O acórdão confirmatório como marco interruptivo da prescrição em uma interpretação teleológica
A prescrição é uma das principais garantias do cidadão frente ao poder punitivo estatal. O direito de punir do Estado, como se sabe, não é absoluto. Existem vários limites ao direito de punir do Estado, sendo a prescrição um destes. A inexistência de “prazo” para que o Estado punisse ou executasse uma punição já imposta feriria, de morte, o princípio da proporcionalidade, na faceta de proibição ao excesso. Por outro lado, o transcurso fatal do prazo prescricional, ou seja, sem interrupções ou suspensões, também feriria o princípio da proporcionalidade, desta feita na faceta de proibição à proteção deficiente. Daí porque existem causas impeditivas, suspensivas e interruptivas do prazo prescricional. Uma das causas interruptivas da prescrição é a que interessa particularmente a este trabalho: a publicação de acórdão condenatório recorrível. Acórdão confirmatório de condenação tem o condão de interromper a contagem do prazo prescricional? Explanarei sobre punibilidade, seu conceito, limites e analisarei a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores para, ao fim, me posicionar.
Sumário
1) Conceito de prescrição; 2) Análise da evolução jurisprudencial acerca da utilização do acórdão confirmatório como marco interruptivo da prescrição. 3) Conclusão; 4) Referências.
1. Conceito de prescrição
Com a ocorrência de um fato delituoso gerador da possibilidade de exercício do ius puniendi estatal surge o fenômeno conhecido como “pretensão punitiva”. No entanto, em um Estado Democrático de Direito em que se prima pela segurança jurídica dos cidadãos e demais direitos e garantias fundamentais, na maioria dos casos tal fenômeno, para ser exercido, estará condicionado à observância de um prazo previsto em lei.
Importante ressaltar que a Constituição Federal impõe no artigo 5º, XLII e XLIV a imprescritibilidade aos crimes de racismo e à ação de grupos armas, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. É de suma importância observar que o referido dispositivo se encontra inserido no Título II, referente aos direitos e garantias fundamentais. Portanto, pode-se concluir que a referida imprescritibilidade constitui um direito fundamental.
O ordenamento jurídico brasileiro confere à prescrição a natureza jurídica de direito material, atraindo diversas consequências relevantes, como a impossibilidade de retroatividade do artigo 366 do Código de Processo Penal, classificado pela doutrina como norma híbrida, uma vez que guarda em seu interior norma correlacionada com a prescrição.
Ademais, deve-se ressaltar que a prescrição é instituto de ordem pública, devendo ser decretada de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do interessado. O reconhecimento da prescrição impede a análise de mérito pelo juiz, sendo cognoscível em qualquer fase e em qualquer grau de jurisdição.
2. Análise da evolução jurisprudencial acerca da utilização do acórdão confirmatório como marco interruptivo do prazo prescricional
Justamente diante da natureza material da prescrição, torna-se obrigatória a observância do regime jurídico específico das normas de natureza penal material, como, por exemplo, a observância da vedação à analogia in malam partem e afins.
Por tal razão, muito se discutiu na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de utilização do acórdão confirmatório – e não somente o condenatório – como marco interruptivo prescricional, tendo em vista a previsão do artigo 117, IV do Código Penal.
Atualmente, a questão se pacificou no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Apesar disso, o assunto sempre foi polêmico tanto no campo doutrinário quanto no âmbito jurisprudencial.
Com a fixação do entendimento pelo Plenário do STF quanto à possibilidade de utilização do acórdão confirmatório como marco interruptivo da prescrição, o Superior Tribunal de Justiça, através da 5ª Turma, modificou o seu entendimento através do fenômeno conhecido como overrulling no AgRg no AREsp nº 1668298/SP, cuja ementa afirma: “O colendo Supremo Tribunal Federal, em decisão tomada em plenário, nos autos do HC 176.473/Roraima, que tem como relator o Min. Alexandre de Moraes, em 27/04/2020, fixou a seguinte tese: "Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta.".
