INTRODUÇÃO
O Direito Militar é um ramo especializado do direito público, que traz normas para uma categoria especial de servidores públicos que são os militares da República Federativa do Brasil, sendo especificadamente os representantes das Forças Armadas no âmbito da União e os Policiais Militares e os Bombeiros Militares no âmbito dos Estados e do Distrito Federal. Esses servidores possuem direitos e deveres que não são exigidos dos servidores públicos civis. É uma categoria de funcionários que juram defender a Nação e a sociedade mesmo com o risco da própria vida, juramento esse feito ao ingressar no serviço público.
Essa categoria de servidores possui uma legislação específica tenho em vista a especificidade de sua atuação. Entra nessa ótica então o Direito Penal Militar, que é considerado uma legislação especial, pois a maioria de suas normas não se aplicam aos cidadãos em geral, mas a um público específico, que são os militares, tendo especiais deveres para com o Estado. O Direito Penal Militar é especial pois a própria constituição lhe outorga essa condição peculiar, não devendo ser associada a privilégio, mesmo porque a Constituição da República assegura que não haverá juízo ou tribunal de exceção, disposto no artigo 5º, XXXVII, pois tribunal de exceção significa que não serão criados tribunais para o julgamento de um fato específico, o tribunal deve existir e ter sua competência fixada em lei, antes da ocorrência do fato a ser julgado, o que não é o caso, a competência da Justiça Militar vem disposta na legislação.
1. A ampliação dos crimes militares e de sua competência
O Direito Militar é um ramo do direito que vem ganhando espaço no cenário acadêmico. Dentro de uma concepção empírica, verifica-se uma grande parte das instituições de ensino superior tem buscado oferecer especializações na área.
Segundo Cícero Robson Coimbra Neves e Marcelo Streifinger (Apud Assis, 2018, p. 50):
O Direito Penal Militar consiste no conjunto de normas jurídicas, que tem por objeto a determinação de infrações penais, com suas consequências medidas coercitivas em face da violação, e ainda, pela garantia dos bens juridicamente tutelados, mormente a regularidade da ação das forças militares, proteger a ordem jurídica militar, fomentando o salutar desenvolver das missões precípuas atribuídas às Forças Armadas e as Forças Auxiliares.
Os mesmos doutrinadores, Cícero Robson Coimbra Neves e Marcelo Streifinger (Apud Assis, 2018, p. 50) descrevem que a “ordem jurídica militar é o sustentáculo das instituições militares, entendida como o complexo de normas jurídicas destinadas a assegurar a realização dos fins essenciais dessas instituições.”
Além de regimentos próprios de cada Estado da Federação, os militares são regidos por alguns documentos legislativos que disciplinam as condutas a serem seguidas e os processos de julgamento caso não sejam cumpridos os mandamentos legais. Um dos documentos legislativos que disciplinam as condutas dos militares é o Decreto-lei nº 1.001, Código Penal Militar (CPM), e o Código de Processo Penal Militar (CPPM), Decreto-lei n. 1002, ambos de 21 de outubro de 1969.
Esses mandamentos legislativos foram significativamente alterados com a Lei nº 13.491 sancionada pelo então Presidente da República Federativa do Brasil Michel Temer, no dia 13 de outubro de 2017, com sua entrada em vigor no dia 16 de outubro do mesmo ano, ampliando o rol de crimes militares e consequentemente a competência da justiça militar, para processamento e julgamento dos crimes praticados por militares em condições previstas em norma legal. Essa lei consagra então uma nova competência da Justiça Militar.
2. A necessidade de alteração legislativa
A alteração legislativa foi necessária devido a empregos constantes das Forças Armadas em algumas das Unidades da Federação pra conter a criminalidade que havia se instalado e estava tomando conta de alguns estados, e também devido a intensa mobilização militar em decorrência das Olimpíadas e paraolimpíadas no ano de 2016, tudo isso para a garantia da lei e da ordem, missão constitucional das Forças Armadas. A princípio essa lei foi sancionada para viger durante os eventos esportivos, seria então uma lei temporária, porém ao final desses eventos, o então presidente vetou o artigo que trazia a temporariedade e o tornou definitivo.
