A inegibilidade por rejeição de contas (ART. 1º, I, "G", DA LEI DAS INELEGIBILIDADES) e as alterações promovidas pela lei da ficha limpa.

Analisa as alterações promovidas pela Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, popularmente conhecida como Lei da Ficha Limpa, relativamente à inelegibilidade por rejeição de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas prevista no art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 – Lei das Inelegibilidades.

 

Palavras-chave: Ficha Limpa; inelegibilidade; rejeição de contas; Tribunal de Contas; Poder Legislativo; irregularidade insanável; improbidade administrativa; Chefe do Poder Executivo; ordenador de despesas; contas de governo; contas de gestão.

I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Lei das Inelegibilidades – Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 declarava inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão fosse submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições realizadas nos cinco anos seguintes, contados a partir da decisão.

Eis a redação originária da alínea “g” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90:

“Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

........................................................................................................

 

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão;”

O referido dispositivo legal foi modificado pela recente Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, popularmente conhecida como Lei da Ficha Limpa, passando a ter a seguinte redação:

“Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

........................................................................................................

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;”

O objetivo deste breve trabalho será analisar as alterações introduzidas pela Lei da Ficha Limpa no regramento da inelegibilidade por rejeição de contas.

II – ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI DA FICHA LIMPA NO REGRAMENTO DA INELEGIBILIDADE POR REJEIÇÃO DE CONTAS

A) PRIMEIRA ALTERAÇÃO – ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Em primeiro lugar, passou-se a exigir para que se configure a inelegibilidade que a irregularidade que motivou a rejeição das contas configure ato doloso de improbidade administrativa.

O Superior Tribunal de Justiça fixou orientação no sentido de que apenas se admite a modalidade culposa de improbidade administrativa nos casos de atos que causem lesão ao erário, tipificados no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa – Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992. No caso dos atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa) e dos que atentem contra os princípios da administração pública (art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa) somente se admite a modalidade dolosa (vide EREsp nº 875163/RS, 1ª Seção, rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 30.06.2010; REsp nº 909.446/RN, 1ª Turma, rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 22.04.2010; REsp nº 1.107.840/PR, 1ª Turma, rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe de 13.04.2010; REsp nº 997.564/SP, 1ª Turma, rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 25.03.2010; REsp nº 816.193/MG, 2ª Turma, rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe de 21.10.2009; REsp nº 891.408/MG, 1ª Turma, rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe de 11.02.2009; REsp nº 658.415/MG, 2ª Turma, rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 03.08.2006; Ag nº 1.272.677/RS, rel. HERMAN BENJAMIN, DJe de 07.05.2010; REsp nº 1.176.642/PR, rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, Dje de 29.03.2010; REsp nº 1.183921/MS, rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Dje de 19.03.2010).

Dessa forma, não têm o condão de gerar a inelegibilidade prevista na alínea “g” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 os atos de improbidade administrativa que causem lesão ao erário (art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa) praticados de forma culposa.

Podem gerar a inelegibilidade em questão, portanto, os atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º (atos que importem enriquecimento ilícito), 10 (atos que causem lesão ao erário) e 11 (atos que atentem contra os princípios da administração pública) praticados de forma dolosa.

B) SEGUNDA ALTERAÇÃO – SUSPENSÃO DA INELEGIBILIDADE

A redação originária da LC nº 64/90 exigia para que não incidisse a inelegibilidade que a decisão do órgão competente tivesse sido submetida à apreciação do Poder Judiciário.

Com base nessa redação, a jurisprudência do TSE firmou-se no sentido de que bastaria a propositura de ação visando a desconstituição da decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, para que a inelegibilidade ficasse suspensa, tendo sido editada a Súmula nº 1, com o seguinte enunciado:

“Proposta a ação para desconstituir a decisão que rejeitou as contas, anteriormente à impugnação, fica suspensa a inelegibilidade (Lei Complementar nº 64-90, Art. 1º, I, g).”

