Fake News e as Eleições na Ordem Jurídica Brasileira - Medidas que se impõem a esse fenômeno Mundial
RESUMO: Com a iminência das eleições de 2018 e a proximidade das eleições de 2020 veio à tona novamente a discussão acerca da criação e propagação de notícias falsas, ou em outras palavras, as chamadas fake News e consequentemente do seu impacto no processo eleitoral. Este artigo abordará a história das fake News, bem como a análise jurídica desse fenômeno, as iniciativas jurídicas mundiais e brasileiras acerca do tema e as ferramentas de combate a disseminação dessas notícias falsas e por fim uma análise do tratamento processual frente ao tema.
Palavras-chaves: Disseminação de notícias. Fake News. Legislação aplicada. Ordenamento Jurídico. Processo Eleitoral.
ABSTRACT: With the imminence of the elections of 2018, and the proximity of the elections of 2020 came to the fore again the discussion about the creation and propagation of false news, or as they are better known, the so-called fake News, and consequently their impact on the electoral process. This article will cover the history of the fake News, as well as the legal analysis of this phenomenon, the legal initiatives worldwide, and brazilian women about the theme and the tools to combat the dissemination of false news and finally an analysis of the treatment of procedural front of the subject.
Keywords: Dissemination of news. Electoral process. Fake News. Legal order. Legislation applied.
INTRODUÇÃO
O presente estudo trata-se de uma análise do fenômeno das fake News através de uma pesquisa explicativa, com levantamento bibliográfico, com o intuito de estudar o fenômeno das Fake News, analisar como o Brasil tem lidado com a questão das Fake News, elencar as iniciativas a nível mundial e brasileiras acerca do tema e ainda traçar uma breve análise de como se dá o processo judicial das notícias falsas.
Este estudo fora elaborado tendo em vista o crescente e alarmante aumento das notícias falsas, e também em razão da sua grande influência no processo eleitoral.
O presente artigo aborda iniciativas jurídicas mundiais e brasileiras, além de fazer um alerta sobre este fenômeno tão recorrente e por vezes ignorado, trazendo ainda medidas para se identificar as noticias falsas e o modo como estas são tratadas no âmbito processual.
1. FAKE NEWS
As falsas notícias rondam o jornalismo há bastante tempo, em certos períodos esteve mais esquecida, em outros nem tanto, mas fato é que sempre estiveram presentes. No decorrer da história podemos destacar inúmeros casos de notícias falsas, em que sua criação e divulgação muitas vezes se dava mediante pagamentos fraudulentos para favorecer certa pessoa, partido e/ou empresa, portanto conclui-se que as chamadas Fake News não são algo novo, pelo contrário, é algo que sempre existiu, desde os primórdios do Jornalismo.
No fórum Internet e Eleições que aconteceu em dezembro de 2017 o ministro Gilmar Mendes disse o seguinte sobre as falsas notícias.
Hoje temos uma realidade de uso da internet como arma de manipulação do processo político. Essa é a realidade que teremos que lidar no ano que vem. No entanto, é preciso ficar claro que esse processo não é novo. Isso sempre existiu. Na história da Roma antiga, houve experiências de fake news. No século XX, os nazistas levaram a fake news a um padrão industrial. No Brasil, também tivemos diversas experiências históricas de manipulação e desinformação[...].
O que ocorre é que o crescimento sem precedentes da internet, mídias sociais e atualização dos meios de comunicação, tem feito com que as notícias cheguem muito rápido aos leitores e/ou ouvintes, e essas notícias são ainda mais rápido divulgadas, o que facilita de forma demasiada o crescimento de boatos que não se coadunam com a verdade.
A grande discussão das Fake News se dá pelo fato de que quase dois terços dos países da América Latina passarão por eleições presidenciais, e a grande questão é exatamente entender como as redes sociais e a mídia influenciará na maior manifestação da democracia, que é o voto. São questões que assombram políticos, mídia e população em geral. Qual é o grau de influência dos eleitores frente as notícias veiculadas? A população saberá filtrar uma notícia falsa do que realmente é verdade?
1.1. Conceito
De acordo com o dicionário de Cambridge a expressão fake News indica histórias falsas que, ao manterem a aparência de notícias jornalísticas, são disseminadas pela Internet (ou por outras mídias), sendo normalmente criadas para influenciar posições políticas, ou como piadas.