Importante destacar qual é o papel constitucional das instituições militares e em primeiro plano das Forças Armadas. O artigo 142 da Carta Suprema prescreve que:
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Lendo o dispositivo constitucional acima percebe-se que a missão constitucional da Forças Armadas apresenta duas vertentes, a primeira é a defesa da Pátria, que refere-se a defesa contra agressões estrangeiras e a Soberania Nacional, sendo uma atuação externa, e uma outra vertente, refere-se a uma atuação interna, de garantia da lei e da ordem, para garantia dos poderes constitucionais, sendo eles o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário, sendo uma atribuição subsidiária, conforme afirma Cícero Robson Coimbra Neves (2018, p. 241) “ trata-se de uma atribuição subsidiária, haja vista que a atribuição precípua de manutenção da ordem pública pertence aos órgãos constantes do Art. 144 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”, que são as Polícias Federais, Polícias Rodoviárias Federais, Polícias Ferroviárias Federais, Polícias Civis, Polícias Militares e Bombeiros Militares e agora coma alteração da Constituição Federal trazido pela Emenda Constitucional 104 de 2019, também as Polícias Penais.
A atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem encontra respaldo legislativo desde o ano de 2001 quando da entrada em vigor do Decreto 3.897, conforme descrito em seu artigo 3º.
Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico.
As leis são criadas e modificadas de acordo com a realidade e necessidade social apresentada no momento de sua modificação ou criação. A mudança operada com a alteração legislativo da Lei nº Lei nº 13.491/2017 buscou adequar a legislação penal à realidade do país, justamente porque que as Forças Armadas são cada vez mais empenhadas em situações de garantia da Lei e da Ordem.
A mudança na lei é bem significativa. Com essa alteração é considerado delito militar todos aqueles previstos no Código Penal Militar e em quaisquer outras legislações penais, devendo ter subsunção às condições previstas no inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar para o enquadramento dos crimes militares.
Com essa ampliação no rol de crimes considerados militares houve também modificação na competência para processamento e julgamento desses crimes, passando dessa forma para a Justiça Militar o que até então era de competência e responsabilidade da Justiça Comum, os processos que estavam sendo processados na justiça comum, com o advento da Lei 13.491 passaram para a Justiça Militar, conforme acórdão firmado pelo STJ em Conflito de Competência nº 160.902 - RJ (2018/0238712-4).
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A LEI DE LICITAÇÕES PRATICADO POR MILITAR EM SITUAÇÃO DE ATIVIDADE CONTRA PATRIMÔNIO SOB A ADMINISTRAÇÃO MILITAR. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N.º 13.491/2017. AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA CASTRENSE. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. SENTENÇA DE MÉRITO NÃO PROFERIDA. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PERPETUATIOJURISDICTIONIS. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITANTE.1. Hipótese em que a controvérsia apresentada cinge-se à definição do Juízo competente para processar e julgar crime praticado, em tese, por militar em situação de atividade contra patrimônio sob a administração militar antes do advento da Lei n.º 13.491/2017.2. A Lei n.º 13.491/2017 promoveu alteração na própria definição de crime militar, o que permite identificar a natureza material do regramento, mas também ampliou, por via reflexa, de modo substancial, a competência da Justiça Militar, o que constitui matéria de natureza processual. É importante registrar que, como a lei pode ter caráter híbrido em temas relativos ao aspecto penal, a aplicação para fatos praticados antes de sua vigência somente será cabível em benefício do réu, conforme o disposto no art. 2.º, § 1.º, do Código Penal Militar e no art. 5.º, inciso XL, da Constituição da República. Por sua vez, no que concerne às questões de índole puramente processual – hipótese dos autos –, o novo regramento terá aplicação imediata, em observância ao princípio do tempus regit actum.3. Tratando-se de competência absoluta em razão da matéria e considerando que ainda não foi proferida sentença de mérito, não se aplica a regra da perpetuação da jurisdição, prevista no art. 43 do Código de Processo Civil, aplicada subsidiariamente ao processo penal, de modo que os autos devem ser remetidos para a Justiça Militar.4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Auditor da 4.ª Auditoria da 1.ª Circunscrição Judiciária Militar do Estado do Rio de Janeiro, ora Suscitante. (Conflito de Competência nº 160.902 – RJ, Relatora: MINISTRA LAURITA VAZ, julgado em 12/12/2018, publicado no DJe em 18/12/2018).
