A hegemonia do mundo é a hegemonia do mar, ditava Sêneca, célebre advogado, escritor e intelectual do Império Romano.

 

Diz-se navegação a arte nauta de conduzir uma embarcação de um lugar para outro por meio de um movimento previamente planejado e ordenado. A navegação marítima é fator decisivo e importante em relação às atividades mercantis, porquanto é através da navegação que vem sendo promovido o intercâmbio de mercados e culturas entre os mais distantes e variados lugares.

O transporte de cargas por via marítima viveu ao longo da história diversas fases, passando por:

- tronco;

- troncos ajuntados e amarrados – jangadas

- evolução lenta, mas continua, até os barcos a remo

- depois os barcos à vela – grandes navegações

- séc. XVIII – máquinas a vapor – barcos e trens a vaporassim

O fato é que certo dia o homem começou a se deslocar sobre as águas por meio de artefatos construídos com este propósito. Foi criada assim uma grande variedade desses artefatos, cada um recebendo nome específico, cada nome com origem própria. Neste sentido, a piroga, e.g., era um bote escavado em um tronco.

Nesta evolução do transporte aquático é que os gregos denominaram de naus os seus navios. Depois, as naus passaram a ser conhecidas como navis, e, mais tarde, como navigium. Também se os intitulavam naulum, o que, na verdade, em português vem a significar frete marítimo. Ao final de tudo, quer seja, hodiernamente, é que esta idéia de que toda construção que se mostre apta a percorrer quaisquer águas chegou até nós com o significado de navio ou nave. Vale notar haver registro também do vocábulo nau no idioma catalão, sendo que naucus em latim significa casca de noz, enquanto que nauclerius, nessa mesma língua, significa pertencente ao patrão ou ao piloto. Também no latim o vocábulo nauculor significa navegar. Derivam destas ainda as palavras latinas naufragium (naufrágio), naufrago (naufragar) e naufragus (náufrago e naufragado). Daí se inferir que os romanos associavam as embarcações a uma forma de uma casca de noz. Nau ainda é tida por palavra que deriva do latim, significando neste caso uma antiga embarcação de forma redonda. Deste vocábulo nau derivam muitas palavras. Entre as mais conhecidas estão “naufragar” e “naufrágio”. O termo “naufragar” é formado por “nau” e por “fragar”, que é da mesma família de “frágil” (quebradiço). Então “naufragar” significa “ir a pique”, “soçobrar”. Isto porque, a embarcação se quebra e afunda. Observa-se também outras palavras mais derivadas do termo nau, como, v.g., “náusea”, que significa “enjôo de mar”, além de nauta, que é “aquele que navega”, náutica, náutico e astronauta, internauta, argonauta e tantas outras ainda derivadas desta raiz nau.

O fato é que com o avançar da arquitetura naval de desde os primórdios, um dos primeiros modelos voltado e produzido com certo aperfeiçoamento pelo homem foi o barco. Era uma embarcação robusta, de casco forte e chato, capaz de passar por águas pouco profundas e até mesmo capaz de agüentar embates em rochas. O termo barco é também considerado um nome genérico que abrange vários tipos de embarcações. Este nome barco deriva do vocábulo latino barca e do vocábulo grego bâris, que significa exatamente embarcação.

Bote, por sua vez, palavra derivada do iInglês boat, do vocábulo germânico bait, significa barco, que, por sua vez, deriva possivelmente do Indo-Europeu vocábulo bheid – “rachar, partir”, com base na exata noção de se ter que partir longitudinalmente um tronco de árvore para se fazer uma canoa.

