A partir do texto constitucional de 1988, os Partidos Políticos no Brasil passaram a ter autonomia, de forma que o processo filiação partidária, hoje, é matéria de economia interna, sem interferência da Justiça Eleitoral. A Constituição Federal no § 1º do art. 17, diz que “É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidária”. O art. 17 foi regulamentado pela Lei nº. 9.096, de 19.09.1995, recebendo o texto infraconstitucional apreciação do TSE pela RES 19.406, de 06.05.1995.
A filiação partidária no Direito Eleitoral Brasileiro é matéria de ordem constitucional por ser uma das condições de elegibilidade, art. 14, § 3º., V, da CF, de forma que não sendo o eleitor filiado a Partido Político ele não poderá concorrer a cargo eletivo. A Lei nº. 9.096/95, no seu art. 18, dispõe: “Para concorrer a cargo eletivo, o eleitor deverá estar filiado ao respectivo partido pelo menos um ano antes da data fixada para as eleições, majoritárias ou proporcional”.
Em razão do tratamento dispensado pelo legislador constitucional à filiação partidária, alguns aspectos são de extrema importância, como o procedimento de filiação, a duplicidade de filiação e a omissão do nome do eleitor na relação que cada Partido deverá remeter ao Juízo Eleitoral. Como o funcionamento dos Partidos Políticos no Brasil é regulamentado pela Lei nº. 9.096/95, perdeu qualquer interesse a apreciação sobre a legislação anterior em razão das várias eleições já realizadas pós 1995.
Cada Partido em seu Estatuto disporá sobre o processamento de filiação do eleitor, sendo comum o seguinte: a) pedido de filiação do qual constará o compromisso expresso de respeito ao Programa, ao Estatuto e ao Código de Ética do Partido, que será entregue ao órgão partidário de sua circunscrição eleitoral; b) publicação de Edital com a relação dos eleitores que pediram filiação, com prazo para impugnação, cujo prazo dependerá do que contiver cada Estatuto; c) decorrido o prazo, não havendo impugnação ou sendo ela julgada improcedente, será deferida a filiação, cabendo ao Partido comunicar pessoalmente ao eleitor, conforme previsto no parágrafo único do art. 17 da Lei nº. 9.096, e parágrafo único do art. 34 da RES-TSE-19.406, de 05.12.1995. Encerrado o procedimento, cabe ao Partido remeter a relação dos eleitores filiados, art. 19 da Lei, e para o eleitor filiado concorrer a cargo eletivo, a filiação deverá ser feita até um ano antes do pleito, art. 18. Assim, quem for concorrer a cargo eletivo nas próximas eleições de 03 de outubro, a sua filiação terá de haver sido feita até 02.10.2003.
Caso o eleitor venha se filiar junto ao Órgão Nacional ou Estadual do Partido, deverá o órgão comunicar diretamente ao juízo da Zona Eleitoral do eleitor, conforme entendimento manifestado pelo TSE na Res. nº 21.522, de 7.10.2003 (Cta nº 952/DF), rel. Min. Ellen Gracie, como se vê: Ementa: "Consulta. Filiação partidária efetuada em diretório nacional. Necessidade de comunicação ao juiz eleitoral. Art. 19 da Lei nº 9.096/95. Prevê a lei que o partido encaminhe a relação dos filiados à Justiça Eleitoral no prazo legal, seja por meio de seu órgão de direção nacional – em que foi feita a filiação –, seja pelo municipal. Exegese do art. 19 da Lei nº 9.096/95."