2.1 Da competência da Justiça militar
A competência da Justiça Militar tanto da União como dos Estados e Distrito Federal está disciplinada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, onde dispõe no 124 que “compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares definidos em lei”, bem como no artigo 125, § 4º quando afirma que “compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados nos crimes militares definidos em lei”, importante salientar que o artigo 124 da Carta Magna traz a competência da União, enquanto o artigo 125 do mesmo diploma legal trata da competência dos Estados e Distrito Federal.
Um ponto muito importante que é necessário observar, é que olhando para o artigo 124 da CF/88, verifica-se que a Justiça Militar da União julga os delitos cometidos pelos militares das Forças Armadas, que são os militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e também os civis que cometam algum ilícito contra a Administração Militar. A competência estabelecida é em relação a matéria, em momento algum a constituição se refere à pessoa do acusado. Já a competência constitucional da Justiça Militar dos Estados e Distrito Federal, é em razão da pessoa e em razão da matéria, são julgados os militares dos seus respectivos Estados e Distrito Federal, sendo enquadrados nesta categoria, os Policiais Militares, os Bombeiros Militares e os Policiais Rodoviários Estaduais, a Justiça Militar dos estados não julga civis. A constituição é muito clara quando afirma no § 4º do artigo 125 que “compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados”, destacando dessa forma a palavra militares.
Os militares são julgados por crimes previstos em lei, crimes esses denominados crimes militares. José Afonso da Silva (Apud ASSIS, 2018 p.16), faz uma observação a esse respeito, quando expõe que:
Crimes militares são definidos em lei. Mas [...], há limites para essa definição. Tem que haver um núcleo de interesse militar, sob a pena da lei desdobrar das balizas constitucionais. A lei será ilegítima se militarizar delitos não tipicamente militares. Assim por exemplo, é exagero considerar um crime passional só porque o agente militar usou arma militar. Na consideração do que seja “crime militar”, a interpretação tem que ser restritiva, porque, senão, é um privilégio, é especial, e exceção ao que deve ser para todos.
Esse mesmo doutrinador (2018 p.112) traz o conceito de crime militar quando afirma que:
É toda violação ao dever militar e aos valores das instituições militares. Distingue-se da transgressão porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples. A relação entre crime militar e transgressão militar é a mesma que crime e contravenção penal.
Para compreender melhor a implicação da alteração da lei, é necessário primeiramente esclarecer o conceito de crime militar próprio e de crime militar impróprio.
Crimes militares próprios são aqueles crimes que só podem ser cometidos por militares, e estão previstos no Código Penal Militar. Deve-se enfatizar que esse conceito é diferente da denominação tipicamente militar, tendo em vista que os crimes tipicamente militar são aqueles que estão previstos no Código Penal Militar porém também podem ser cometidos por civis.
Já os crimes impróprios tem uma definição um pouco mais abrangente, são aqueles crimes que o militar pode cometer estando alinhado ao inciso II do artigo 9º do Código Penal militar, mesmo não previsto no referido código e os crimes que podem ser cometidos por civil quando tal conduta está prevista no ordenamento militar castrense e com igual definição na lei penal comum, em decorrência da aplicabilidade do artigo 9º do Código Penal Militar, como por exemplo o roubo, o homicídio. Também será crime militar impróprio aquele previsto no Código castrense praticado por civil, exemplo é o artigo 183 do Código Penal Militar, que prescreve “Deixar de apresentar-se o convocado à incorporação, dentro do prazo que lhe foi marcado, ou, apresentando-se, ausentar-se antes do ato oficial de incorporação.”
Diferentemente dos crimes comuns, os crimes militares precisam obrigatoriamente, pela sua especificidade, ter subsunção ao artigo 9º do Código Penal Militar, ou seja, os crimes cometidos por militares necessariamente devem submeter-se aos mandamentos do referido artigo.
Assim sendo, não há crime militar sem que primeiro sejam atingidas as bases das instituições militares, as vigas mestras de sua estrutura, que são a hierarquia e a disciplina, cuja tutela é prioritária para o direito castrense.