Posteriormente, mesmo não tendo havido qualquer modificação do quadro legislativo, o TSE mudou a orientação e passou a exigir, para os fins de se ter por suspensa a inelegibilidade, a obtenção de tutela antecipada ou liminar suspendendo os efeitos da decisão de rejeição de contas (vide, por exemplo, AgR-REspe nº 35252/MG, rel. Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, pub. no DJe de 24.04.2009; AR nº 251/MA, rel. Min. FELIX FISCHER, pub. no DJe de 16.03.2009; AgR-AgR-REspe nº 33597/PA, rel. Min. EROS ROBERTO GRAU, pub. no DJe de 18.03.2009).

Como se vê, a Lei da Ficha Limpa incorporou ao texto legal da alínea “g” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 a interpretação firmada a respeito do tema pelo TSE.

C) TERCEIRA ALTERAÇÃO – PRAZO DA INELEGIBILIDADE

Houve um aumento no prazo da inelegibilidade por rejeição de contas.

Originariamente, a inelegibilidade se aplicava para as eleições a serem realizadas nos cinco anos seguintes, contados a partir da data da decisão (da data em que a decisão do órgão competente se tornou irrecorrível).

A partir do advento da Lei da Ficha Limpa, a inelegibilidade alcança as eleições que se realizarem nos oito anos seguintes, contados a partir da data da decisão (da data em que a decisão do órgão competente se tornou irrecorrível).

O aumento do prazo em questão suscita, entre outras controvérsias, discussão a respeito dos casos em que, por ocasião da entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa, o prazo anteriormente previsto (cinco anos) já tenha transcorrido.

Há uma variedade de argumentos que se opõem a aplicação, nos referidos casos, da inovação trazida pela Lei da Ficha Limpa, destacando-se os que sustentam violação do princípio da segurança jurídica e da irretroatividade das leis.

O TSE, por ocasião dos recentes julgamentos dos RO nº 64580/PA, afastou os supramencionados argumentos contrários a aplicação da Lei da Ficha Limpa em casos semelhantes ao acima mencionado, fixando os seguintes entendimentos:

a) inelegibilidade não é sanção, razão pela qual não se pode cogitar em ofensa ao princípio da irretroatividade das leis;

b) as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade são verificadas no momento do pedido de registro de candidatura, tendo a Lei da Ficha Limpa entrado em vigor antes da data estabelecida para a referida fase do processo eleitoral.

A discussão, entretanto, não está esgotada, posto que os referidos temas, em face de terem índole constitucional, certamente serão levados ao Supremo Tribunal Federal, que, no exercício de sua função de guardião da Constituição, dará a palavra final a respeito da controvérsia.

D) QUARTA ALTERAÇÃO – EXTENSÃO DA INELEGIBILIDADE A MANDATÁRIOS QUE TENHAM ATUADO COMO ORDENADORES DE DESPESAS

Por fim, a Lei da Ficha Limpa acresceu ao texto da alínea “g” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 a seguinte expressão: “aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.

A pretensão do legislador foi submeter os Chefes do Poder Executivo, especialmente os Prefeitos, nos casos em que acumulam as funções de governo com a de gestor público (ordenador de despesas), a julgamento de suas contas, com caráter de exclusividade, pelos Tribunais de Contas, nos termos do inciso II do art. 71 da Carta Magna.

A questão, portanto, passa pelo estudo das diferenças entre contas de governo e contas de gestão e, também, sobre os órgãos competentes para seu julgamento.

A distinção de regime entre as contas de governo e as contas de gestão foram analisadas no bojo do Parecer MPCO nº 5409 (Processo T.C. nº 0806724-7), proferido pelo autor do presente trabalho na época em que ocupava o cargo de Procurador do Ministério Público do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, nos seguintes termos:

“Segundo lição de José de Ribamar Caldas Furtado, “existem dois regimes jurídicos de contas públicas: a) o que abrange as denominadas contas de governo, exclusivo para a gestão política do chefe do Poder Executivo, que prevê o julgamento político levado a efeito pelo Parlamento, mediante auxílio do Tribunal de Contas, que emitirá parecer prévio (CF, art. 71, I, c/c art. 49, IX); b) o que alcança as intituladas contas de gestão, prestadas ou tomadas, dos administradores de recursos públicos, que impõe o julgamento técnico realizado em caráter definitivo pela Corte de Contas (CF, art. 71, II), consubstanciado em acórdão que terá eficácia de título executivo (CF, art. 71, § 3º), quando imputar débito (reparação de dano patrimonial) ou aplicar multa (punição)” (“Os regimes de contas públicas: contas de governo e contas de gestão”, artigo publicado na Revista do TCU, nº 109, maio/agosto 2007).

