A justa causa fundamentada para a persecução
A Lei 13.869/2019, atual texto normativo que trata dos crimes de abuso de autoridade, vem suscitando numerosas polêmicas já desde o processo legislativo que a precedeu.
De fato, não faltam análises e opiniões que consideram o diploma legal o resultado de uma reação da classe política, em tom revanchista e de represália, contra membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e das Polícias, engendrada após os sucessivos capítulos da famosa “Operação Lava Jato” que desvendaram intrincados esquemas ilícitos e alcançaram diversos agentes públicos e políticos situados nos mais altos escalões do Estado Brasileiro.[1]
Sob a perspectiva estritamente jurídico-dogmática, outrossim, não são poucas as dificuldades interpretativas e aplicativas e as perplexidades que os tipos penais previstos na lei ensejam aos operadores do Direito.
O presente artigo se ocupa especificamente da justa causa fundamentada, elemento normativo do tipo penal do art. 30 da nova Lei de Abuso de Autoridade (LAA), e busca elucidar o seu sentido, de modo a nortear a interpretação e a aplicação do dispositivo e fornecer balizas e cuidados no que tange à atividade persecutória - com algum destaque à desempenhada pelo Ministério Público.
Conforme os arts. 1º, caput, e 2º, caput, da LAA, este diploma legal se ocupa dos crimes de abuso de autoridade cometidos por agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído. O texto normativo cuida, portanto, de uma categoria de delitos especiais próprios, isto é, que exigem do sujeito ativo, como elemento da configuração típica, uma qualidade pessoal específica, aqui justamente a de agente público.[2]
Ademais, cumpre referir que todos os crimes da LAA são exclusivamente dolosos e demandam um elemento subjetivo especial – chamado de dolo específico pela doutrina mais antiga –, traduzido na finalidade específica do agente público de prejudicar outrem ou beneficiar ele mesmo ou terceiro, ou, ainda, no seu móvel de mero capricho ou satisfação pessoal, ex vi do art. 1º, § 1º.
O art. 30 da LAA define como penalmente relevantes as condutas de dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente.
Quanto aos bens jurídicos tutelados e aos sujeitos passivos, trata-se de delitos pluriofensivos e de dupla subjetividade passiva.[3] Isso porque o tipo penal incriminador busca proteger simultaneamente a regularidade e a lisura da atuação persecutória da Administração Pública (em sentido lato, incluindo a Administração da Justiça), bem jurídico supraindividual de caráter institucional, do qual é titular o Estado, e a honra, a imagem, a liberdade e/ou o patrimônio da pessoa natural ou jurídica indevidamente submetida à persecução penal, civil ou administrativa, bens jurídicos individuais de titularidade da(s) vítima(s) concreta(s).[4]
Começando pelos núcleos do Tatbestand, dar início significa causar, deflagrar, determinar ou provocar a instauração de persecução penal, civil ou administrativa, ao passo que proceder a alguma delas significa realizá-la, promovê-la, conduzi-la ou dirigi-la. O tipo penal em questão é classificável, destarte, como comissivo e de ação múltipla ou de conteúdo variado.[5] No primeiro caso, a ação pode ser praticada por qualquer agente público – por exemplo, comunicando a ocorrência de um suposto ilícito à autoridade incumbida do dever de promover a sua apuração –, ao passo que, no segundo caso, a ação só pode ser perpetrada pela autoridade dotada de atribuição ou competência para a apuração do suposto ilícito – caracterizando-se, por conseguinte, também como um crime de mão própria. Outrossim, no primeiro caso é admissível a tentativa – por exemplo, na hipótese em que a autoridade destinatária da comunicação da ocorrência do suposto ilícito não procede à persecução, indeferindo a sua instauração –, enquanto no segundo caso ela nos parece incabível – ou a autoridade pratica o primeiro ato da persecução penal, civil ou administrativa, e assim procede a ela, já consumando a infração penal, ou não o faz.
