão.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
O fundamento do direito de liberdade de expressão deve ser preservador, diante da elevada importância conferida pela Constituição Federal de 1988. Neste sentido, pode-se destacar:
O direito de receber informações verdadeiras é um direito de liberdade e caracteriza-se essencialmente por estar dirigido a todos os cidadãos, independentemente de raça, credo ou convicção político-filosófica, com a finalidade de fornecimento de subsídios para a formação de convicções relativas a assuntos públicos. A proteção constitucional às informações verdadeiras também engloba aquelas eventualmente errôneas ou não comprovadas em juízo, desde que não tenha havido comprovada negligência ou má-fé por parte do informador. A Constituição Federal não protege as informações levianamente não verificadas ou astuciosas e propositadamente errôneas, transmitidas com total desrespeito à verdade, pois as liberdades públicas não podem prestar-se à tutela de condutas ilícitas. (MORAES, 2003, p. 548)
Neste axioma, cuida estabelecer, diante do cenário de posições antagônicas, que o binômio do direito de informar e de ser informado, são alicerces da comunicação social, no entanto quando realizado de forma leviana, acarreta a construção de um ambiente antidemocrático, pois o pensamento crítico é objeto de manipulação com intuído de servir a interesses escusos de terceiros (SALLES, 2018, p. 250).
Inescusável outro caminha se não o da democracia. Segundo o filósofo Hans Kelsen (2000), enquanto processo, a Democracia comporta variações entre os extremos da liberdade, permitindo a manifestação de uma pluralidade de valores que não são absolutos, mas relativos, e têm na base a liberdade política. Neste sentido:
Se definirmos a democracia como sistema político através do qual a ordem social é criada e aplicada pelos que estão sujeitos à ordem, de tal modo que a liberdade política, no sentido de autodeterminação, esteja assegurada, então a democracia necessariamente, em todas as circunstâncias e em toda a parte estará a serviço desse ideal de liberdade política (KELSEN, 2000, p. 144).
Sabe-se que a inércia do Estado em garantir a ordem e a segurança jurídica é, sem dúvidas, uma ameaça ao Estado Democrático de Direito. O autor Amartya Sen (2000) acredita que só há desenvolvimento em uma sociedade a partir do momento em que se eliminam as privações de liberdade que limitam as escolhas e oportunidades dos indivíduos. Para tanto, a “capacidade” é um tipo de liberdade para se ter estilos diferentes, e tais liberdades só serão exercidas quando o Estado proporcionar ao homem o mínimo de bem estar para que seja possível realizar as suas próprias escolhas. Neste sentido, o autor afirma:
(...) a liberdade individual é essencialmente produto social, e existe uma relação de mão dupla entre as disposições sociais que visam expandir as liberdades individuais e o uso de liberdades individuais não só para melhorar a vida de cada um, mas também para tornar as disposições sociais mais apropriadas e eficazes. (SEN, 2000. p. 10).
Com todo o exposto, é possível analisar a relação entre o direito à liberdade de expressão com a democracia em face da potencialidade de manipulação da vontade popular por meio de fake News. Por esse motivo, as discussões em torno de iniciativas que visam mitigar os efeitos das notícias falsas devem ser fomentadas, a fim de se evitar que o sentimento de urgência acabe por acarretar em reações que ultrapassem o necessário e obstrua direitos e garantias consagrados constitucionalmente.
No entendimento de Cristina Moraes Sleiman existem quatro possíveis motivos que ensejariam a proliferação de fake news:
(i) receitas publicitárias, ou seja, busca-se gerar acessos reiterados a determinadas páginas;
(ii) concorrência desleal, prática utilizada entre empresas que querem de alguma forma derrubar seu oponente;
(iii) consumidor descontente, em que ao efetivar reclamações de empresas cria notícias falsas a fim de denegrir a imagem do estabelecimento; e, por último, porém, não menos importante;
(iv) concorrência política, nesse caso, as notícias falsas são utilizadas como ferramenta ilícita de campanha (SLEIMAN, 2018, p. 253).