Para o eleitor se desfiliar ao Partido, deverá comunicar por escrito ao órgão partidário de sua circunscrição e ao Juízo Eleitoral, e caso ele não proceda e venha se filiar a Partido diverso, ambas as filiações serão nulas por duplicidade. O TRE de SC decidiu: Configura-se dupla filiação quando o nome do eleitor está incluído em relações de filiados remetidas por diferentes partidos à Justiça Eleitoral, RDJE 1324, decisão 16264, de 18.07.2002. O TSE por sua vez, no Resp. 16.410-PR, rel.Min. Waldemar Zveiter, apud Resp nº. 16.415-MG, rel. Min. Fernando neves/DJU de 20.11.00, Seção 1/p. 162), manifestou: “Aquele que se filia a outro partido deve comunicar ao partido, ao qual era anteriormente filiado, e ao juiz de sua respectiva zona eleitoral, o cancelamento de sua filiação no dia imediato ao da nova filiação”. José Bispo Sobrinho, Comentários à Lei Orgânica dos Partidos Políticos, págs. 60/61, citado no Ac 37/2001, do proc. 505, Cl. 21, do TRE-SE, relª. a Juíza Silvia Lea Suely de Farias Carmelo, leciona: “Ao eleitor somente é permitido, ao mesmo tempo, manter filiação a um único partido. Se o eleitor sentir o desejo de se desligar de um partido para filiar-se a outro, tem todo o direito de faze-lo, observando todo o procedimento legal para validade de sua vontade. Assim sendo, deve endereçar comunicação escrita ao partido e ao juiz da respectiva Zona Eleitoral, solicitando o cancelamento de sua filiação. Se o filiado de um partido ingressar em outro, deve proceder à comunicação, no máximo, até o dia imediato ao da nova filiação. Se não o fizer, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos”..
Embora a lei assim o defina, constando o nome do eleitor em mais de uma relação de filiados, a nulidade não será de logo declarada, sob que pese a redação do art. 36, § 2º da RES- 19.406. Será instaurado procedimento de Duplicidade de Filiação, ouvindo-se os Partidos e o eleitor, decidindo o juiz em seguida, declarando a nulidade das filiações, ou considerando válida qualquer delas, de forma que o eleitor não venha ser prejudicado por ato irregular ou fraudulento de dirigente partidário No município de Glória-BA, o nome de um eleitor que exercia o cargo de Vice-Prefeito e que pretendia concorrer ao cargo de Prefeito, constou na relação dos filiados ao PFL e ao PL entregues em outubro de 2003, de forma que se mantida a situação, ele estaria inelegível. Instaurado o procedimento, ouvidos os Partidos e o eleitor, o Juiz da 84ª Zona Eleitoral com sede em Paulo Afonso, Dr. Jôfre Oliveira Caldas, ouvido o Ministério Público Eleitoral, declarou inexistente a filiação em relação ao PL, reconhecendo a validade da filiação ao PFL. O PL não tinha qualquer documento do eleitor como seu filiado, incluindo o nome do eleitor para evitar futura candidatura, enquanto que o PFL exibiu a adesão dele ao Estatuto e ficha de filiação. Caso declarada de plano a nulidade pelo lançamento indevido do nome do eleitor na relação do PL, resultaria grave lesão ao seu direito. O lançamento indevido do nome do eleitor na relação de Partido ao qual ele não é filiado poderá tipificar em desfavor do dirigente partidário o delito do art. 299 do CP.