No entanto, este não era o entendimento da Corte. A título de exemplo, cite-se a decisão exarada em Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 550.286/PR, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, cuja ementa é: “PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA CONDENAÇÃO. CAUSA INTERRUPTIVA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Corte Especial deste Superior Tribunal, no julgamento dos EDcl no AgRg no RE nos EREsp n. 1.619.087/SC (Rel. Ministro Humberto Martins, DJe 22/3/2019), reafirmou a compreensão de que o acórdão confirmatório da condenação não constitui novo marco interruptivo prescricional, ainda que modifique a reprimenda fixada, nos termos descritos no art. 117, IV, do Código Penal. 2. Agravo regimental não provido.”
No julgamento dos Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nos Embargos ao Recurso Especial nº 1.619.087/SC, de relatoria do Ministro Humberto Martins, publicada no Diário de Justiça Eletrônico em 22 de março de 2019, já havia sido reafirmada a compreensão de que o acórdão confirmatório da condenação não constitui novo marco interruptivo prescricional, mesmo que haja modificação da reprimenda fixada, conforme art. 117, IV do Código Penal.
2.1 Análise da jurisprudência contrária à interrupção
Conforme acima mencionado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vinha se mostrando contrária ao reconhecimento do acórdão confirmatório como marco interruptivo do prazo prescricional há alguns anos.
Em 2016, no julgamento do AgRg no RE nos EDcl no REsp 1301820/RJ, julgado em 16 de novembro de 2016, o STJ proferiu o seguinte entendimento: “1. Nos termos do art. 117 do Código Penal, o prazo prescricional interrompe-se pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis. O acórdão que confirma a condenação, mas majora ou reduz a pena, não constitui novo marco interruptivo da prescrição. Precedentes: AgRg nos EDcl no AgRg no Ag 1.112.682/SP, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 1º/3/2016, DJe 9/3/2016; AgRg no AgRg no REsp 1.393.682/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 28/4/2015, DJe 6/5/2015, HC 243.124/AM, Rel. Min. JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 20/8/2012”.
Em 02 de fevereiro de 2017, repetiu-se o referido entendimento no julgamento do AgRg na PET no REsp 1583484/MG, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, cuja ementa encontra-se abaixo colacionada:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO ESPECIAL TEMPESTIVO. AUSÊNCIA DE COISA JULGADA. PRESCRIÇÃO DOS CRIMES. OCORRÊNCIA. 1. Inexiste maltrato ao princípio da colegialidade, pois, consoante disposições do Código de Processo Civil e do Regimento Interno desta Corte, o relator deve fazer um estudo prévio da viabilidade do recurso especial, além de analisar se a tese encontra plausibilidade jurídica, uma vez que a parte possui mecanismos processuais de submeter a controvérsia ao colegiado por meio do competente agravo regimental. Ademais, o julgamento colegiado do recurso pelo órgão competente supera eventual mácula da decisão monocrática do relator. 2. Não há que se falar em coisa julgada da matéria unânime julgada pela Corte de origem. O art. 498 do antigo CPC dispõe que, quando o dispositivo do acórdão contiver julgamento por maioria de votos e julgamento unânime, e forem interpostos embargos infringentes, o prazo para recurso extraordinário ou recurso especial, relativamente ao julgamento unânime, ficará sobrestado até a intimação da decisão nos embargos. Assim, quando a decisão tiver parte unânime e não unânime e forem interpostos embargos infringentes, como no presente caso, o prazo para a interposição do recurso especial, sobre toda matéria, inicia-se após o julgamento dos referidos embargos. 3. A acusada foi condenada pela prática dos crimes previstos no art. 317 do CP, por duas vezes, em continuidade delitiva; no art. 171, §3º, do CP, por dez vezes, em continuidade delitiva; no art. 344 do CP e no art. 299 do CP, por vinte e duas vezes, em continuidade delitiva. Aplicada a soma de todas as reprimendas, em razão do concurso material, a pena definitiva foi fixada em 7 anos e 8 meses de reclusão. 4. Nos termos do art. 119 do CP, no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente, e Súmula 497 do STF, quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação. 5. A prescrição, após transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação, é regulada pela pena em concreto (art. 112, inciso I, do CP), individualmente verificada quanto a cada crime (art. 119 do CP), razão pela qual o prazo prescricional aplicável a cada um dos delitos é de 4 anos, haja vista que as penas são iguais a um ano ou, sendo superiores, não excedem a dois (art. 109, inciso V, do CP), excluído o aumento em razão da continuidade delitiva. 6. Levando-se em consideração o último marco interruptivo, qual seja, a sentença condenatória (14/12/2011), há que se reconhecer a prescrição da pretensão punitiva, visto que desde o referido marco interruptivo e a presente data transcorreu período superior a 4 (quatro) anos. 7. Agravo regimental não provido.