Todos os motivos mencionados têm em comum um único objetivo, qual seja, impactar, por meio de fake news, uma marca ou uma pessoa, afetando diretamente sua reputação, negócios e/ou carreira. O maior desafio com relação a essa prática é a identificação de quem faz as publicações, quem deu origem à notícia falsa. Assim, se há dificuldade de identificar o autor da fake news, obviamente se mostra inviável evitar essas notícias, sendo possível, tão somente controlá-las após realizada sua publicação.
Nesse cenário, ampliou-se, portanto, a preocupação não só dos governantes, mas, também, dos próprios governados, em relação à disseminação de informações falsas sobre fatos e personalidades públicas relacionadas ao universo político, social e econômico, de modo a influenciar negativamente a opinião pública. Segue neste sentido, os dizeres de Chiara Spadaccini de Teffé e Carlos Affonso Pereira de Souza que esclarecem sobre a disseminação de Fake News:
A divulgação de informações falsas ou distorcidas não é um problema novo, mas a disseminação em massa desse conteúdo através da Internet e seu impacto na política vêm chamando atenção. Após 2016, com as diversas notícias falsas divulgadas durante as eleições norte-americanas e as discussões sobre o referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia, verificou-se a emergência de se entender o que seriam as chamadas fake news e como elas poderiam ser combatidas sem se prejudicar as liberdades fundamentais e a diversidade de opiniões (TEFFÉ; SOUZA, 2019, p. 542).
Os incentivos privados para a produção de fake news dependem dos custos e benefícios envolvidos na atividade. Entre as possíveis consequências das fake news, Allcott e Gentzkow (2017) destacam que os usuários expostos às fake news, ainda que não crentes, tornam-se céticos com relação às demais mídias, inclusive os jornais tradicionais e renomados, corroborando por construir um terreno mais suscetível às notícias falsas e teorias conspiratórias que confirmem seu viés ideológico. Neste sentido, o ambiente hostil criado pela propagação de fake news, torna-se combustível para a polarização ideológica e, portanto, influenciador da opinião pública no período eleitoral. De maneira esclarecedora, ou autores Allcott e Gentzkow (2017, p. 224) observam que, nas eleições norte-americanas de 2016, foram amplamente divulgadas fake news com viés favorável ao então candidato Donald Trump, envolvendo temas sensíveis para o eleitor norte-americano, como imigração, saúde pública, drogas, terrorismo, entre outros. Na amostra analisada pelos autores, não só houve maior produção de fake news de direita, como foram objetos de compartilhamento em massa.
No Brasil, as eleições para a Presidência da República no Brasil em 2018 foram marcadas pela intensa divulgação de “fake news” nas redes sociais. Estudos da organização Avaaz indicaram que “98,21% dos eleitores do presidente eleito Jair Bolsonaro foram expostos a uma ou mais notícias falsas durante a eleição, e 89,77% acreditaram que os fatos eram verdade” (PASQUINI, 2018). No recente processo eleitoral, em um período compreendido entre 6 de junho a 27 de outubro de 2020, véspera do segundo turno das eleições presidenciais, o TSE recebeu 50 ações sobre fake news em campanha eleitoral, o que corresponde a 12% das demandas judiciais encaminhadas aos três ministros encarregados de atuar no julgamento das ações. Dentro deste número, 16 ações receberam provimento total ou parcial, com concessão de tutela de urgência, com a retirada de conteúdo da internet. Trata-se de árduo trabalho de combate às fake news em matéria eleitoral, ainda que exista uma série de limitações impostas à propaganda eleitoral. Por seu turno, fica evidenciado que a existência de regras que regulamentam a propaganda eleitoral é facilmente desrespeitada na mídia social, causando enormes danos ao sujeito do conteúdo falso.
Imperioso realizar uma reflexão sob a perspectiva de salvaguardar a legitimidade do direito de informar e de ser informado. Os inúmeros questionamentos quanto à possibilidade de as “fake news” afetarem a democracia de um país por meio da distorção do resultado de um pleito eleitoral tem causado preocupação em níveis estarrecedores. Cuida rememorar o conceito de democracia a fim de recuperar os valores democráticos do Estado de Direito.