3. Os bens jurídicos tutelados
A lei nº 2.848/40, Código Penal tutela inúmeros bens jurídicos, entre eles a fé pública, a administração da justiça, a vida, o patrimônio, a dignidade sexual, dentre outros. O Código Penal Militar, tutela igualmente diversos bens jurídicos, porém sempre em primeiro plano, por ser um ramo especializado do direito penal, tem presente em todas as figuras típicas, como bem jurídico constante, o binômio hierarquia e disciplina, que são a base da organização das Forças Armadas, conforme dispõe o artigo 142, caput da Constituição Federal de 1988.
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (grifo nosso)
Se for cometido por um militar, sempre que houver uma lesão a um bem jurídico, haverá também lesão a hierarquia e a disciplina. A previsão constitucional desses valores de hierarquia e disciplina, conferem absoluta legitimidade à existência do Direito Penal Militar e da Justiça Militar, é uma legislação especial, para servidores com obrigações peculiares e diferenciadas.
Como já mencionado, cada vez mais vem sendo empregado as Forças Armadas para garantia da lei e da ordem, trazendo algumas mudanças legislativas, entre elas a Lei 13.491/17, que alterou a competência da Justiça Militar, produzindo duas mudanças no Código Penal Militar, a primeira mudança é a nova redação que foi dada ao inciso II do artigo 9º e a segunda mudança é o acréscimo do parágrafo segundo do mesmo artigo. Essas duas mudanças alteram significativamente o rol de crimes militares e a competência para processamento e julgamento.
A antiga redação ao artigo 9º, inciso II do CPM previa “ Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...] II – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam em igual definição na lei penal comum, quando praticados: [...], agora na nova redação prevê que “ Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...] II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação especial, quando praticados: [...].
Essa alteração pode parecer pequena, mas é muito abrangente, muito ampla, pois com essa ampliação passando a incluir como crimes militares os previstos em legislações especiais, incluiu diversas condutas ilícitas como crimes militares, passando à competência da Justiça Militar.
Importante se faz destacar que a alteração foi no inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar, porém alterou também o inciso III do mesmo artigo tendo em vista o inciso III fazer referência ao inciso ora alterado quando expressa em seu texto “os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: [...]”. Assim verifica-se que houve também alteração no ínscio III do artigo 9º do CPM.
Como previsto na nova redação do inciso II do artigo 9º do Código Penal Militar, desde que haja a subsunção a esse inciso, todos os crimes que praticados por militares serão de competência da Justiça Militar, como rol exemplificativo pode-se citar a Lei nº 4898/65 (Lei de abuso de autoridade), Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações), Lei nº 9.455/97 (Lei de Tortura), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais).
Porém muito importante salientar que a competência para o julgamento de crimes previstos na legislação penal, quando praticados nas condições no inciso II do artigo 9º do CPM, será da Justiça Militar, desde que não haja previsão constitucional ou legal outorgando essa mesma competência a outra justiça. Assim sendo a previsão na constituição ou em Lei especial irão prevalecer sobre o Código Penal Militar no momento de verificar qual a justiça que tem a competência pra o julgamento, e como exemplo pode-se citar o artigo 26 da Lei nº 7.492/86, Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro, que como lei especial, dispõe que será de competência da Justiça Federal, mesmo estando nessa situação o militar em serviço.
3.1 O advento de outra alteração
Outra alteração muito importante que ocorreu com o advento da Lei nº 13.491/17, foi a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis, estando previsto no artigo 9º, § 2º que prescreve:
§ 2o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)
b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)
c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)
d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)
Dessa maneira pode-se retirar do texto legal que essa mudança está restrita a Justiça Militar da União, pois declara que quando praticados no contexto dos incisos expostos no artigo 9º § 2º e for crime doloso contra a vida praticado por militar das Forças Armadas contra civil, serão de competência da Justiça Militar da União, destacando que não existe Forças Armadas a Nível Estadual ou Distrital. Assim essa mudança no parágrafo 2º do artigo 9º do Código Penal Militar irá repercutir no âmbito federal, na competência da Justiça Militar da União não altera a questão dos crimes dolosos contra a vida de civis a nível estadual e distrital, sendo amparado na Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 125, § 4º, onde prescreve que:
Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. [...]