A distinção entre as contas de governo (art. 71, I, da CF/88) e as contas de gestão (art. 71, II, da CF/88) foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 849/MT, conforme se observa da ementa do acórdão abaixo transcrita:

“Tribunal de Contas dos Estados: competência: observância compulsória do modelo federal: inconstitucionalidade de subtração ao Tribunal de Contas da competência do julgamento das contas da Mesa da Assembléia Legislativa - compreendidas na previsão do art. 71, II, da Constituição Federal, para submetê-las ao regime do art. 71, c/c. art. 49, IX, que é exclusivo da prestação de contas do Chefe do Poder Executivo. I. O art. 75, da Constituição Federal, ao incluir as normas federais relativas à "fiscalização" nas que se aplicariam aos Tribunais de Contas dos Estados, entre essas compreendeu as atinentes às competências institucionais do TCU, nas quais é clara a distinção entre a do art. 71, I - de apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas do Chefe do Poder Executivo, a serem julgadas pelo Legislativo - e a do art. 71, II - de julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, entre eles, os dos órgãos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. II. A diversidade entre as duas competências, além de manifesta, é tradicional, sempre restrita a competência do Poder Legislativo para o julgamento às contas gerais da responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, precedidas de parecer prévio do Tribunal de Contas: cuida-se de sistema especial adstrito às contas do Chefe do Governo, que não as presta unicamente como chefe de um dos Poderes, mas como responsável geral pela execução orçamentária: tanto assim que a aprovação política das contas presidenciais não libera do julgamento de suas contas específicas os responsáveis diretos pela gestão financeira das inúmeras unidades orçamentárias do próprio Poder Executivo, entregue a decisão definitiva ao Tribunal de Contas.” (STF, Tribunal Pleno, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, pub. no DJ de 23.04.1999, p. 01)

A prestação de contas de governo é o meio pelo qual, anualmente, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos Municipais expressam os resultados da atuação governamental no exercício financeiro a que se referem.

O STJ definiu com clareza o que são as contas de governo, como se pode observar do seguinte excerto da ementa do acórdão proferido no julgamento do RMS nº 11060/GO:

“O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidade federativa (União, Estados, DF e Municípios).

Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde, educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88).

As segundas – contas de administradores e gestores públicos, dizem respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88).” (STJ, RMS nº 11060/GO, rel. Min. PAULO MEDINA, pub. no DJ de 16.09.2002, p. 159)

Como esclarece José de Ribamar Caldas Furtado, “tratando-se de exame de contas de governo o que deve ser focalizado não são os atos administrativos vistos isoladamente, mas a conduta do administrador no exercício das funções políticas de planejamento, organização, direção e controle das políticas públicas idealizadas na concepção das leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA), que foram propostas pelo Poder Executivo e recebidas, avaliadas e aprovadas, com ou sem alterações, pelo Legislativo. Aqui perdem importância as formalidades legais em favor do exame da eficácia, eficiência e efetividade das ações governamentais. Importa a avaliação do desempenho do chefe do Executivo, que se reflete no resultado da gestão orçamentária, financeira e patrimonial” (“Os regimes de contas públicas: contas de governo e contas de gestão”, artigo publicado na Revista do TCU, nº 109, maio/agosto 2007).

Por sua vez, José de Ribamar Caldas Furtado explica que “as contas de gestão, que conforme as normas de regência podem ser anuais ou não, evidenciam os atos de administração e gerência de recursos públicos praticados pelos chefes e demais responsáveis, de órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive das fundações públicas, de todos os Poderes da União, Estados, Distrito Federal e municípios, tais como: arrecadação de receitas e ordenamento de despesas, admissão de pessoal, concessão de aposentadoria, realização de licitações, contratações, empenho, liquidação e pagamento de despesas” (“Os regimes de contas públicas: contas de governo e contas de gestão”, artigo publicado na Revista do TCU, nº 109, maio/agosto 2007).