Ao final do voto, percebe-se claramente que o Superior Tribunal de Justiça reconhecia como último marco interruptivo a sentença condenatória.
Em 06 de novembro de 2018, em julgamento proferido no âmbito da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 1169413 / SP, de relatoria Ministro Felix Fischer, ressaltou-se novamente o entendimento de que o acórdão confirmatório da condenação não é causa interruptiva da prescrição: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE SONEGAÇÃO TRIBUTÁRIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO E OBSCURIDADE. SÚMULA VINCULANTE Nº 10. INAPLICABILIDADE. DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. I - Os embargos declaratórios não constituem recurso de revisão, sendo inadmissíveis se a decisão embargada não padecer dos vícios que autorizariam a sua oposição (obscuridade, contradição e omissão). Na espécie, à conta de omissão no v. acórdão, pretende o embargante a rediscussão, sob nova roupagem, da matéria já apreciada. II - Não compete a este eg. STJ se manifestar explicitamente sobre dispositivos constitucionais, ainda que para fins de prequestionamento. (Precedente). III - A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o acórdão confirmatório da condenação não é causa interruptiva da prescrição. Precedentes. IV - Não há que se falar em inobservância da Súmula Vinculante n. 10, uma vez que a interpretação do acórdão embargado ocorreu com base em preceitos infraconstitucionais, não tendo sido afastada a aplicação do art. 117, inc. IV, do Código Penal. Embargos de declaração rejeitados.
O referido acórdão foi, inclusive, utilizado para embasar entendimento quanto à impossibilidade de interrupção do prazo prescricional pelo acórdão confirmatório no julgamento dos embargos de declaração no agravo regimental no recurso especial 1838355/RJ, julgado em 18 de fevereiro de 2020.
Conforme já ressaltado anteriormente, a doutrina majoritária defende o entendimento anteriormente pacificado no âmbito do STJ, qual seja: o acórdão que apenas confirma a condenação ou reduz a pena do condenado não tem o condão de interromper a prescrição.
Já existe análise do renomado constitucionalista Lenio Luiz Streck se opondo ao entendimento do Supremo Tribunal Federal por razões de ordem constitucional, e não do mérito do entendimento em si.
De acordo com o jurista, o STF não poderia ter se manifestado sobre o assunto diante da ausência de matéria constitucional em discussão, uma vez que a prescrição, conforme discutida, não envolvia matéria constitucional. É que, de acordo com a Constituição Federal, o guardião das leis ordinárias é o Superior Tribunal de Justiça. Relembra, ainda, que o STF não costuma admitir discussões sobre matérias que admitem tão somente constitucionalidade reflexa (Tema 660).
Ademais, Streck destaca que há voto do ministro Gilmar Mendes no RE 638.115/CE em que defende “Se se admitisse que toda decisão contrária ao direito ordinário é uma decisão inconstitucional, ter-se-ia de acolher, igualmente, todo e qualquer recurso constitucional interposto contra decisão judicial ilegal (...) enquanto essa orientação prevalece em relação a leis inconstitucionais, não se adota o mesmo entendimento no que concerne às decisões judiciais. Por essas razões, procura o tribunal formular um critério que limita a impugnação das decisões judiciais mediante recurso constitucional (...) sua admissibilidade dependeria, fundamentalmente, da demonstração de que, na interpretação e aplicação do direito, o juiz desconsiderou por completo ou essencialmente a influência dos direitos fundamentais, que a decisão se revela grosseira e manifestamente arbitrária na interpretação e aplicação do direito ordinário ou, ainda, que se ultrapassaram os limites da construção jurisprudencial (Cf., sobre o assunto, Schlaich, op.cit).”