§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
[...] (grifo nosso)
Com análise dessa questão pode-se concluir que não houve nenhuma alteração na competência para processamento e julgamento dos crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares no âmbito estadual e distrital, ficando a competência ainda, para Justiça Comum. A alteração do texto legal foi para Justiça Militar da União, e obedecidos os incisos do parágrafo 2º do artigo 9º, pois se não estiver no contexto desses incisos, o crime doloso contra a vida praticado por militar das forças Armadas será de competência da Justiça Comum.
A lei 13.491/17 alterou o Código Penal Militar, porém com abrangência no Código de Processo Penal Militar, pois essa alteração guarda relação com competência e a forma de processamento e julgamento, verificados no Código de Processo Penal Militar e sabe-se que normas de competência são normas genuinamente processuais. Desde a entrada em vigor da lei os processos que estavam tramitando na Justiça Comum Estadual e Distrito Federal foram transferidos para a Justiça Militar dos Estados e Distrito Federal e os processos que estavam tramitando na Justiça Comum da União foram para a Justiça Militar da União, devido a alteração da competência em relação da matéria.
Com a alteração de competência necessário se faz entender a estrutura do Judiciário militar. Como já enfatizado, o foro militar é especial, tem algumas peculiaridades que é necessário observar.
Cícero Robson Coimbra Neves (2018, pg. 554), destaca que “o Direito Penal Militar é especial em razão do objeto de sua tutela jurídica” pois qualquer que seja o bem jurídico evidentemente protegido pela norma, sempre haverá de forma direta ou indireta, a tutela da regularidade das instituições militares.
O mesmo doutrinador (2018, pg. 558), afirma que “qualquer que seja o bem jurídico evidentemente protegido pela norma penal comum, ao ingressar no universo dos crimes militares, sempre haverá a tutela da regularidade das instituições militares, caracterizando uma duplicidade na proteção dos bens jurídicos”.
Essa é uma das peculiaridades que evidenciam a jurisdição especial. A jurisdição Penal Militar Federal é diferente da Jurisdição Penal Militar Estadual. Os policiais militares e bombeiros militares são força auxiliar e reserva do Exército Brasileiro, prescrito no parágrafo 6º do artigo 144 da Constituição Federal “as polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”.
A Justiça Militar da União tem em sua estrutura, na primeira instância 12 Circunscrições Judiciárias Militares, conforme artigo 2º da Lei 8.457/92 de 04 de setembro de 1992, que organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus serviços auxiliares.
Para efeito de administração da Justiça Militar em tempo de paz, o território nacional divide-se em doze Circunscrições Judiciárias Militares, abrangendo:
1ª CJM - Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo;
2ª CJM - Estado de São Paulo;
3ª CJM - Estado do Rio Grande do Sul;
4ª CJM - Estado de Minas Gerais;
5ª CJM - Estados do Paraná e Santa Catarina;
6ª CJM - Estados da Bahia e Sergipe;
7ª CJM - Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas;
8ª CJM - Estados do Pará, Amapá e Maranhão;
9ª CJM - Estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso
10ª CJM - Estados do Ceará e Piauí;
11ª CJM - Distrito Federal e Estados de Goiás e Tocantins;
12ª CJM - Estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia.
Por determinação do artigo 11 do referido diploma legal, cada Circunscrição Judiciária Militar, terá um Auditoria, excetuada a primeira que terá 4 Auditorias, a segunda com 2 auditorias, a terceira com 3 Auditorias e a décima primeira com 2 Auditorias, sendo que em cada Auditoria podem existir dois órgãos julgadores: o Conselho Especial de Justiça e o Conselho Permanente de Justiça, composto por um juiz-auditor e outros quatro juízes militares sorteados entre os oficiais das Forças Armadas.
O Conselho Especial de Justiça, julga os crimes militares praticados por Oficiais, exceto os Oficias-Generais, que são julgados pelo Superior Tribunal de Militar – STM, enquanto que o Conselho Permanente de Justiça Julga os crimes militares praticados por militares que não são oficiais. O Conselho Permanente de Justiça é convocado por três meses, findo o prazo são substituídos por outros quatro que permanecem por três meses e assim sucessivamente. Já o Conselho Especial de Justiça, o Oficial fica atrelado ao processo, não tendo um limite de tempo.