Tendo em vista a finalidade e o fundamento constitucional diversos, as contas de governo se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88). As contas de gestão, por sua vez, submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88).

Dessa forma, o Prefeito que assume também a função de ordenador de despesas deve submeter-se a duplo julgamento. Um de competência da Câmara Municipal mediante parecer prévio do Tribunal de Contras (contas de governo/julgamento político) e o outro de competência do próprio Tribunal de Contas (contas de gestão/julgamento técnico), conforme, inclusive, já decidiu o STJ no precedente acima citado, cuja ementa completa é abaixo transcrita:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO, NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E GESTORA DE RECURSOS PÚBLICOS. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. NÃO SUJEIÇÃO AO DECISUM DA CÂMARA MUNICIPAL. COMPETÊNCIAS DIVERSAS. EXEGESE DOS ARTS. 31 E 71 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Os arts. 70 a 75 da Lex Legum deixam ver que o controle externo – contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial – da administração pública é tarefa atribuída ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas. O primeiro, quando atua nesta seara, o faz com o auxílio do segundo que, por sua vez, detém competências que lhe são próprias e exclusivas e que para serem exercitadas independem da interveniência do Legislativo.

O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidade federativa (União, Estados, DF e Municípios).

Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no ordenamento para saúde, educação, gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88).

As segundas – contas de administradores e gestores públicos, dizem respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88).

Destarte, se o Prefeito Municipal assume a dupla função, política e administrativa, respectivamente, a tarefa de executar orçamento e o encargo de captar receitas e ordenar despesas, submete-se a duplo julgamento. Um político perante o Parlamento precedido de parecer prévio; o outro técnico a cargo da Corte de Contas.

Inexistente, in casu, prova de que o Prefeito não era o responsável direto pelos atos de administração e gestão de recursos públicos inquinados, deve prevalecer, por força ao art. 19, inc. II, da Constituição, a presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo da Corte de Contas dos Municípios de Goiás.

Recurso ordinário desprovido.” (STJ, RMS nº 11060/GO, rel. Min. PAULO MEDINA, pub. no DJ de 16.09.2002, p. 159)

O mesmo entendimento foi manifestado pelo STJ na seguinte decisão:

“ADMINISTRATIVO - TRIBUNAL DE CONTAS: FUNÇÕES (ARTS. 49, IX, C/C 71 DA CF/88).

1. O Tribunal de Contas tem como atribuição apreciar e emitir pareceres sobre as contas públicas (inciso I do art. 71 da CF/88), ou julgar as contas (inciso II do mesmo artigo).

2. As contas dos agentes políticos - Prefeito, Governador e Presidente da República - são julgados pelo Executivo, mas as contas dos ordenadores de despesas são julgados pela Corte de Contas.

3. Prefeito Municipal que, como ordenador de despesas, comete ato de improbidade, sendo julgado pelo Tribunal de Contas.

4. Recurso ordinário improvido.” (STJ, 2ª T., RMS nº 13499/CE, rel. Min. ELIANA CALMON, pub. no DJ de 14.10.2002, p. 198)

Idêntico entendimento tem José de Ribamar Caldas Furtado, conforme se percebe do trecho abaixo transcrito:

“E quando o chefe do Executivo desempenha funções de ordenador de despesa, tem o Tribunal de Contas competência para julgar a respectiva prestação de contas?

Preliminarmente, é importante ressaltar que essa situação acontece apenas nos pequenos municípios. Sucede que na administração federal, na estadual e nos grandes municípios o chefe do Executivo não atua como ordenador de despesa, em razão da distribuição e escalonamento das funções de seus órgãos e das atribuições de seus agentes. O problema reside apenas nos municípios nos quais o prefeito acumula as funções políticas com as de ordenador de despesa. Nesses casos, conforme bem decidiu o Superior Tribunal de Justiça, o prefeito submete-se a duplo julgamento. Um político perante o Parlamento, precedido de parecer prévio; outro técnico a cargo da Corte de Contas.