Há cerca de 6.000 anos os egípcios trafegavam em barcos feitos de papiro, possuindo eles uma vela latina. Entre 700 e 300 anos AC já se empregavam criteriosos métodos de construção de embarcações segundo a história. Os dracares, embarcações compridas movidas a remos e ocasionalmente por uma vela redonda, tinha como figura de proa uma cabeça de dragão, e, na popa, um apêndice como se fora o rabo dele. Eram os barcos vikings. As embarcações venezianas da Idade Média, por seu tempo, tinham como dimensões cerca de 45,6 m de comprimento, 3,7 m de boca, e cerca de 2,10 m de calado. Com essas medidas se estima que o DeadWeight (Porte Bruto) delas teria sido de cerca de 300 toneladas métricas. A caravela, por sua vez, foi uma embarcação usada e inventada pelos portugueses e também utilizada pelos espanhóis durante a era dos descobrimentos, nos séculos XV e XVI. A caravela foi trazida ou mundo náutico e aperfeiçoada durante os séculos XV e XVI. Tinha em geral cerca de 30 metros de comprimento. Era uma embarcação rápida, de fácil manobra, e, em caso de necessidade, podia ser movida a remos. Embarcação de pequeno porte, de três mastros, um único convés e ponte sobrelevada na popa, deslocava 50 toneladas. As velas latinas (triangulares) que empregavam permitiam-lhes ziguezaguear contra o vento e, conseguintemente, explorar zonas cujo regime de ventos era adverso. Estas velas eram duas vezes maiores do que as das naus, o que as faziam mais rápidas. Em 1765 foi lançado o navio capitânea do famoso vice-almirante inglês Horace Nelson. Em 1820 a Inglaterra lançou ao mar o primeiro navio de ferro. Em 1783 foi lançado o primeiro navio movido a vapor. A era dos Clíperes, veleiros velozes, teve início em 1816. Em 1819 o Savannah, contando com rodas de pás, cruzou da Inglaterra para os Estados Unidos. Em 1845 deu-se a substituição da roda propulsora por hélices. O Cutty Sark foi um clíper lançado em 1869 e que se mantém conservado até hoje em Greenwich. Em 1870 generalizou-se o uso do aço em navios. Em 1890 foi lançado o primeiro quebra-gelo. Em 1897 foi apresentado ao mundo o primeiro navio a turbina. Em 1911 entrou em serviço o primeiro navio a diesel inventado pelo engenheiro alemão Rudolf Diesel

Para definir navio a doutrina há muito se esforça, porém, sem alcançar consenso entre os doutrinadores. Daí, portanto, em cada país e em cada diploma legal vir o termo navio definido segundo as necessidades de cada ordem jurídica em particular. O certo, pode-se dizer, é, isto sim, que todo navio vem a ser uma embarcação, mas nem toda a embarcação pode ser tida como navio. Daí se inferir que embarcação é gênero do qual navio é espécie.

Embarcação, pois, em sua expressão genérica é, assim, um conjunto de elementos unidos que formam um todo orgânico capaz de se locomover, ou, em outras palavras, uma res conexa, segundo renomados comercialistas.

Desta forma, o termo embarcação abrange genericamente toda construção suscetível de se locomover na água, quaisquer que sejam suas características. Já o termo embarcação mercante abrange as embarcações destinadas ao comércio marítimo de cargas, fluvial ou lacustre, e ao transporte de carga e/ou de passageiros.

O Regulamento para Tráfego Marítimo, Dec. Nº 87.648, de 24.09.82, em seu artigo 10 definia embarcação como toda construção suscetível de se locomover na água, quaisquer que fossem suas características.

O artigo 2°, inciso V, da Lei nº 9.537, de 11 de Dezembro de 1997, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, prediz que embarcação é qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeitas a inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas.

Para a Lei n° 8.374/91 embarcações são os veículos destinados ao tráfego marítimo, fluvial ou lacustre, dotados ou não de propulsão própria.

Já segundo a Lei nº 9966/00, seu artigo 2° estabelece que navio é a embarcação de qualquer tipo que opere no ambiente aquático, inclusive hidrofólios, veículos de colchão de ar, submersíveis e outros engenhos flutuantes.

A Convenção Internacional sobre responsabilidade civil para os danos de poluição por óleo decorrentes de transportes marítimos, Bruxelas 1969, define navio como qualquer tipo de transporte marítimo ou qualquer artefato construído para este fim, de qualquer tipo, transportando, efetivamente como carga óleo em massa.