Objeto das ações, no plano estrutural do tipo, é a persecução penal, civil ou administrativa. Por persecução se deve entender o conjunto de atividades estatais normativamente disciplinadas e orientadas à responsabilização de alguém em razão do cometimento, em tese, de um ilícito sancionável, que, in casu, pode ostentar natureza penal, civil ou administrativa.[6] Esse conjunto de atividades estatais costuma se desdobrar em duas grandes etapas ou fases principais: a investigação, geralmente dotada de caráter inquisitório, com limitadas oportunidades de participação do investigado e voltada a angariar elementos mínimos indicativos da ocorrência de uma conduta supostamente ilícita e da sua provável autoria, e o processo, dotado de caráter inafastavelmente contraditório e de amplas oportunidades de participação e defesa do imputado (lato sensu, compreendido como aquele a quem se atribui a prática do ilícito) e voltado ao efetivo acertamento da prática da conduta ilícita e da sua autoria. A persecução penal comumente se instrumentaliza pelo inquérito policial, pelo termo circunstanciado de ocorrência, pelo procedimento investigatório criminal do Ministério Público e pela ação penal condenatória. A persecução civil usualmente se dá por intermédio do inquérito civil, da ação civil pública e da ação de responsabilização por ato de improbidade administrativa. Finalmente, a persecução administrativa se desenvolve na forma de sindicâncias ou expedientes investigatórios preliminares assemelhados e de processos administrativos sancionadores, incluídos os de cunho disciplinar.
A expressão sem justa causa fundamentada consiste em um elemento normativo do tipo de valoração jurídica[7], devendo ser entendida, em linhas gerais, como a falta de base fática e jurídica válida, suficiente e racionalmente demonstrada para a instauração ou o avanço da persecução penal, civil ou administrativa.
Em princípio, é possível cogitar do dolo eventual no cometimento da conduta, que se caracterizaria na hipótese em que o sujeito ativo, na dúvida sobre a existência da justa causa fundamentada, porém imbuído da finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar ele mesmo ou terceiro, ou, ainda, do móvel de mero capricho ou satisfação pessoal, mesmo assim desse início ou procedesse à persecução penal, civil ou administrativa.
Por outro lado, não se deve ignorar a grande margem que se abre para a incidência do erro de tipo, a excluir o dolo e, em consequência, a própria tipicidade do fato – nos moldes do art. 20, caput, do Código Penal, visto que não se prevê a forma culposa do delito –, mormente em vista da disposição do art. 1º, § 2º, da LAA, de acordo com o qual a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.
Já a expressão contra quem sabe inocente aponta que a prática da conduta, nesse caso, somente admite o dolo direto.
Feita essa perfunctória apresentação da estrutura típica do art. 30 da LAA e da sua correlação com as disposições dos arts. 1º e 2º do diploma, é oportuno passar, na sequência, a uma indagação mais aprofundada sobre o sentido da enigmática justa causa fundamentada.
Como adiantamos, a expressão sem justa causa fundamentada, presente no tipo penal do art. 30 da LAA, consiste em um elemento normativo de valoração jurídica e deve ser entendida, em linhas gerais, como a falta de base fática e jurídica válida, suficiente e racionalmente demonstrada para a instauração ou o avanço da persecução penal, civil ou administrativa. Logo, a justa causa fundamentada se revela justamente como tal base fática e jurídica válida, suficiente e racionalmente demonstrada para a deflagração ou o prosseguimento da persecução.
Se na perspectiva abstrata a questão parece simples, para fins práticos há que se melhor delimitar o sentido da expressão, de modo a fornecer um norte mais seguro aos operadores jurídicos que cotidianamente desempenham as atividades persecutórias penal, civil e administrativa.
O termo justa causa, isoladamente considerado, é encontrável em diversos ramos do Direito e guarda em cada qual uma acepção peculiar: por exemplo, justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, no Direito do Trabalho (art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho); justa causa para a exclusão de associado, no Direito Civil (art. 57 do Código Civil); justa causa para a divulgação de segredos ou conteúdos sigilosos, no Direito Penal (arts. 153 e 154 do Código Penal, contrario sensu); justa causa para a falta da prática de um ato processual, que afasta a preclusão, no Direito Processual Civil (art. 223 do Código de Processo Civil); e justa causa para o exercício da ação penal, no Direito Processual Penal (art. 395, inc. III, do Código de Processo Penal). No entanto, invariavelmente ele reflete o significado de causa legítima ou secundum jus, de razão jurídica bastante para impor ou autorizar uma conduta a um sujeito.
Nesse contexto, e em um primeiro olhar, a acepção de justa causa mais próxima da ideia de justa causa fundamentada para a persecução penal, civil ou administrativa referida no art. 30 da LAA que se teria no ordenamento jurídico pátrio pareceria ser a acima mencionada justa causa para o exercício da ação penal, cuja ausência enseja a rejeição da denúncia ou da queixa oferecida, ex vi do art. 395, inc. III, do CPP. Ocorre que, como veremos a seguir, embora seja inegável a proximidade entre elas, ambas não se confundem.