E não poderia ser diferente, pois, se assim fosse, bastaria o prefeito chamar a si as funções atribuídas aos ordenadores de despesa e estaria prejudicada uma das mais importantes competências institucionais do Tribunal de Contas, que é julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por recursos públicos (CF, art. 71, II). Sem julgamento de contas pelo Tribunal, também estaria neutralizada a possibilidade do controle externo promover reparação de dano patrimonial, mediante a imputação de débito prevista no artigo 71, § 3º, da Lei Maior, haja vista que a Câmara de Vereadores não pode imputar débito ao prefeito. Isso produziria privilégio discriminatório que consistiria em imunidade para os administradores municipais, sem paralelo em favor dos gestores estaduais e federais.

Vale lembrar que é com base no artigo 71, II, da Constituição Federal que o Tribunal de Contas da União julga as tomadas de contas especiais referentes aos recursos federais repassados aos municípios via convênio, imputando responsabilidade aos prefeitos municipais. Ora, se os Tribunais de Contas Estaduais estivessem impedidos de julgar contas de gestão de prefeitos ordenadores de despesa em razão da natureza do cargo que ocupam, igualmente o Tribunal de Contas da União não poderia fazê-lo.

Assim, por imposição do razoável, o regime de julgamento de contas será determinado pela natureza dos atos a que elas se referem, e não por causa do cargo ocupado pela pessoa que os pratica. Para os atos de governo, haverá o julgamento político; para os atos de gestão, o julgamento técnico.” (“Os regimes de contas públicas: contas de governo e contas de gestão”, artigo publicado na Revista do TCU, nº 109, maio/agosto 2007)

Também Flávio Sátiro Fernandes explica que se o prefeito “se posiciona como agente político e como ordenador de despesa e de dispêndio, assinando empenhos, emitindo cheques, autorizando gastos, homologando licitações, enfim, responsabilizando-se por todas as despesas, das menores às maiores, pois todas são por ele ordenadas” está sujeito a duplo julgamento. “Um, político, emitido pela Câmara de Vereadores, sobre as contas anuais oferecidas pela administração e examinadas, previamente pelo Tribunal de Contas que sobre elas emite, apenas, um parecer. O outro, técnico e definitivo, exarado pela Corte de Contas, que conclui pela legalidade ou ilegalidade dos atos praticados pelo prefeito, na qualidade de ordenador de despesas” (“O Tribunal de Contas e a fiscalização municipal”, Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, nº 65, janeiro/junho 1991, pp. 75/81).”

Dessa forma, o entendimento defendido pelo autor do presente trabalho no opinativo supramencionado é o de que quando o Chefe do Poder Executivo acumula a função de ordenador de despesas deve haver um duplo julgamento. Um, de ordem política, de competência do Poder Legislativo, mediante parecer prévio da Corte de Contas, a incidir sobre as contas de governo (atos praticados na condição de Chefe do Poder Executivo); outro, de natureza técnica, no qual serão apreciadas as contas de gestão (atos praticados na função de ordenador de despesas), cuja competência é exclusiva do Tribunal de Contas.

Entretanto, como consignado no mesmo opinativo, a interpretação que se firmou no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral não foi essa, mas sim a de que os Chefes do Poder Executivo, mesmo quando investidos na condição de ordenadores de despesas, apenas se submetem ao julgamento político do Poder Legislativo, não cabendo aos Tribunais de Contas julgarem suas contas com base no inciso II do art. 71 da Carta Magna.

Eis, para um panorama mais completo da questão, os seguintes trechos do supramencionado opinativo:

“O entendimento jurisprudencial que vem de longa data sendo aplicado, capitaneado pelo julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do RE nº 132747/DF , em 17 de junho de 1992, é no sentido de que os Chefes do Poder Executivo, mesmo quando investidos na condição de ordenadores de despesas, apenas se submetem ao julgamento político do Poder Legislativo, não cabendo aos Tribunais de Contas julgarem-lhes as contas com base no inciso II do art. 71 da Carta Magna.