Como se vê, portanto, em cada latitude o termo “navio” é, reitera-se, definido tendo em vista as necessidades da ordem jurídica local.

Mas para o comércio marítimo brasileiro, disciplinado como o quer o conjunto de normas contidas no Livro II do Código Comercial Brasileiro de 1850, definir o que seja navio é crucial, guardando, pois, suma importância. Por esta razão, ainda que a construção conceitual não se exima talvez de imperfeições jurídicas que se lhes possa atribuir quem sobre a questão se debruce, cabe que se rebusque aquela que melhor atenda a critério de generalidade.

Neste rumo e para o propósito objeto deste escrito, cabe antes do mais transcrever alguns artigos do Capítulo VI, “DOS CONDUTORES DE GÊNEROS E COMISSÁRIOS DE TRANSPORTES”, do Código Comercial de 1850, que estabeleciam:

Art. 99 – Os barqueiros, tropeiros e quaisquer outros condutores de gêneros, ou comissários, que do seu transporte se encarregarem mediante uma comissão, frete ou aluguel …

Art. 118 – As disposições deste Capítulo são aplicáveis aos donos, administradores e arrais de barcas, lanchas, saveiros, faluas (embarcação de boca aberta usada para transportar mercadorias e pessoal em portos, rios), canoas e outros quaisquer barcos de semelhante natureza empregados no transporte dos gêneros comerciais.

Ali já se podia identificar a diferença entre navio e embarcações do tipo barca, lancha, saveiro e falua, canoa e outro artefato qualquer de semelhante natureza.

Destarte, navio, pois, agasalhada a conceituação atribuída ao insigne jurista Hugo Simas, é toda construção que, destinada a correr sobre a água, é utilizada na indústria do transporte. Nesta conceituação o navio é na navegação um bem instrumental com destinação econômica.

Em abordagem própria, diz o articulista autor que, se memorarmos que no mar se apresentam perigos únicos, particulares, exigindo por isso mesmo um veículo específico, além ainda de se poder afirmar que o Código Comercial brasileiro quase sempre menciona a palavra MAR ao se referir a navio, pode-se a partir daí, portanto, o definir como toda embarcação construída ou adaptada à finalidade do transporte de coisas ou pessoas pelo MAR, em navegação de longo curso, grande ou pequena cabotagem, sem que perca esta caracterização caso seja trazido a trafegar em via aquática diversa, empregado em finalidade qualquer.

Desta forma resta explicitada a natureza móvel que se atribui às embarcações. Daí, portanto, se poder inferir que, em condições normais, são dois os elementos essenciais e exclusivos da embarcação, a saber:

- a coisa composta, isto é, um todo compreendendo várias partes e diversos acessórios; e,

- a natureza móvel, embora sujeita às regras jurídicas dos bens imóveis por expressa determinação legal.

Vale ainda ressair que, assim como o moribundo não deixa de ser homem enquanto houver chances clínicas de se o restabelecer, também a embarcação encalhada ou naufragada não deixará de ser considerada como tal enquanto o proprietário estiver envidando esforços para salvá-la, e, assim, ao depois, continuar a explorá-la, haja vista que, e.g., nada impede que uma embarcação soçobrada possa vir a reflutuar. Uma embarcação, portanto, não deixa de ser considerada como tal porque se encontra encalhada numa praia, ou perde o leme, ou, ainda, porque se encontra repousando no fundo aguardando ser reflutuada por meios próprios ou não.

O navio, por fim, pode-se dizer, vem ainda, diga-se, individualizado pelo seu nome, vedado o uso de nomes iguais. Não é o fato de o navio pertencer a órgão do governo que o torna navio público, pois só terá esta qualidade se ele está a prestar serviço ao Estado cuja bandeira arvora.

 

Data de elaboração: janeiro/2012

 

Como citar o texto:

SANTOS, Herez.Navio, uma breve postila. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1001. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-maritimo/2541/navio-breve-postila. Acesso em 30 jul. 2012.

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