3 O DIREITO DE RESPOSTA COMO ANTÍDOTO CONTRA A MANIPULAÇÃO DO VOTO
Seguramente, com a nova sistemática inaugurada pela era da informação os danos causados pela divulgação de notícias inverídicas ultrapassam o campo particular e alcançam o bem coletivo. Dado a fluidez do tema, destacam-se os fatos sabidamente inverídicos veiculados durante corridas eleitorais, períodos genuinamente caracterizados por conflito de ideologias e intensa polarização política. Atingida por esse fenômeno, as eleições presidenciais brasileiras em 2018 foram verdadeiramente caracterizadas pela intensa disseminação de informações inverídicas.
Considerando que um dos motivos que favorecem à propagação de fake news é concorrência política, as partes envolvidas no processo eleitoral utiliza-se das artimanhas ilícitas para fomentar a propaganda como instrumento para denegrir a imagem do adversário político. Desta feita, torna-se inconteste a influência de notícias falsas no processo eleitoral, desde pré-candidaturas até os resultados, valendo-se da manipulação da formação do voto do eleitor, o que é, sobretudo, lamentável e inaceitável em um regime democrático.
A problemática das fake news não é novidade em eleições e a missão de classificar algo como fake news sempre foi e continua sendo extremamente árdua, hoje com conjuntura agravada em razão da internet.
O que é mais importante para moldar a opinião pública: fatos objetivos ou apelos à emoção e às crenças individuais? Certamente, para o funcionamento de uma democracia, os fatos objetivos importam mais. No entanto, os mais recentes acontecimentos indicam que no campo das disputas políticas apelar para a disseminação de fake news pode ser o caminho mais rápido de eficiente para determinado ator político obter sua finalidade (AIETA; ARAUJO, 2018, p.16).
As notícias falsas sobre os pretensos candidatos e seus respectivos partidos políticos podem ser entendidas como um tipo de contrainformação, pois além de estarem voltadas contra a veracidade das informações, elas poderão ser recebidas pela população como verdade absoluta e, assim, influenciar politicamente a opinião popular (MARTINEZ, 2018 p. 198). No entanto, ainda não há no Direito brasileiro diploma normativo que trate especificamente das “fake news”. Nesta senda, somente é possível tratar de sua regulação traçando um paralelo com normas já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, em especial no âmbito do Direito Eleitoral, objeto de enfoque do presente estudo. Inegavelmente as “fake news” desperta discussões na comunidade jurídica no que tange aos mecanismos de eficazes de enfrentamento. O autor Gross (2018, p. 154-155), alinhavado com as posições distintas, apresenta um lado favorável à edição de leis proibitivas, com o argumento de que as fake news formam manifestação prejudicial à democracia, e outro contrário à punições e proibições sob o argumento de que seriam danosas para a mesma democracia, porque representariam riscos à liberdade de expressão.
O contexto da nova era digital impôs ao Estado a necessidade de soluções com o intuito de regular as relações sociais na internet. Neste passo, a lei nº 12.965/14 foi um importante símbolo legislativo, denominada como Marco Civil da Internet, estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres aos usuários da grande rede, bem como estabelece obrigações de responsabilidade civil aos provedores e usuários. Não pode-se olvidar a responsabilidade do Estado em criar mecanismos para estabelecer a ordem social. O artigo 19 da referida norma regula as condutas do provedor em retirar notícias inverídicas, no entanto recebe considerações contundentes:
Por fim, e ainda mencionando os efeitos políticos do art. 19 do Marco Civil da Internet, num país que se precisa crescer muito em educação digital (não confundir com acesso à Internet), dificilmente as pessoas ofendidas na Rede Mundial de Computadores conseguirão ter reparado o seu dano, pois sequer conhecem as leis e não têm mecanismos de acesso ao Judiciário. (FLORENCIO FILHO, 2014, p. 40).