E assim como dito alhures, a propagação de notícias falsas é muito antiga, mesmo que tenha crescido exponencialmente e ganhado importância com o advindo da internet, fato é, que essas notícias falsas sempre existiram.
Para conceituar e definir fake News seria necessário uma análise de sua origem, de quem as cria, o que acarretaria num estudo multidisciplinar, principalmente sob os olhares da psicologia, pois deveria se analisar quais fatores leva uma pessoa a criar e disseminar notícias falsas, mas, este não é o intuito do presente trabalho.
No entanto, para o presente estudo, é de crucial importância que estudemos os chamados “ciborgues de mídias sociais” que são aqueles indivíduos que criam diversos perfis em redes sociais e a partir daí passam a criar e disseminar opiniões sobre diversos temas, geralmente falsos, neste estudo, especificamente, sob o olhar eleitoral.
1.2. O Problema das Fake News
A grande preocupação em relação as fake News se dá pelo fato de que está comprovado que sua criação e propagação têm uma grande influência no resultado de um processo eleitoral, o que atingiria em cheio o Estado Democrático de Direito na sua essência mais pura, conforme parágrafo único do artigo 1º, da CRFB.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Por esse motivo, tamanha é a preocupação em relação ao pleito eleitoral e diversas instituições da República vêm criando mecanismos de estudo e defesa para que não haja a indevida influência na seleção dos representantes do povo, pois este, é o maior símbolo da democracia brasileira, e se este for corrompido, todo o resto será.
E de fato, este perigo é real e já o estamos vivenciando, portanto, deve haver uma movimentação da sociedade em geral, através do Estado, para que a propagação de notícias falsas seja coibida.
É de extrema importância salientar que o problema das fake News não é algo novo, sendo que nas eleições de 2014 um empresário do Espírito Santo foi indiciado pela Polícia Federal em razão do compartilhamento de notícia falsa quando este compartilhou falsa pesquisa eleitoral, sendo que este utilizou-se de meios bastante engenhosos onde a enquete encontrava-se em endereço eletrônico bem parecido com jornal local de elevada credibilidade e que divulgava frequentemente pesquisas reais e registradas junto ao TSE.
Neste caso, o citado empresário foi indiciado pela prática dos crimes do artigo 33, §4º, da Lei 9.504/1997 (trata da divulgação de pesquisa fraudulenta) e artigo 297do Código Eleitoral (impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio).
Sendo que demonstrado que o problema das fake News é concreto e iminente, imprescindível se faz demonstrarmos os meios e parâmetros que são utilizados para reconhecimento das mesmas, pois quando se fala neste assunto, esbarra-se na Liberdade de Imprensa e de Opinião, que já estão consagradas na Constituição Federal.
Segundo a Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (International Federation of Library Associations and Institutions – IFLA) para se identificar uma notícia falsa deve seguir os seguintes passos: a) considerar a fonte – geralmente notícias falsas não são propositalmente veiculadas por grandes e conhecidos portais de mídia; b) ler mais – outras histórias da fonte são igualmente falsas; c) investigar fontes de apoio – se a notícia encontra-se apenas em uma fonte; d) se há indicação de autor e se este é desconhecido; e) analisar a manchete – se esta está em desacordo com o conteúdo do texto, se a mesma demonstra uma opinião e não uma realidade.
A associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo divulgou em janeiro de 2017 um estudo que foi realizado com o intuito de mapear os maiores sítios de divulgação de fake News, neste estudo, a associação listou algumas características que são comuns nos sites propagadores de notícias falsas, são elas: a) domínios .com ou .org, isto é, sem o .br no final, sendo que esta condição dificulta a identificação de seus responsáveis; b) não possuem nenhuma informação que identifique seus administradores, jornalistas e etc.; c) as “notícias” raramente são assinadas; d) as mesmas são cheias de opiniões e discursos de ódio; e) novas “notícias” a cada poucos minutos ou poucas horas; f) os nomes são bem parecidos com outros sites ou blogs já conhecidos; g) seus layouts geralmente são poluídos e confusos, o que fazem com os mesmos se assemelhem a sites já conhecidos de notícias, o que acaba por conferir credibilidade entre os usuários mais leigos; h) Há muita propaganda, ou seja, a cada nova visualização o dono do site recebe sua remuneração.