Portanto, a possibilidade de análise surgiria tão somente da interpretação arbitrária da lei infraconstitucional.
No mesmo sentido defende o jurista Aury Lopes Júnior, afirmando que o Supremo Tribunal Federal realizou verdadeira interpretação extensiva prejudicial ao réu. Entende o jurista que a pretensão estatal punitiva ou executória não pode se sobrepor a princípios do Estado Democrático de Direito. Entende, inclusive, que se trataria de verdadeira inovação legislativa por via transversa.
Gilmar Mendes apontou, no julgamento do HC nº 176.473/RR, que a 2ª Turma, em diversas decisões, entendeu que o "acórdão da apelação, que não altera a dosimetria de modo a impactar o cálculo prescricional, não interrompe a prescrição".
No HC nº 176.473/RR já reiteradamente mencionado, a DPU ainda citou diversas decisões da 2ª Turma no entendimento contrário: “RE 1202790 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 28/06/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 05-08-2019 PUBLIC 06-08-2019 e; HC 135671 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 02/12/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 15-02-2017 PUBLIC 16-02-2017.”
Pode-se citar, ainda, decisão em segunda instância do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que seguiu o entendimento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal:
“Com efeito, de se ressaltar que o artigo 117, inciso IV, do Código Penal, traz como marco interruptivo a “publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis”. Destarte, não se tratando de acórdão condenatório, mas meramente confirmatório, tem-se que o marco interruptivo se verificou apenas com a sentença condenatória. Sobre o tema: “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA MODALIDADE RETROATIVA. INOCORRÊNCIA. 1. INOCORRÊNCIA DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, TENDO EM VISTA QUE NÃO TRANSCORREU PRAZO SUPERIOR A OITO ANOS ENTRE OS MARCOS INTERRUPTIVOS DA PRESCRIÇÃO (ART. 109, IV, C/C O ART. 117 DO CP). 2. O ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA CONDENAÇÃO NÃO TEM O CONDÃO DE EXCLUIR A SENTENÇA CONDENATÓRIA COMO MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO. 3. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS HABEAS CORPUS CRIME Nº 0057384-36.2019.8.16.0000 5 CORPUS A QUE SE NEGA PROVIMENTO” (RHC N.112.687, RELATOR O MINISTRO ROBERTO BARROSO, PRIMEIRA TURMA, DJE 26.5.2014). “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DA CONDENAÇÃO NÃO É MARCO INTERRUPTIVO DA PRESCRIÇÃO. DECISÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.”. (RE 1190830 / RS - RIO GRANDE DO SUL RECURSO EXTRAORDINÁRIO RELATOR(A): MIN. CÁRMEN LÚCIA JULGAMENTO: 08/03/2019)”.
2.2 Análise da jurisprudência a favor da interrupção
Por outro lado, antes do julgamento em Plenário no Habeas Corpus nº 76.473/RR, havia um entendimento do Supremo Tribunal Federal, notadamente no âmbito da 1ª Turma, quanto à possibilidade de utilização do acórdão confirmatório como marco interruptivo do prazo prescricional.
Inicialmente, vale ressaltar que a 1ª Turma do STF já entendia o vocábulo “decisão” como gênero, sendo suas espécies sentença e acórdão, conforme julgamento do HC nº 92.340/SC, publicado em 08 de agosto de 2008: ““A meu ver e peço licença para ir adiante -, a Lei nº 11.596/07 não apenas consagrou a nossa jurisprudência, mas inseriu, no inciso IV, mais um fator de interrupção, pouco importando sentença condenatória anterior. Basta que o acórdão, confirmando essa sentença, também – e por isso mesmo –, mostre-se condenatório. Houve uma opção político-legislativa ante a delinquência maior constatada na quadra vivida, ou seja, tem-se nova interrupção, uma vez confirmada a sentença condenatória”.
No Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 1.237.572/RO, a 1ª Turma do STF fixou o seguinte entendimento: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INÉRCIA DO ESTADO. RESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. 1. A prescrição é, como se sabe, o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado. No art. 117 do Código Penal que deve ser interpretado de forma sistemática todas as causas interruptivas da prescrição demonstram, em cada inciso, que o Estado não está inerte. 2. Não obstante a posição de parte da doutrina, o Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório confirmatório da decisão. Não há, sistematicamente, justificativa para tratamentos díspares. 3. A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o que existe na confirmação da condenação é a atuação do Tribunal. Consequentemente, se o Estado não está inerte, há necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal.”
O Ministro Alexandre de Moraes, responsável pela redação do acórdão acima mencionado, já havia se manifestado no julgamento do Habeas Corpus nº 138.088/RJ, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, da seguinte forma: “A prescrição é, como se sabe, o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado. No art. 117 do Código Penal – que deve ser interpretado de forma sistemática – todas as causas interruptivas da prescrição demonstram, em cada inciso, que o Estado não está inerte. Confira-se: a decisão da pronúncia interrompe a prescrição (inciso II); a decisão confirmatória da pronúncia também interrompe a prescrição (inciso III); e, na sequência, de forma genérica, o inciso IV apresenta como causa interruptiva “a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis”. Não obstante a posição de parte da doutrina, o Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório confirmatório da decisão. E nem seria razoável fazê-lo. Veja-se, pelos seguintes exemplos, em que resultaria essa distinção: (a) um indivíduo é absolvido em primeira instância e vem a ser condenado pelo Tribunal – nesse caso, o acórdão teria força para interromper a prescrição; (b) um indivíduo é condenado em primeiro grau e vem a ser também condenado em segundo grau (ou seja, com uma certeza ainda maior) – esse acórdão seria ignorado para efeitos prescricionais. Não há, sistematicamente, justificativa para tratamentos díspares. A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o que existe na confirmação da condenação, muito pelo contrário, é a atuação do Tribunal. Consequentemente, se o Estado não está inerte, há necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal. Esse entendimento se reforça ainda mais com a constatação de que a Lei 11.596/2007 alterou a redação do inciso IV do art. 117 do Código Penal, acrescentando ao termo “sentença condenatória”, como fator de interrupção dessa prescrição, a expressão “acórdão condenatório”. O propósito da modificação emerge da leitura da Justificação do Projeto de Lei nº 401/2003 (publicação no Diário do Senado Federal nº 153, em 24/9/2003), que culminou na edição da Lei 11.596/2007: A alteração proposta produz impacto na denominada prescrição intercorrente ou superveniente (art. 110, § 1º, do Código Penal), que ocorre após a prolação da sentença condenatória recorrível. Pretende-se evitar, com efeito, a interposição de recursos meramente protelatórios às instâncias superiores, uma vez que a publicação do acórdão condenatório recorrível, doravante, interromperá o prazo prescricional, zerando-o novamente. Sabemos que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, tem prevalecido o entendimento de que o acórdão confirmatório da condenação de primeira instância não é causa interruptiva da prescrição, justamente por conta da ausência de expressa previsão legal. A presente proposição, nesse sentido, contribuirá para dirimir os conflitos de interpretação, consolidando a posição mais razoável, de que o acórdão confirmatório da sentença recorrível também interrompe o prazo da prescrição intercorrente. Note-se bem que a interrupção da prescrição dar-se-á pela simples condenação em segundo grau, seja confirmando integralmente a decisão monocrática, seja reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta. Assim, diminuir-se-ão as possibilidades de ocorrência da prescrição intercorrente pela estratégia de interposição dos Recursos Extraordinário e Especial, posto que a contagem do prazo prescricional será renovada a partir do acórdão condenatório, qualquer que seja a pena fixada pelo tribunal. Acrescente-se que não se pode desconsiderar o “efeito substitutivo” das decisões passíveis de reforma no âmbito recursal (arts. 1.008 do CPC/2015 e 512 do CPC/1973). Conforme bem destacado pelo Ministro MARCO AURÉLIO na decisão em que apreciou o pedido de liminar, na parte em que cita excerto de voto proferido no julgamento do RE 751.394/MG (Vol. 33 – fls. 3-4): A única colocação que faço é a seguinte: a sentença existe como título condenatório? Não. Ela foi substituída, a teor do disposto no artigo 512 do Código de Processo Civil – aplicável, subsidiariamente –, pelo acórdão. O que se executará será o acórdão e não a sentença. Por isso, a meu ver, a Lei nº 11.596/2007 apenas explicitou, no inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o acórdão como fator interruptivo da prescrição, que poderia ser impugnado, como o foi. Estamos diante de recurso extraordinário. Não sei se houve a protocolação também do especial para o Superior Tribunal de Justiça. Por isso, penso que não cabe desprezar o acórdão como fator interruptivo.”