Diante do cenário onde se discute a necessidade de punir condutas que propagam informações falsas, cuida colocar em relevo a analisar preliminar das formas de responsabilização viáveis e acessíveis. A cautela pela busca pelo meio de repressão eficaz deve ser colocada em alinho com a legislação já existente no ordenamento jurídico. No âmbito do Direito eleitoral, a propaganda política é arena de grande fomentação de notícias acaloradas. Vale destacar que a propaganda eleitoral é regulamentada pelos arts. 36 a 41 da Lei de Eleições (lei nº 9.504/1997) e consiste, nos dizeres de Fontella:
[...] naquela elaborada por partidos políticos, coligações partidárias e candidatos, com a finalidade de angariar votos dos cidadãos, criando na psique dos eleitores imagem de um postulante a cargo eletivo transparente, probo, competente e empreendedor, da mesma forma que se embala um produto para oferecer ao mercado consumidor - no caso o Eleitoral -, uma vez que, modernamente, a imagem do político transmitida ao público é fundamental para o êxito nas urnas (FONTANA, 2012, p. 399).
A legislação previu inclusive o respeito ao direito de resposta através da rede mundial de computadores (internet). O art. 57-D da Lei no 9.504/1997 estabelece o seguinte:
É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do arts. 58 e 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica (BRASIL, 1997).
Aos candidatos, partidos políticos e coligações atingidos direta ou indiretamente por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta, que será exercido pelo ofendido ou seu representante a partir da escolha em convenção (art. 58 e § 1° da Lei 9.504/97). Com reflexos cristalinos e ofuscantes da assimilação da concepção de notícias falsas dento do processo democrático é imperioso destacar a incumbência estatal na difícil tarefa de regular direitos e fiscalizar eventuais prejuízos que ameacem a credibilidade e legitimidade das eleições. Neste sentido, a Resolução 23.551/2017 do Tribunal Superior Eleitoral, que dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral, trata da disseminação de fake news durante período eleitoral, estabelecendo – contrario sensu –, que é vedada a propaganda que divulgar fatos sabidamente inverídicos.
Art. 22. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição.
§1º A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos.
Obviamente, as normas repressivas existentes, não inibiu a propagação de notícias falsas no período eleitoral contemporâneo, mas deu base a decisões proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral como forma de controlar judicialmente a propagação de fake news. Como exemplo, a decisão que o TSE aplicou pela primeira vez a disposição contida no art. 22 da Resolução 23.551/2017 ao determinar a remoção de notícias falsas disseminadas sobre pré-candidata à Presidência da República:
Medida liminar – Representação eleitoral – Admissibilidade – Pessoa não identificada que dissemina notícias falsas (fake news) em rede social com o intuito de prejudicar a imagem política de pré-candidata à Presidência da República – Constituição Federal que garante a liberdade de expressão, mas veda a manifestação anônima – Remoção das notícias falsas e fornecimento dos dados pessoais e de acesso do criador e dos administradores do perfil na rede social que se impõem – Inteligência do art. 5º, IV, da CF/1988 (TSE, Representação 0600546-70.2018.6.00.0000, rel. Min. Sérgio Silveira Banhos, j. 07.06.2018).
A decisão transparece uma real preocupação do Judiciário brasileiro, por meio do Tribunal Superior eleitoral, em contribuir de maneira significativa com o combate às fake news por meio de controle judicial apto a inibir sua difusão, o que pode ser evidenciado na ordem de remoção do conteúdo. Em propaganda realizada na Internet, vale ressaltar que o usuário ofensor deverá não só suportar todos os custos da “resposta do ofendido”, como também empregar em sua divulgação “o mesmo impulsionamento de conteúdo eventualmente contratado nos termos referidos no art. 57-C desta Lei e o mesmo veículo, espaço, local, horário, página eletrônica, tamanho, caracteres e outros elementos de realce usados na ofensa” (LE, art. 58, § 3º, IV, a – com a redação da Lei nº 13.488/2017).