Portanto, já se sabe que o problema é latente e bate a nossa porta, e já se sabe também como identifica-las, resta agora identificar quais são as medidas em nível Mundial e Brasileiro em relação as Fake News.
2. INICIATIVAS JURÍDICAS
Observa-se que nos últimos tempos diversos países têm adotado iniciativas no sentido de atacar as falsas notícias, mas, parece, que no mesmo ritmo cresce também artigos que promovem a desinformação, deixando claro que não só o Brasil tem lidado e se preocupado com a questão.
Essas iniciativas por muitas vezes nem se tratam de uma legislação em si, mas somente da criação de grupos especializados ou a tomada de determinadas medidas.
O que se observa é que os países têm tentado ao máximo adequar suas leis já existentes ao combate das falsas notícias (como é o caso do Brasil), sendo que somente quando não se encontra medida passível de analogia, se cria medidas específicas para este fim.
2.1. Iniciativas a nível Mundial
A união Europeia tem sinalizado no sentido de regulamentar e combater o problema, sendo que esta monitora as notícias falsas e as retira de circulação o mais breve possível, sempre se atentando a liberdade e aos direitos fundamentais.
Neste sentido, temos o Roadmap (Mapa de caminhos) para combate a fake News e desinformação online, datado de 09/11/2017. A União Europeia parte da premissa de que faz parte do âmago da democracia o acesso à informação de qualidade e confiável.
O Roadmap europeu evidenciou o impacto das fake news nas eleições americanas de 2016, no BREXIT e também em outras campanhas eleitorais da Comunidade Europeia.
Segundo tal documento, não existe como combater conteúdo que de início, não é ilegal.
Um dos exemplos mais práticos dessa situação são as campanhas contra vacinação que ganham força de tempos em tempos e têm resultado no retorno de doenças já consideradas acabadas, como não há ilegalidade, não há como punir.
Por outro lado, em relação ao pleito eleitoral, a preocupação é maior, pois algo que afete a confiança dos cidadãos do processo eleitoral, atinge em cheio a democracia e a confiança no sistema democrático.
Em relação as iniciativas mundiais, é digno de nota também o Ato para cumprimento da Lei nas Redes Sociais, na Alemanha, que entrou em vigor em outubro de 2017. De acordo com esta lei, os provedores e administradores das redes sociais devem retirar ou bloquear, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conteúdo manifestamente ilegal ou falso, sendo que este prazo é contado a partir da reclamação ou determinação judicial.
Outra importante iniciativa mundial é a que entrou em vigor em 20 de julho de 2017 nas Filipinas, que é específica no combate a disseminação de notícias falsas, pois proíbe sua criação e distribuição. Esta norma definiu o que deve ser considerada como notícia falsa e como dito alhures, proíbe sua criação, distribuição e circulação, fixando penas, tanto pecuniárias quanto restritivas de liberdade em caso de violação a legislação.
E em atenção a essas tendências mundiais, temos os provedores de redes sociais, que têm enviado esforços para mudar seus algoritmos de exibição de postagens, como por exemplo, o Facebook, que no início deste ano anunciou que passaria a priorizar conteúdos que tivessem cunho pessoal, como os postados por família e amigos. Essa decisão pode representar uma diminuição na disseminação de notícias e consequentemente, naquelas de caráter falso.
Ocorre que, a iniciativa não tem sido vista com bons olhos, principalmente diante das recentes estatísticas, de que em janeiro de 2018 as páginas de notícias falsas tiveram cinco vezes mais usuários que as de jornalismo.
2.2. Iniciativas Jurídicas Brasileiras
Historicamente, a primeira iniciativa jurídica brasileira para combate a veiculação e disseminação de notícias falsas ocorreu em 09/02/1967, através da Lei de Imprensa, a qual foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal como não recepcionada pela Constituição de 1988, conforme ADPF 130-7/DF.
O artigo 16 da referida lei preconizava e criminalizava a seguinte conduta:
Publicar ou divulgar notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem:
I – Perturbação da ordem pública ou alarma social;
II – Desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica;
III – Prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município;
IV – Sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro.
Pena: De 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção, quando se tratar do autor do escrito ou transmissão incriminada, e multa de 5 (cinco) a 10 (dez) salários-mínimos da região.
E muito tempo depois, têm-se o Marco Civil da Internet, que vem com a edição da Lei nº 12.965/14, que em seu texto estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para uso da internet no Brasil.