Apesar do acertado voto do Min. Carlos Velloso, que com maestria demonstrou a diferença entre a condição de Chefe do Poder Executivo e ordenador de despesas, bem como a necessidade de submissão ao duplo julgamento, conforme a natureza das contas objeto de apreciação, prevaleceu o entendimento acima descrito. Eis, para melhor visualização do posicionamento manifestado pelo eminente magistrado, os seguintes trechos de seu voto:

“Senhor Presidente, a questão a saber é se o julgamento do Tribunal de Contas, que tem por objeto atos pessoais do prefeito, como ordenador de despesas, se esse julgamento, quando indicativo de improbidade administrativa, é bastante e suficiente para gerar a inelegibilidade inscrita na alínea g, do inc. I, ao art. 1º, da Lei Complementar nº 64, de 1990.

Abrindo o debate, esclareça-se que a fiscalização do Município, mediante controle externo, é exercida pelo Poder Legislativo Municipal (C.F., art. 31), com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (parág. 1º do art. 31 da CF), certo que o parecer emitido sobre as contas que o Prefeito presta, anualmente, deverá ser submetido ao crivo da Câmara Municipal e somente não prevalecerá por decisão de dois terços dos membros desta (C.F., parág. 2º do art. 31).

A questão demanda desdobramentos, ao que penso.

É preciso, primeiro que tudo, distinguir as hipóteses inscritas no art. 71, I e II, da Constituição Federal:

‘Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;”

O modelo federal, extensivo aos Estados e Municípios, institui, ao que se vê, duas hipóteses: a primeira, inciso I, do art. 71, é a do Tribunal de Contas agindo autenticamente como órgão auxiliar do Poder Legislativo: aprecia as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Executivo, mediante parecer prévio que será submetido ao julgamento político do Poder Legislativo, podendo ser recusado; na segunda hipótese inscrita no inc. II do art. 71, o Tribunal de Contas exerce jurisdição privativa, não estando suas decisões sujeitas à apreciação do Legislativo. Cabe-lhe, na hipótese do inc. II, do art. 71, julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos.

Qual das duas hipóteses é capaz de gerar inelegibilidade, no caso de o Tribunal de Contas rejeitas as contas do administrador público?

Na primeira hipótese, a rejeição dificilmente geraria inelegibilidade, à luz do disposto no art. 1º, I, g, da Lei Comp. nº 64, de 1990. É que a rejeição, que é capaz de enquadrar-se na citada alínea g, do inc. I, do art. 1º, da Lei Comp. nº 64, é a que tem a marca da improbidade; noutras palavras, se os atos que motivaram a rejeição das contas não dizem respeito à improbidade, a inelegibilidade não se configura. Ora, a hipótese do inc. I, do art. 71, da Constituição, diz respeito às contas em bloco, às contas do Governo. Poderá o Tribunal de Contas, é certo, nessa apreciação global das contas, indicar uma ou outra que tenha sido praticada pessoalmente pelo Chefe do Executivo, como ordenador de despesas, e apontar-lhe a marca da improbidade. Isto, entretanto, dificilmente ocorrerá, ao que penso.

A hipótese que, na verdade, gera a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da Lei Comp. nº 64, de 1990, é a do inciso II, ao art. 71, da Constituição.

É nessa hipótese que o Tribunal de Contas exerce jurisdição privativa de julgar, administrativamente, as contas dos responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, vale dizer, as contas dos ordenadores de despesas (D.L. 200/67 e Lei nº 4.320/64). Ensina, a propósito, Régis Fernandes de Oliveira, que se trata, no caso, de julgamento administrativo e de cunho técnico, ‘de forma a alcançar todos que detenham, de alguma forma, dinheiro público, em seu sentido mais amplo. Não há exceção e a interpretação deve ser a mais abrangente possível, diante do princípio republicano, que fixa a responsabilidade do agente público’ (Régis Fernandes de Oliveira, Estevão Horvath e Teresa Cristina Castrucci Tambasco, ‘Manual de Direito Financeiro’, Ed. Rev. Dos Tribs., 1990, pág. 106). Em tal hipótese, o Tribunal de Contas aprecia atos pessoais do administrador, vale dizer, contas realizadas pessoalmente pelo administrador. É nessa hipótese, portanto, que o Tribunal de Contas poderá verificar se o administrador praticou ato lesivo aos cofres públicos, em benefício próprio ou de terceiro.