De outra banda, o art. 243, IX, do Código Eleitoral tem como intolerável a propaganda “que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública”. Tais condutas foram tipificadas criminalmente nos artigos 324 a 326 do diploma legal. Entrementes, além da reparação do dano moral sofrido pelo, o § 3 do aludido dispositivo também assegura “o direito de resposta a quem for injuriado, difamado ou caluniado através da imprensa, rádio, televisão, ou alto-falante, aplicando-se, no que couber, os artigos 90 e 96 da Lei no 4.117, de 27-8-1962”. Para garantir eleições mais equilibradas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabelece, pela Resolução nº 23.547/2017, que:
Art. 5º A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o exercício do direito de resposta ao candidato, ao partido político ou à coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social (TSE, 2017)
Diante disso, a legislação eleitoral previu o direito de resposta, que, a propósito, já é consagrado pela Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 5º, inciso V. Apresenta-se como garantia ao direito de manifestação do pensamento com salvaguarda da honra do indivíduo. Nas palavras da doutrina especializada:
A Lei Maior assegura a todos o direito de resposta, que corresponde à faculdade de retrucar uma ofensa veiculada por um meio de comunicação. O direito de resposta, basicamente, é uma reação ao uso indevido da mídia, ostentando nítida natureza de desagravo - tanto assim que a Constituição assegura o direito de resposta proporcional ao agravo sofrido (art. 5º, V). O direito de resposta é meio de proteção da imagem e da honra do indivíduo que se soma à pretensão de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes do exercício impróprio da liberdade de expressão (MENDES; COELHO, 2007, p. 353).
O direito de resposta possui natureza jurídica dúplice, pois ao mesmo tempo em que assegura os direitos da personalidade, auxilia na multiplicação do acesso à comunicação social ao oportunizar que diferentes pontos de vistas sejam conhecidos pelo indivíduo. Esse direito é um instrumento que permite um acesso cada vez maior à mídia proporcionando a efetivação do contraditório diante da opinião pública (SARMENTO, 20131 p. 253).
Apenas em 2015 foi sancionada a Lei nº 13.188, que estabeleceu o rito para a aplicação do Direito de Resposta, após o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei 5.250/1967. A grande contribuição da lei do Direito de Resposta foi a previsão do rito especial, que terá reflexo direto na extensão do dano causado pelo abuso na liberdade de imprensa, já que, desde o julgamento da ADPF 130, a regra é que eventual abuso no exercício dessa liberdade seja resolvido posteriormente através do direito de resposta e da reparação civil (PERUZZO, 2017).
A despeito da restrição subjetiva constante no art. 58 da lei 13.188/2015, tem-se que qualquer pessoa, pode invocar o direito de resposta, desde que a ofensa ou inverdade seja veiculada no horário de propaganda eleitoral gratuita. O direito de resposta constitui oportunidade conferida ao ofendido para se manifestar. Cumpre reiterar que a agressão ensejadora de direito de resposta pode ser pulverizada “por qualquer veículo de comunicação social” (art. 58, in fine), inclusive a Internet e redes sociais, não se limitando àqueles especificados no art. 243 do Código Eleitoral, isto é, “imprensa rádio, televisão, ou alto-falante”. Ademais, não importa que o espaço em que ela foi difundida seja comercial. Deste modo, com a expressão qualquer veículo de comunicação social os novos veículos e instrumentos de mídia empregados na propaganda terminam por ser abarcados no conceito legal, sem que para isso se deva proceder a específica mudança legislativa.
Diante do cenário de propagação em massa de fake News, diversos iniciativas legislativas surgiram com a tentativa de sancionar a conduta. Como exemplo, o projeto de lei nº 473/2017 do Senado Federal que pretende inserir no Código Penal o art. 287-A para estabelecer como crime “Divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante.” Na justificativa do projeto, o Senador Ciro Nogueira (PP/PI), destaca a importância de se criminalizar a conduta quando a vítima é a sociedade como um todo, uma vez que as “fake news” servem, muitas vezes, de instrumento de manipulação da opinião popular (NOGUEIRA, 2017).
Muitas campanhas tem surgido com o intuito de frear a disseminação de notícias falsas. Cada vez mais, as grandes empresas buscam um escudo contra a reputação de propagadora de fake News. Neste sentido, o Facebook, por exemplo, anunciou uma nova métrica usada para identificar material potencialmente inverídico. A plataforma chamou de “click-gap” e será utilizada para comparar a popularidade de um link dentro com a popularidade em outros ambientes digitais, com intuito de avaliar se a viralização do material é orgânica (BORIM, 2019).