Já no aspecto eleitoral, merecem destaque a Lei 13.165/2015 e em 2017 as Leis 13.487/2017 e 13.488/2017 que modificou a Lei nº 9.504/97.
A lei de 2015 excluiu da definição de propaganda eleitoral a menção à candidatura de determinada pessoa, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, homenageando a livre manifestação de pensamento e a liberdade de expressão.
Já em 2017, a Lei modificou o artigo 57-B da Legislação Eleitoral e estipulou que a propaganda eleitoral pode ser feita por meio da internet em geral e cujo conteúdo deve ser editado por candidatos, partidos, coligações ou qualquer pessoa natural (sendo que é vedada a contratação de qualquer tipo de impulsionamento).
Deve-se ainda trazer à tona a louvável iniciativa da minirreforma de 2013, que tornou crime a contratação de grupo de pessoas com a finalidade de emitir comentários ou mensagens na internet com o intuito de ofender ou denegrir a honra ou imagem de candidato, partido ou coligação (§1º, art. 57 H, da Lei Eleitoral).
Ocorre que, infelizmente, esta norma até hoje não englobou a hipótese desse grupo de pessoas ser contratado para propagar fake News, sendo que pode ser que o TSE venha a disciplinar a questão fora do contexto criminal, tendo em vista o princípio da reserva legal.
Já saindo do âmbito do Legislativo, uma das medidas adotadas pelo TSE – a mais importante de todas, diga-se de passagem - gerando inclusive expectativa de uma futura regulamentação brasileira, foi a criação do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições (Portaria TSE nº 949, de 07/12/2017) que têm como atribuição principal desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da Internet nas eleições, em especial o risco das fake news e o uso de robôs na disseminação das informações, podendo propor ações e metas voltadas ao aperfeiçoamento das normas.
Por fim, têm-se também a criação, pela Polícia Federal, do Grupo de Trabalho para auxiliar órgãos que combaterem a disseminação de fake News.
De maneira geral, essas são as iniciativas brasileiras tomadas até o momento, iniciativas que sem dúvida contribuirão para redução do impacto das notícias falsas no processo eleitoral e dará subsídios ao Poder Legislativo, de maneira que esse possa avaliar a necessidade de criar mecanismos legais para tornar ainda mais eficaz esse combate a desinformação.
3. A SUPOSTA DISCREPÂNCIA DE PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
Sem sombra de dúvidas o maior problema na criação e disseminação de notícias falsas é o choque de princípios Constitucionais.
No entanto, a hermenêutica constitucional dispõe de ferramentas que conseguem solucionar os casos concretos e assim consegue-se chegar à conclusão que o choque de princípios é apenas aparente.
Apesar das normas constitucionais gozarem de igual valor (teoricamente), alguns princípios recebem um tratamento “privilegiado” em relação aos demais, como bem preleciona André Ramos Tavares.
A estes princípios podemos chamar de Princípios Sensíveis, e entre eles, está o Princípio Democrático, que foi mui bem definido pelo Ministro Alexandre de Moraes em sua obra, Tratado de Direito Constitucional (2012, p. 903.)
O princípio democrático – consagrado no artigo 1º de nossa atual Constituição Republicana – exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, a fim de garantir o respeito à soberania popular. Essa participação se dará, em regra, pela via representativa, ou seja, pelo Congresso Nacional.
O princípio democrático serve como fundamento de validade de todas as normas da Constituição e do ordenamento jurídico, especialmente quando trata de que “todo o poder emana do povo” (art. 1º, parágrafo único, CRFB).
E nesse sentindo, em relação ao presente estudo, é importante destacar às garantias asseguradas à liberdade de manifestação do pensamento, à liberdade de comunicação, à liberdade de informação. E por último, mas não menos importante, acrescente-se a este rol de garantias, a norma constitucional que proíbe qualquer restrição a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação.
Sendo que nenhuma lei pode, ou poderá embaraçar a plena liberdade de informação jornalística, seja qual for o veículo de comunicação social, sendo vedada, qualquer tipo de censura, seja ela de natureza política, ideológica ou artística. (Art. 220, caput, §1º e 2º, CRFB).
E como os direitos e garantias não são absolutos, todo o ordenamento jurídico brasileiro, combinado com os instrumentos processuais, deverão solucionar os abusos praticados no âmbito da liberdade de imprensa e manifestação de pensamento.