A conceituação da justa causa para a ação penal está longe de ser unânime. Na doutrina e na jurisprudência se podem colher duas tendências principais, uma restritiva e outra mais abrangente. A primeira equipara a justa causa ao lastro probatório mínimo relativo à materialidade e à autoria da infração necessário para o ajuizamento da ação penal, geralmente a inserindo no interesse de agir ou mesmo a identificando totalmente com ele. A última, interpretando contrario sensu o art. 648 do CPP, considera-a o suporte fático e jurídico necessário para tornar lícita a coação representada pelo processo penal condenatório, envolvendo a presença daquele conjunto indiciário, dos pressupostos processuais, das condições da ação, da tipicidade, da ilicitude e da culpabilidade aparentes e da punibilidade concreta.[8]
É possível constatar que a ideia de justa causa para a ação penal, embora mutatis mutandis adaptável às fases processuais das persecuções civil e administrativa, não se aplicaria às fases investigatórias destas e da persecução penal. De fato, a investigação existe precisamente para coligir elementos mínimos indicativos da ocorrência de uma conduta supostamente ilícita e sancionável e da sua provável autoria. Destarte, não há como se exigir que ditos elementos já se apresentem ab initio, pois isso, além de representar um evidente contrassenso que subverteria a teleologia da previsão da fase investigatória, teria o nefasto efeito prático de inviabilizar numerosas investigações. Interpretação assim há que ser rechaçada, porque, além de atentar contra a lógica, afrontaria o postulado normativo da proporcionalidade, na vertente da proibição de proteção deficiente ou insuficiente.
Desse modo, entendemos que o sentido da justa causa fundamentada para a persecução penal, civil ou administrativa deva ser delineado a partir de outro critério que não a equiparação pura e simples com a justa causa para o exercício da ação penal, e que o critério mais adequado para tanto parece ser o do grau ou nível de profundidade da cognição próprio de cada etapa ou fase da persecução.
Na clássica lição de Kazuo Watanabe, cujo foco é o exame da cognição no Direito Processual Civil, esta consiste prevalentemente em um ato de inteligência, que se realiza na consideração, na análise e na valoração das questões de fato e de direito deduzidas pelas partes ou tomadas oficiosamente pelo juiz no curso do processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo.[9]
Em uma compreensão extensiva, e com apoio em André Osório Gondinho, pode-se conceber a cognição como uma operação mental através da qual uma autoridade estatal analisa e valora todas as questões de fato e de direito que lhe são dadas a conhecer para produzir uma decisão jurídica (lato sensu) acerca de um caso concreto submetido à sua apreciação.[10]
Desta forma, não só o juiz exercita aquele ato de inteligência ou aquela operação mental; também o fazem outras autoridades estatais. Assim, por exemplo, o delegado de polícia exerce cognição para decidir sobre a lavratura ou não de um auto de prisão em flagrante ou a instauração ou não de um inquérito policial; o membro do Ministério Público exerce cognição para formar a opinio delicti, diante dos autos de uma investigação criminal, ou para concluir pelo arquivamento ou pela propositura de ação civil pública, diante de um inquérito civil; e a autoridade administrativa exerce cognição para proferir suas decisões em uma sindicância ou um processo administrativo.
Em uma sistematização ampla, a cognição pode ser vislumbrada em dois planos distintos: o horizontal, relativo à sua extensão ou amplitude, e o vertical, concernente à sua profundidade.[11]
O plano horizontal da cognição diz respeito a quais matérias fáticas e jurídicas poderão e deverão ser consideradas, analisadas e valoradas pela autoridade estatal, falando-se aqui, então, em cognição limitada ou plena, conforme haja ou não restrição ao conhecimento daquelas matérias.[12]
Já o plano vertical da cognição diz respeito ao grau ou nível de profundidade dela que haverá de incidir sobre as matérias fáticas e jurídicas suscitadas, conforme se almeje um juízo de possibilidade ou verossimilhança, de probabilidade ou de certeza. Fala-se aqui, então, em cognição superficial, sumária ou exauriente, correspondente a cada um de tais juízos.[13]
São as peculiaridades de ditos juízos que nos levam, segundo antecipamos, a situar o grau ou nível de profundidade da cognição como critério essencial definidor do sentido da justa causa fundamentada para a persecução penal, civil ou administrativa.