Contudo, inegavelmente, o mais eficiente instrumento contra as fake news é a educação, principalmente ao estimular o receptor da notícia a desenvolver um olhar mais abrangente e um senso de questionamento frente às mais diversas informações. Além disso, uma avaliação altamente crítica com todas as notícias é a grande aliada no combate às informações falsas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O avanço da sociedade traz consigo a permanente necessidade de novas reflexões, seja de temas até então desconhecidos, surgindo na medida em que se eleva a complexidade das relações humanas, seja de temas já preexistentes, mas que, por uma razão ou outra, carecem de ser revistos pela coletividade. Doutro modo não pode a indiferença do Estado frente a quaisquer ofensas que porventura ameacem o sistema Democrático de Direito. Cabe a difícil tarefa de fiscalização do conteúdo a ser produzido, que poderá, por sua vez, intervir quando houver necessidade ou quando entender ser cabível certo controle sobre determinado canal midiático (censura). A problemática circunda à esfera dos direitos de liberdade, entre esses a liberdade de informação, garantia esta que pode ser compreendida sob dois aspectos: os interesses individuais de cada cidadão e os interesses coletivos de toda a sociedade.
A Constituição Federal de 1988 tem insculpido em sua promulgação direitos individuais e coletivos que permeiam todo o ordenamento jurídico. Descarte, todavia, deixar de mencionar que a internet se tornou o principal meio de comunicação capaz de produzir e fazer circular as informações de forma rápida, eficaz e mais abrangente possível. Assim, os meios digitais, em especial as redes sociais, são os principais formadores de opinião política – ainda que desprovidos de técnica ou de veracidade. Diante do grande poder lesivo das Fakes News no processo eleitoral, o Estado tem buscado, ainda que limitadamente, por meio de controle judicial apto a inibição e difusão, de conteúdos inverídicos, do que pode ser evidenciado por ordem de remoção. Neste sentido, o direito à resposta é assegurado em casos de divulgação de notícias sabidamente inverídicas; a tipificação da conduta como crime no art. 323 do Código Eleitoral Brasileiro e a possibilidade de retirada de conteúdos da internet prevista tanto na Lei de Eleições (Lei nº 9.504/1997) quanto na resolução 23.551 do TSE.
O Direito de Resposta encampado como importante instrumento de no equilíbrio do processo eleitoral denota a máxima de que nenhum candidato pode ultrapassar os limites da liberdade de expressão para ofender a honra de outro candidato, cabendo nesses casos um direito de resposta a ser divulgado no mesmo meio de comunicação em que circulou a ofensa. Diante da tutela jurisdicional direcionada pelo direito de resposta, é notório que os esclarecimentos não atingem as mesmas proporções, eis que não adentram os mesmos setores sociais que a notícia inverídica ocorreu. As fake news chegam rapidamente a milhares de eleitores por meio de redes sociais (Facebook, WhatsApp, Twitter etc.), em contraponto os esclarecimentos são divulgados por meios oficiais de notícias.
Não pode-se, evidentemente, de maneira ontológica reconhecer a possibilidade de estabelecer um processo democrática em seu equilíbrio pleno, no entanto, cabe a sociedade e ao Estado o dever de zelar pela busca incessante pela democracia, assegurando a liberdade do indivíduo em participar da construção do Estado. A realidade atual, infelizmente, se esvai neste propósito quando se reconhece a potencialidade das “fake news” ao distorcer informações e manipular na formação da vontade popular, elemento fulcral da democracia. A inquietação se funda na possibilidade de as “fake news” impedirem o exercício livre e informado do voto, na medida em que podem corromper o debate público, essencial à realização de eleições justas e democráticas.
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Data da conclusão/última revisão: 19/08/2020
Leonardo Alves de Carvalho e Tricia Gonçalves Lorencini
Advogados.
Código da publicação: 10561
Como citar o texto:
CARVALHO, Leonardo Alves de; LORENCINI, Tricia Gonçalves..Análise sobre a influência do Direito de Resposta dos candidatos vítimas de fake news. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 998. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/10561/analise-influencia-direito-resposta-candidatos-vitimas-fake-news. Acesso em 3 out. 2020.
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