Sendo assim, conforme o Mestre Luís Roberto Barroso (2010, p.427) ensina “caberá ao intérprete proceder à ponderação desses interesses, à vista dos elementos normativos e fáticos relevantes para o caso concreto”.
Sendo que este intérprete deverá valer-se inclusive do princípio da proporcionalidade para ponderar os valores constitucionais contrapostos, quando houver também colisão entre direitos fundamentais.
No tema, a relevantíssima doutrina de Barroso (2010, p. 353 e 354).
A existência de colisões de normas constitucionais leva à necessidade de ponderação. A subsunção, por óbvio, não é capaz de resolver o problema, por não ser possível enquadrar o mesmo fato em normas antagônicas. Tampouco podem ser úteis os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos - hierárquico, cronológico e da especialização - quando a colisão se dá entre disposições da Constituição originária. Esses são os casos difíceis, assim chamados por comportarem, em tese, mais de uma solução possível e razoável. Nesse cenário, a ponderação de normas, bens ou valores (v. infra) é a técnica a ser utilizada pelo intérprete, por via da qual ele (i) fará concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite, (ii) procederá à escolha do bem ou direito que irá prevalecer em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é o princípio instrumental da razoabilidade.
No mesmo sentido, André Ramos Tavares (2012, p.408) afirma que é possível que haja conflitos entre princípios, vejamos:
Admite-se a existência, na Constituição, de princípios colidentes, sem que isso comprometa a coerência ou supremacia da Constituição. Ou seja, é amplamente aceito pela teoria que, em face de determinado caso concreto, mais de um princípio seja, em tese, aplicável, e que os princípios implicados sejam, eventualmente, contrários, quer dizer, que possam conduzir a soluções diversas, dependendo de qual seja aplicado. Essa situação é resolvida por meio da aplicação do denominado critério da proporcionalidade com a cedência daquele princípio que não deve reger o caso concreto.
Sendo assim, ainda que tais opiniões estejam, em princípio, protegidas pela liberdade de pensamento, de informação e de comunicação, estas cedem, em razão de um interesse maior, no caso das eleições, este interesse é a democracia.
4. REMÉDIOS PROCESSUAIS APLICÁVEIS
No ordenamento jurídico brasileiro existem dois grupos de instrumentos processuais que estão disponíveis para combater as fake News, sendo um encontrado na norma geral, que é o Código de Processo Civil e outro na norma especial, que é a Legislação Eleitoral.
Sendo que em se tratando de fake News, temos que ter em mente que o tempo é o primeiro elemento crucial num processo.
Em segundo lugar, tem-se que analisar a eficácia das medidas processuais a serem aplicadas, pois quando se trata de disseminação de notícias falsas, tem-se as medidas de urgência a fim de frear essa disseminação, portanto, as medidas devem ser extremamente eficazes.
E por último temos as medidas de identificação do agente (desafio para casos de fake News) para posterior estabilização da demanda judicial, instrução e responsabilização cível e criminal quando for o caso.
No que se refere ao quesito tempo, o código de processo civil, em seu artigo 300 e seguintes, estabelece as hipóteses e requisitos da tutela de urgência.
O Marco Civil da internet também ratificou a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela em seu §4º, artigo 19:
O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3o, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Importante salientar que o legislador foi muito eficiente ao determinar a possibilidade de ser considerado o interesse da coletividade na disponibilização de determinado conteúdo na internet.
Por essa razão, embora o Marco Civil da Internet, não tenha tratado expressamente sobre a criação e disseminação de fake News, a referida norma, oferece, pelo menos por enquanto, de maneira suficiente, subsídios e suporte legal para combate desta prática.
E como ainda não temos diretrizes especificas para este fim, necessitamos valermo-nos da analogia para suprir as lacunas da lei.
Ainda em relação ao fator tempo, o artigo 33, §3º, da Resolução 23.551 do TSE, estipulou o prazo não inferior a 24 horas para que a remoção de determinado conteúdo seja realizada, sendo que este prazo pode ainda ser reduzido, em razão do fenômeno da viralização, se estiverem presentes as devidas justificações.
E além disso, tem-se que analisar que não é somente fixar um prazo, pois de nada adianta expedir uma ordem judicial para reprimir uma notícia falsa se o meio de veiculação de tal notícia não estiver disposto a cumprir tal medida.