Destarte, o juízo de possibilidade ou verossimilhança basta para a abertura da fase investigatória de qualquer persecução, enquanto o juízo de probabilidade é exigido na sua fase intermédia, vale dizer, de eventual transição para a fase processual, ou para a imposição de alguma medida restritiva de direitos ao imputado (em sentido lato, repita-se, entendido como aquele a quem se atribui a prática do ilícito). Finalmente, o juízo de certeza, próprio do final da fase processual da persecução, somente pode ser alcançado por meio de instrução plena e contraditória, que esgote as atividades probatórias e argumentativas possíveis, ofertando a apreensão intelectiva total das matérias fáticas e jurídicas debatidas.
Nesses moldes, a justa causa fundamentada para a instauração de uma investigação (criminal, civil ou administrativa), ou seja, a base fática e jurídica válida, suficiente e racionalmente demonstrada para ela, traduz-se em uma notícia plausível do cometimento de um ilícito (penal, civil ou administrativo) sancionável (= suscetível de acarretar a imposição de sanção), com ou sem a alusão, desde logo, a um suspeito.
Com efeito, tal notícia plausível (possível, verossímil) se mostra bastante para que a autoridade encarregada promova atos tendentes à sua apuração; diante da simples possibilidade ou verossimilhança da ocorrência do ilícito sancionável, o Estado, por intermédio de seus agentes, há que procurar elucidá-la, inicialmente a ponto de atingir grau ou nível pouco mais profundo de cognição, consistente na probabilidade legitimadora do ingresso na fase processual da persecução e/ou autorizadora da decretação de medidas de cunho restritivo em face do imputado já identificado.
Ao contrário, sendo a notícia desprovida de plausibilidade – v.g., por apresentar narrativa absurda, incompreensível ou que prima facie evidencie não cuidar de um ilícito penal, civil ou administrativo, conforme o caso – ou, ainda que plausível, não havendo a possibilidade jurídica de impor sanção ao ilícito – v.g., ante a extinção da pretensão sancionatória, por qualquer causa, ou a ausência de condição objetiva de punibilidade, quando exigida pela lei –, faltará a justa causa fundamentada para a instauração da investigação.
Tratando-se especificamente da atuação do Ministério Público, a notícia plausível do cometimento de um ilícito sancionável que lhe incumba perseguir – por exemplo, de natureza extrapenal contra interesses supraindividuais ou de natureza penal –, com ou sem a indicação, desde logo, de um suspeito, fornecerá a justa causa fundamentada autorizadora da deflagração da investigação apropriada – procedimento preparatório, inquérito civil ou procedimento investigatório criminal – ou da requisição da instauração de investigação criminal pela Polícia Judiciária – inquérito policial ou termo circunstanciado de ocorrência.
Por outro lado, e como visto, a justa causa fundamentada para o avanço à fase processual da persecução penal, civil ou administrativa, isto é, a base fática e jurídica válida, suficiente e racionalmente demonstrada para ela, traduz-se na presença de elementos mínimos, legalmente obtidos, referentes à efetiva ocorrência do ilícito (penal, civil ou administrativo) sancionável noticiado e à sua provável autoria, examinados em cognição sumária, sem prejuízo, no caso de persecutio in judicio penal ou civil, também dos pressupostos processuais e das condições da ação.
Percebe-se que somente nesta etapa da persecução, e considerado o grau ou nível de profundidade da cognição exigido, é que se mostram propícias a equiparação da justa causa fundamentada com a justa causa para o exercício da ação penal condenatória, no que tange à persecução criminal, e a adaptação do conceito, mutatis mutandis, às persecuções civil e administrativa.
Mais uma vez, tratando-se especificamente da atuação do Ministério Público, a existência de elementos informativos legais e bastantes acerca do cometimento de um ilícito sancionável que lhe incumba perseguir e da respectiva autoria – obtidos em prévia fase investigatória ou constantes de peças informativas recebidas, dispensando-se aquela – e a presença dos pressupostos processuais e das condições da ação fornecerão a justa causa fundamentada autorizadora da propositura de ação penal condenatória, ação civil pública ou ação de responsabilização por ato de improbidade administrativa, por exemplo.
Nessa temática, especial atenção desperta o interesse de agir, face aos mecanismos consensuais de resolução de controvérsias extrapenais e penais de que hoje dispõe o Parquet e cujo uso tende a se alargar no cotidiano de sua atuação funcional, mormente o compromisso de ajustamento de conduta (art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/1985), a transação penal (art. 76 da Lei 9.099/1995) e os recentes acordos de não persecução penal (trazido primeiramente no art. 18 da Resolução 181/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público e posteriormente introduzido no novel art. 28-A do CPP pela Lei 13.964/2019) e de não persecução cível (art. 17, § 1º, da Lei 8.429/1992, na redação conferida pela Lei 13.964/2019). A existência deles impõe que o Ministério Público, sempre que ajuíze demanda, justifique concretamente esta opção estratégica, explicitando o porquê do descabimento ou do eventual insucesso na utilização dos mecanismos consensuais e a necessidade, a adequação e a utilidade da tutela jurisdicional invocada.