Nessa hipótese, o julgamento do Tribunal de Contas não é submetido à apreciação do Poder Legislativo. Quer dizer, a decisão é definitiva. Todavia, como não detém o Tribunal de Contas função jurisdicional – as suas decisões são administrativas – a decisão poderá ser questionada em Juízo, perante o Poder Judiciário.

(...)

Neste caso, Senhor Presidente, o prefeito agia como ordenador de despesas, assim responsável por dinheiro público, dinheiro do povo, hipótese em que o julgamento do Tribunal de Contas ocorre na forma do disposto no art. 71, II, da Constituição Federal – caso em que a decisão da Corte de Contas não está sujeita ao julgamento político do Poder Legislativo.”

O Tribunal Superior Eleitoral, obviamente guiando-se pelo pronunciamento da Corte Suprema, tem jurisprudência reiterada a respeito do tema, conforme se pode observar, a título meramente ilustrativo, dos precedentes abaixo transcritos:

“ELEIÇÕES 2008. REGISTRO DE CANDIDATO. CONTAS DE PREFEITO. COMPETÊNCIA. CÂMARA MUNICIPAL. REJEIÇÃO. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. INELEGIBILIDADE (ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/90). AUSÊNCIA.

1. Compete, exclusivamente, ao Poder Legislativo o julgamento das contas de gestão prestadas pelo chefe do Poder Executivo, mesmo quando este exerce funções de ordenador de despesas.

2. A inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90 pressupõe a rejeição de contas pelo órgão competente, mediante decisão transitada em julgado, e a existência de irregularidades de natureza insanável.

3. A desaprovação das contas de prefeito pela Corte de Contas não atrai a incidência da inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC nº 64/90.

4. Não constando do acórdão regional os motivos determinantes da rejeição das contas, e nem notícia de decisão proferida pela Câmara Municipal, não há se falar em inelegibilidade.

5. Recurso provido para deferir o registro do candidato.” (TSE, RESPE nº 29981/RJ, rel. Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, pub. na sessão do dia 06.10.2008)

“Registro de candidatura. Inelegibilidade. Art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Competência.

- A competência para o julgamento das contas do prefeito é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio, o que se aplica tanto às contas relativas ao exercício financeiro, prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, quanto às contas de gestão ou atinentes à função de ordenador de despesas.

Recurso especial provido.” (TSE, RESPE nº 29117/SC, rel. Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, pub. no sessão do dia 22.09.2008)

Merece registro que a questão no TSE vem recebendo lúcidos votos no sentido contrário ao entendimento hoje pacificado, razão pela qual se espera que o amadurecimento do debate leve à mudança da distorcida interpretação jurisprudencial em vigor. Transcrevo abaixo trecho do acertado voto do Min. Carlos Ayres Brito no RESPE nº 28944/SC (rel. p/ acórdão Min. Marcelo Ribeiro, pub. na sessão do dia 06.10.2008):

“Bem vistas as coisas, tenho sustentado que a própria utilização do vocábulo ‘anualmente’, no inciso I do art. 71 da Carta Magna, permite a interpretação de que, sob tal competência, serão julgadas somente as contas anuais/globais prestadas, obviamente, pelo Chefe do Poder Executivo, na qualidade de governo ou autoridade de uma determinada pessoa jurídica federada. Em outras palavras, são as contas prestadas em bloco, atuando o prestador de contas como Chefe de Governo, responsável pela administração pública em geral. Já a ausência, no inciso II do mesmo artigo, de qualquer exceção ou distinção entre ‘administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos’ leva à seguinte conclusão: todo aquele que atua como gestor de uma tópica, de uma pontual, de uma particularizada dotação orçamentária, inclusive o Prefeito Municipal, estará sujeito a julgado pelo Tribunal de Contas.