Um outro aspecto diz respeito à omissão do nome do eleitor na relação de filiados enviada pelo Partido ao Juízo Eleitoral. Como proceder o eleitor? “Nesse caso, dispõe a Lei nº. 9.096, no § 2º do art. 19: “Os prejudicados por desídia ou má-fé poderão requerer, diretamente à Justiça Eleitoral, a observância do que prescreve o caput deste artigo”. Já a RES-TSE-19.406, de 06.05.1995, no § 5º do art. 36, traz consigo: “Os prejudicados por desídia ou má-fé poderão requerer, diretamente ao Juiz Eleitoral da Zona, que intime o Partido para que cumpra, no prazo que fixar, sob pena de desobediência, o que prescreve o caput deste artigo (grifo nosso) - (Lei nº. 9.096/95, art. 19, § 2º)”.Na hipótese da omissão do eleitor na relação remetida pelo Partido ao Juízo Eleitoral, indaga-se quanto a preclusão. A Lei prevê que caberá ao eleitor solicitar diretamente ao Juiz, § 2º do art. 19, e RES-TSE no § 5º do art. 36, diz que o pedido será para que o Juiz fixe prazo para que o Partido supra a omissão, e não havendo atendimento, o próprio Juiz determinará ao Cartório Eleitoral que seja feita a inclusão, resultando provada a filiação, respondendo os dirigentes partidários por crime de desobediência. Quanto à preclusão, a lei não fixa prazo, logicamente não há que se falar em preclusão em desfavor do eleitor. No sentido, vejamos as decisões:
” RE, Proc. 137, Classe 21, TRE-SE, ac. 211/2000, rel. Juiz Epaminondas Silva de Andrade Lima, j em 03.05.2000. EMENTA: RECURSO ELEITORAL. INDEFERIMENTO DE FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. PROVIMENTO. Rechaça-se de pronto as alusões quanto à preclusão do direito do recorrente de ingressar diretamente em juízo, uma vez que a lei não estipula prazo para tanto. Reconhecida a desídia do partido quanto à remessa da relação de filiados ao juízo eleitoral, impõe-se a reforma da decisão “a quo”. No Relatório do mesmo acórdão, transcreveu-se a seguinte decisão do TRE-GO, Proc. 280/96, rel. Juiz Lindoval Marques Brito: “Pode o prejudicado requerer à Justiça Eleitoral a revisão da relação de filiados, com a finalidade de ter o seu nome incluído devendo ser ouvido o partido político. Inteligência do art. 19, da Lei 9.096, e seu § 2º”.
No que diz respeito ao desligamento do eleitor ao Partido, as hipóteses constam do art. 22, ocorrendo nos seguintes casos: I - morte; II - perda dos direitos políticos; III - expulsão; IV - outras formas previstas no estatuto, com comunicação obrigatória ao atingido no prazo de quarenta e oito horas da decisão. Neste último caso, é a desfiliação de iniciativa do eleitor. Parágrafo único. Quem se filia a outro partido deve fazer comunicação ao partido e ao juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se não o fizer no dia imediato ao da nova filiação, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas para todos os efeitos.
. Sob que pese a autonomia dada aos Partidos Políticos, relevante é saber se cabe mandado de segurança contra ato de dirigente partidário. A Lei nº. 9.259, de 09.01.1996, que alterou a Lei nº. 1.533/51, eliminou do § 1º da lei última, a expressão “os representantes ou órgãos dos partidos políticos, de forma que, em tese, incabível o remédio heróico. A Constituição Federal no art. 5º., inciso XXXV, diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder judiciário lesão ou ameaça a direito, e desde que haja violação de direito líquido e certo, cabível é o mandamus, inciso LXIX do mesmo art. 5º.. O mesmo dispositivo constitucional no inciso LIV, dispõe que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Desde que o filiado tenha violado o seu direito líquido e certo por ato de dirigente partidário, cabível é o mandado de segurança, é o entendimento a prevalecer.
Mesmo a Lei nº. 9.259 trazendo consigo manifesta inconstitucionalidade, o TSE no ac. 225 de 08.09.1998, publicado na mesma data, Rel. Min. José Néri da Silveira, entendeu incabível o mandado de segurança, cabendo o filiado atacar o ato mediante os recursos previstos no Estatuto Partidário. O mesmo TSE no RO 40-BA, j. de 02/10/1996, publicado no DJ de 19.11.1996, pág. 45084, Rel. Min. Nilson Vital Naves, decidiu: “Diretório Municipal. Intervenção. Matéria “Interna Corporis”. Precedentes do TSE. Segurança Denegada. Caso em que figura como Autoridade Coatora Dirigente Partidário”.
Matéria de Pesquisa coletada nas páginas do TSE, TRE-SE e TRE-SC.
Fernando Montalvão
Titular do Escritório Montalvão e Advogados Associados;Consultor de Direito Eleitoral para Partidos Políticos;
Colaborador de sites jurídicos e jornalísticos.
Website: www.montalvao.adv.br
Código da publicação: 1466
Como citar o texto:
MONTALVÃO, Antonio Fernando Dantas..Filiação partidária no Direito Eleitoral. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 192. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/1466/filiacao-partidaria-direito-eleitoral. Acesso em 20 ago. 2006.
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