Superada a questão tempo e a eficácia das medidas de urgência que são tomadas, passamos a identificação do agente, o Marco Civil da Internet previu em seu artigo 10, §1º que o provedor responsável pela guarda de dados pessoais deverá disponibilizá-los mediante ordem judicial; e, em seu artigo 22, disciplinou a requisição judicial de dados. A Resolução n. º 23.551 do TSE, por sua vez, repetiu as normas em sua totalidade, no artigo 35.
A partir do momento que o provedor da rede social verifica que a conta responsável pelo ilícito não esteja claramente vinculada a um indivíduo, este deve desativá-la, de modo que não somente impeça a reiteração da conduta, mas também dê cumprimento à vedação ao anonimato, prevista na Constituição em seu artigo 5º, inciso IV.
E por fim, chegamos a parte da responsabilização do agente infringente, em se tratando de responsabilização de natureza patrimonial o provedor de rede social ou aplicativo qualquer só poderá ser responsabilizado se não adotar providências para tornar indisponível o conteúdo ilícito (art. 19, caput, Lei 12.965/2014). E fora esta hipótese, que é excepcional, a responsabilização pelo material é exclusivamente da pessoa que o disponibiliza.
E em relação ao presente estudo, vale ressaltar, que ao findar o processo eleitoral segundo a Resolução 23.551/TSE, no § 6º, do artigo 33as ordens judiciais de remoção de conteúdo da Internet deixarão de produzir efeitos, cabendo à parte interessada requerer a remoção do conteúdo por meio de ação judicial autônoma perante a Justiça Comum.
Sendo assim, fica claríssimo que a Justiça Eleitoral não vai se prestar a solucionar lides na esfera cível, muito menos resolver questões de cunho patrimonial, esta apenas garante e garantirá a lisura e ordem dos pleitos, cabendo ao Processo Civil e Criminal, quando for o caso, garantir os demais direitos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É fato que o Direito e a Tecnologia guardam entre si diferenças gritantes, e uma delas é a velocidade de renovação e capacidade de lidar com as inovações.
A partir desse breve estudo pôde-se concluir que o ordenamento jurídico brasileiro possui alicerces e meios para coibir a disseminação de notícias falsas.
No entanto, o ponto crítico não está na legislação, mas sim na capacidade do Poder Judiciário e de seus magistrados de dar respostas rápidas e eficazes a essas demandas, pois estes enfrentam o fenômeno da replicação de mensagens, e esta situação, com certeza, põe em prova, a capacidade dos magistrados de lidar com inúmeras demandas por tutelas de urgência que surgem.
Portanto, não há que se falar em criação de novas leis, mas sim na adequação destas, para que as ordens judiciais sejam cada vez mais eficazes.
Deve-se buscar uma parceria com os provedores de redes sociais e aplicações afins, pois como estes são os meios de propagação de notícias falsas, essa parceria deve buscar uma forma de conferir plena eficácia e celeridade as decisões judiciais.
E por fim, deve-se buscar uma união de todos os setores, sociedade, Poderes Estatais, Provedores de aplicativos e etc., pois a eleição é o momento mais importante da democracia, e para que seja preservado o princípio Democrático é necessária uma união de desígnios e força para manter a ordem e garantir a lisura de todos os pleitos.
REFERÊNCIAS
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Data da conclusão/última revisão: 1/11/2018
Déborah Chistina Pires Rocha e Murilo Sudre Miranda
Murilo Sudre Miranda: Advogado graduado em Direito pela Faculdade Anhanguera de Ciências Humanas (FACH), de Goiânia GO, em 28 de abril de 1998. Concluiu Especialização em Direito e Estado pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce, de Governador Valadares MG, em 17 de setembro de 2001. Concluiu Especialização em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Universidade do Tocantins (UNITINS), em 22 de junho de 2009. Professor de Direito Processual Civil, especialista, na Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).
Déborah Chistina Pires Rocha: Acadêmica do Curso de Direito pela Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).
Código da publicação: 4217
Como citar o texto:
ROCHA,Déborah Chistina Pires; MIRANDA,Murilo Sudre..Fake News e as Eleições na Ordem Jurídica Brasileira - Medidas que se impõem a esse fenômeno Mundial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1573. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/4217/fake-news-as-eleicoes-ordem-juridica-brasileira-medidas-se-impoem-esse-fenomeno-mundial. Acesso em 6 nov. 2018.
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