Ora, quisesse o Texto Constitucional, no seu inciso II do art. 71, excepcionar da competência da Corte de Contas para o julgamento das contas de gestão do Chefe do Poder Executivo, agindo este como ordenador de despesas, bastaria uma objetiva ressalva quanto aos sujeitos mencionados no inciso I. Mas não o fez. Não o fez porque o real critério para a fixação da competência dos Tribunais de Contas nestes incisos é o conteúdo em si das contas em análise, e não o cargo ocupado pelo agente político. Portanto, quando o Prefeito Municipal desempenha a função de gestor direto de recursos públicos, praticando atos típicos de administrador em apartado, essas contas serão submetidas à apreciação da Corte de Contas, mediante o exercício de jurisdição administrativa própria, e não como órgão meramente opinativo (inciso II do art. 71 c.c. art. 75 da Constituição Federal de 1988)”

Registre-se, ainda, além da decisão do STF no RE nº 132747/DF citada no trecho supratranscrito, os acórdãos proferidos na ADI nº 849/MT (rel. Min. Sepúlveda Pertence, pub. no DJ de 23.04.1999) e na ADI nº 3715 – MC/TO (rel. Min. Gilmar Mendes, pub. no DJ de 25.08.2006, na RTJ, vol. 200-02, p. 719 e na LEXSTF, vol. 28, nº 333, 2006, pp. 79/92) e, ainda, as seguintes decisões monocráticas: Rcl nº 10493 – MC/CE (rel. Min. Gilmar Mendes, pub. no DJe de 31.08.2010), Rcl nº 10445/CE (rel. Min. Celso de Mello, pub. no DJe de 17.08.2010 e RE nº 352390/MG (rel. Min. Joaquim Barbosa, pub. no DJe de 19.03.2010).

Agora, com o advento da Lei da Ficha Limpa, passou a existir, no plano infraconstitucional, preceito expresso prevendo a necessidade de duplo julgamento no caso de Chefe do Poder Executivo que acumula a função de ordenador de despesas.

Efetivamente, a alínea “g” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90, com a redação que lhe foi dada pela LC nº 135/10, passou a estabelecer ser inelegível o mandatário que, agindo na condição de ordenador de despesas, tem suas contas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa pelo Tribunal de Contas, no exercício da competência prevista no inciso II do art. 71 da Carta Magna (competência para julgar, com exclusividade, as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos).

Resta perquirir acerca da constitucionalidade da alteração promovida pela Lei da Ficha Limpa, vez que não houve alteração da moldura constitucional que motivou o Supremo Tribunal Federal a fixar o entendimento de que o único competente para julgar as contas do Chefe do Poder Executivo, mesmo quando esse acumula a função de ordenador de despesas, é o Poder Legislativo.

O atual posicionamento da Suprema Corte e do Tribunal Superior Eleitoral acerca do tema ampara-se no disposto nos arts. 31, §§ 1º e 2º, 71, I e II e 75 da Constituição Federal, os quais têm a seguinte redação:

“Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

§ 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.”

“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;

II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;”

“Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.”

Como os referidos dispositivos constitucionais não sofreram quaisquer modificações nas suas redações originárias, não é possível a modificação do quadro por meio de legislação infraconstitucional.

Dessa forma, salvo se o Supremo Tribunal Federal, responsável pela guarda da Constituição (art. 102, caput, da CF/88), modificar seu entendimento quanto à questão, não há outro caminho senão concluir que a expressão “aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”, acrescida ao texto da alínea “g” do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 pela LC nº 135/10, é inconstitucional por violar os arts. 31, §§ 1º e 2º, 71, I e II e 75 da Carta Magna.

III – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Das alterações comentadas acima, duas destacam-se pela sua importância, especialmente no que diz respeito ao elevado potencial de restrição de candidaturas, bem como pelas discussões judiciais que estão e continuarão sendo travadas: o aumento do prazo de inelegibilidade e a extensão da inelegibilidade a mandatários que tenham atuado como ordenadores de despesas.

A alterações em referência, como visto acima, provocam questionamentos com base em temas de índole constitucional, razão pela qual caberá ao Supremo Tribunal Federal, na condição de guardião da Carta Magna, dar a última palavra sobre a questão.

 

Data de elaboração: setembro/2010

 

 

 

Paulo Roberto Fernandes Pinto Júnior.

Bacharel em Direito. Procurador da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco. Ex-Procurador do Ministério Público do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. Ex-Procurador do Banco Central do Brasil. Advogado militante na área de Direito Público. Sócio da sociedade de advogados PCDM - Pessoa, Pinto, Carvalho, Dantas & Moreno Advogados.