Por fim, à luz do art. 129, inc. VIII, da CF/1988, do art. 43, inc. III, da Lei 8.625/1993, do art. 30 da LAA e das Resoluções 23/2007 e 181/2017 do CNMP, mostra-se imperioso que o agente do Parquet, ao instaurar procedimento preparatório, inquérito civil ou procedimento investigatório criminal, requisitar a instauração de investigação criminal ou ajuizar ação penal condenatória, ação civil pública ou ação de responsabilização por ato de improbidade administrativa, aponte expressamente, conquanto de forma sucinta, as razões de fato e de direito que determinaram o seu convencimento relativamente à persecução – v.g., fazendo remissão aos elementos informativos e probatórios colhidos nos autos, à norma incidente que caracteriza a conduta como ilícita e à sancionabilidade concreta desta.
Esse apontamento expresso e sucinto deve ser registrado na portaria inaugural do procedimento preparatório, do inquérito civil ou do procedimento investigatório criminal instaurado e na requisição de instauração de investigação criminal e pode também ser consignado na denúncia ou na petição inicial da ação civil pública ou da ação de responsabilização por ato de improbidade administrativa ou, ainda, em manifestação lançada no caderno investigatório ou nas peças informativas que embasaram a propositura da demanda.
Ao fim e ao cabo, esperamos, com estas breves linhas, haver lançado alguma luz sobre o conceito de justa causa fundamentada para a persecução e sobre o art. 30 da LAA.
NOTAS:
[1] V., por exemplo, EDITORIAL. O abuso de autoridade e a retaliação da bancada da impunidade. Gazeta do Povo, Curitiba, 15 ago. 2019. Disponível em: lt;https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/abuso-de-autoridade-camara-bancada-da-impunidade/?ref=veja-tambemgt;. Acesso em: 25 nov. 2019.
[2] Sobre o conceito de delito especial próprio, v. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 1 (Parte Geral – arts. 1º a 120). p. 239.
[3] A respeito de tais classificações, cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 1, p. 238-239; e GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 6. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2009. v. II (Parte Especial – arts. 121 a 154 do CP). p. 123.
[4] Sobre o conceito de bem jurídico-penal supraindividual institucional, v. PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 109.
[5] Acerca de tais classificações, cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 1, p. 239; e GRECO, Rogério. Curso de direito penal, v. II, p. 93, 130-131.
[6] Cf., em parte, BOSCHI, José Antônio Paganella. Persecução penal: o inquérito policial; a ação penal; o Ministério Público. Rio de Janeiro: AIDE, 1987. p. 23-24; e TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 1. p. 183-185.
[7] Elemento normativo do tipo é aquele que impõe um juízo de valor para o seu conhecimento, dizendo respeito a certo dado ou realidade, de ordem jurídica ou não. O elemento normativo de valoração jurídica traz um conceito lógico-jurídico ou jurídico-positivo, demandando juízo de valor de cunho jurídico. V. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v. 1, p. 348.
[8] Sobre o tema, recomenda-se a leitura de SOUZA, José Barcelos de. Direito processual civil e penal. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 77-78, 147 ss; e de MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para a ação penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 165-223, 237-261.
[9] Cf. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. São Paulo: Central de Publicações Jurídicas; Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, 1999. p. 58-59.
[10] Cf. GONDINHO, André Osório. Técnicas de cognição e efetividade do processo. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 2, n. 8, p. 99-117, 1999. p. 101.
[11] Cf. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, p. 111-112; e GONDINHO, André Osório. Técnicas de cognição e efetividade do processo, p. 105.
[12] Cf. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, p. 111-112; e GONDINHO, André Osório. Técnicas de cognição e efetividade do processo, p. 105.
[13] Cf. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, p. 112; GONDINHO, André Osório. Técnicas de cognição e efetividade do processo, p. 105; CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 58-68; e LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 106-110.
Data da conclusão/última revisão: 22/3/2020
Thadeu Augimeri de Goes Lima
Doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Diretor e professor da Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná (FEMPAR), unidade de Londrina. Promotor de Justiça de Entrância Final do Ministério Público do Estado do Paraná, titular na Comarca da Região Metropolitana de Londrina.