Por outro lado a Justiça Militar dos Estados e Distrito Federal, contemplam uma estrutura diferente. A norma Constitucional estabelece no artigo 125 § 4º, que compete aos estados processar e julgar os militares de seus respectivos estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil (grifo nosso).
Logo no próximo parágrafo do mesmo diploma legal, § 5º prescreve que “compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares”.
Algumas considerações devem ser feitas ao que se refere aos crimes militares no âmbito da Justiça Militar, em relação ao crime doloso contra a vida de civil, o qual vem excetuado no parágrafo 4º do artigo 125 da Constituição Federal de 1988, pois a competência para o julgamento é do Tribunal do Júri, embora o crime continua sendo militar, como afirma Cícero Robson Coimbra Neves (2018, pg. 569), “a Constituição Federal não expõe que o crime doloso contra a vida, enquadrado no artigo 9º do CPM, passou a ser um delito comum, mas apenas o retirou da competência da Justiça Militar Estadual”.
Na Justiça Militar Estadual não existe um órgão militar específico como na União, nos Estados existe uma vara especializada para processar e julgar os crimes militares, dentro da Justiça Comum. Diversifica dentro da organização de cada estado, no estado de Rondônia um juiz exerce a função na vara militar durante dois anos quando é substituído por outro que permanece também por dois anos e assim sucessivamente. Isso quando analisamos a 1ª instância, pois a 2º instância é realizada pelo próprio Tribunal de Justiça do Estado, ou seja, o recurso vai para o tribunal comum. Não sendo da mesma maneiro na esfera federal, onde o recurso irá para o Superior Tribunal Militar, composto por 15 ministros, presidido pelo Oficial-General mais antigo. Importante destacar que os estados que possuem um efetivo militar de mais de 20 mil, devem ter um Tribunal de Justiça Militar como segunda instância, e atualmente apenas os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul possuem Tribunal de Justiça Militar, os demais estados a segunda instância é a Justiça Comum (TJ).
Na prática da atuação da Polícia Judiciária Militar, verifica-se que a ela cabe a incumbência de apurar os ilícitos praticados por militares e sua autoria, através de um inquérito, que é um procedimento inquisitivo e administrativo, podendo ser dispensável, o que investiga o delito para dar suporte ao processo penal, onde o Ministério Público que é o titular da ação pública, fará a denúncia ou irá arquivar o processo, sendo diferenciado do comum apenas pela natureza do crime, mas a investigação e o processamento respeitam um rito determinado pelos códigos de processo, não havendo corporativismo ou condições mais favoráveis, é observado o que vem disposto na legislação processual. Após a investigação e o inquérito concluído, será arquivado se não houver indícios de autoria e materialidade ou processado em primeira instância como já citado acima, diante de um juiz singular militar tanto no âmbito estadual como no âmbito federal, diferenciado em segunda instância caso haja recurso.
Esse processamento e julgamento por parte da Justiça Militar após a implementação da Lei 13.491, trouxe algumas discussões doutrinárias sobre a constitucionalidade da referida lei, tanto que os Delegados de Polícia manejaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.804-DF, distribuída ao Ministro Gilmar Mendes, questionando que a nova lei fere o artigo 5º, inciso LIII e LIV e o artigo 144, §1º, inciso IV e o §4º da Constituição Federal, argumentando que é competente para exercer as funções de polícia judiciárias apenas a Polícia Federal e a Polícia Civil.
Disposto no artigo 144, § 4º da Constituição Federal, está a competência da polícia civil como polícia judiciária, ressalvando as atribuições da Polícia Federal em causas federais e de crimes militares. Com a ampliação do rol dos crimes militares, teve a consequente ampliação dos crimes de competência da justiça militar. Em análise da competência da União, verifica-se o que prescreve o artigo 109 da Carta Magna em seu inciso IV:
Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
O Ministro Gilmar Mendes manteve vigente os dispositivos da nova lei até futuras deliberações sobre o assunto, não sendo esta Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada até a presente data. Porém ao analisar os órgãos competentes para investigação criminal, verifica-se que desde que autorizado por lei, diversos órgãos podem realizar esse papel de polícia judiciária. O Próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu ao Ministério Público, autoridade para investigar os crimes de natureza penal através do Recurso Extraordinário 593727/MG.
Repercussão geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Constitucional. Separação dos poderes. Penal e processual penal. Poderes de investigação do Ministério Público. 2. Questão de ordem arguida pelo réu, ora recorrente. Adiamento do julgamento para colheita de parecer do Procurador-Geral da República. Substituição do parecer por sustentação oral, com a concordância do Ministério Público. Indeferimento. Maioria. 3. Questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da República. Possibilidade de o Ministério Público de estado-membro promover sustentação oral no Supremo. O Procurador-Geral da República não dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do Parquet estadual, pois lhe incumbe, unicamente, por expressa definição constitucional (art. 128, § 1º), a Chefia do Ministério Público da União. O Ministério Público de estado-membro não está vinculado, nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente, perante o Supremo Tribunal Federal, em recursos e processos nos quais o próprio Ministério Público estadual seja um dos sujeitos da relação processual. Questão de ordem resolvida no sentido de assegurar ao Ministério Público estadual a prerrogativa de sustentar suas razões da tribuna. Maioria. 4. Questão constitucional com repercussão geral. Poderes de investigação do Ministério Público. Os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da Constituição Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade ? sempre presente no Estado democrático de Direito ? do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição?. Maioria. 5. Caso concreto. Crime de responsabilidade de prefeito. Deixar de cumprir ordem judicial (art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei nº 201/67). Procedimento instaurado pelo Ministério Público a partir de documentos oriundos de autos de processo judicial e de precatório, para colher informações do próprio suspeito, eventualmente hábeis a justificar e legitimar o fato imputado. Ausência de vício. Negado provimento ao recurso extraordinário. Maioria. (STF - RE: 593727 MINAS GERAIS, Relator: Min. CEZAR PELUSO, Data de Julgamento: 14/05/2015, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 08/09/2015).
Considerações finais
É sabido que a criação das leis seguem as necessidades e os clamores que a sociedade apresenta. O direito sempre se reinventa para enfrentar os desafios que a sociedade impõe. As demandas que a sociedade traz servem de base para que as leis sejam modificadas, isso nas diferentes áreas do direito, não sendo diferente no Direito Penal Militar.
Assim o direito é um reflexo da evolução da sociedade, é um instrumento que regula as relações sociais, criando novas leis para que não fiquem obsoletas e ultrapassadas de acordo com as necessidades apresentadas. A atual situação de uso das forças armadas fez com que fosse necessário ampliar o rol dos crimes militares adequando-se as necessidades constantes desse emprego efetivo e constante em prol da segurança e paz da sociedade brasileira.
A Lei 13.491/17, sem dúvida trouxe significativa inovação no Direito Castrense, ampliando o conceito de crime militar, modificando a competência para o processamento e julgamento desses crimes, assim como nos casos de crimes dolosos contra a vida, que estejam enquadrados dentro das hipóteses do artigo 9º do Código Penal Militar.
Essas alterações trouxeram algumas discussões jurídicas que ainda não estão pacificadas, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça a última palavra, o que é desejo que não demore muito, pois o direito precisa trazer àqueles que o buscam a Segurança Jurídica prometida.
REFERÊNCIAS
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ASSIS, Jorge Cesar de. Comentários ao Código Penal Militar. 10. ed., Curitiba: Juruá Editora, 2018.
Neves, Cícero Robson Coimbra, Manual de direito processual penal militar. 3. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/. Acesso em 23/02/2020.
Data da conclusão/última revisão: 22/04/2020
Viviane Márcia Zimmermann Loose
Especialista em Gestão Escolar e Psicopedagogia pelo Instituto Cuiabano de Educação (2005), Licenciatura em Pedagogia pela UNESC (2005), Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Rondônia (2000) Acadêmica do 10º Período de Direito pela Universidade São Lucas/Ji-Paraná-RO.
Código da publicação: 10120
Como citar o texto:
LOOSE, Viviane Márcia Zimmermann..As alterações no Código Penal Militar com a Lei 13.491/2017 e sua implicação prática. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 18, nº 975. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/10120/as-alteracoes-codigo-penal-militar-com-lei-13-491-2017-implicacao-pratica. Acesso em 23 abr. 2020.
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