Em seguida, cita o Ministro o entendimento de Frederico Marques: “Na apelação plena, a decisão de segundo grau substituirá a decisão apelada (cf. Código de Processo Civil, art. 825). Donde concluir-se que a decisão do juízo ad quem, na apelação, ‘è l’unica sentenza che decide la causa’, ainda que confirme a sentença apelada, pouco importando que o acórdão emanado do juízo do recurso adote iguais fundamentos aos da sentença recorrida” (Elementos de Direito Processual Penal – Volume IV, 2. ed., Campinas: Millenium, 2000, pp. 268-269; anota-se que o dispositivo legal mencionado é do CPC de 1939, todavia reproduzido nos diplomas processuais que o sucederam – art. 512 do CPC/1973 e art. 1.008 do CPC/2015).
Finaliza, portanto, afirmando que: “Ainda, tendo em conta que o denominado “acórdão confirmatório da condenação” se configura formal e materialmente como ato condenatório, PAULO QUEIROZ assim arremata os motivos pelos quais ele interromperá a prescrição: Primeiro, porque esta lei [Lei 11.596/2007] não faz distinção entre acórdão condenatório e confirmatório da sentença condenatória, distinção que é própria da decisão de pronúncia, por outras razões; no particular a distinção é arbitrária, portanto. Segundo, porque o acórdão que confirma a sentença condenatória a substitui. Terceiro, porque este acórdão é tão condenatório quanto qualquer outro. Quarto, porque a distinção implicaria conferir a este acórdão efeito próprio de absolvição. Quinto, porque não faria sentido algum que o acórdão que condenasse pela primeira vez interrompesse o prazo prescricional e o acórdão que mantivesse a condenação anteriormente decretada não dispusesse desse mesmo poder. (Curso de Direito Penal – Parte Geral, 9. ed., Salvador: JusPodivm, 2013, p. 609). Por esses fundamentos, afasto a prescrição.”
Vale a menção de que Alexandre de Moraes já defendia a possibilidade de interrupção do prazo prescricional pelo acórdão confirmatório com base na ausência de inércia estatal, que justifica a prescrição, conforme entendimentos exarados no RE 1.182.718/RS, publicada em 11/2/2019; ARE 1.176.486/RS, publicada 1º/2/2019; e ARE 1.109.110, publicada em 4/2/2019.
O Ministro Luís Roberto Barroso também assim entendia, conforme se observa na redação do acórdão no ARE 1.130.096-AgR: “EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRARDINÁRIO COM AGRAVO. RECURSO QUE NÃO ATACA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE INTERROMPE O CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. 1. A parte agravante nas razões do recurso não se desincumbiu do seu dever processual de desconstituir especificamente os fundamentos da decisão agravada. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é firme no sentido de que o acórdão que confirma a sentença condenatória é marco interruptivo do prazo prescricional. Precedentes. 3. Inocorrência de ilegalidade flagrante ou abuso de poder que autorize a concessão de habeas corpus de ofício. 4. O STF, no julgamento do ARE 964.246-RG, Rel. Min. Edson Fachin, após reconhecer a repercussão geral da matéria, entendeu que a execução de decisão penal condenatória proferida em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não culpabilidade. Naquela ocasião, o Plenário Virtual do STF não restringiu o alcance da decisão apenas aos condenados a penas privativas de liberdade não substituídas. 5. Agravo interno não conhecido. (ARE 1.130.096-AgR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Relator para o acórdão, Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, Dje 14/9/2018).”
Veja-se, abaixo, o acórdão proferido no Habeas Corpus 176.473/RR, em fevereiro, antes da finalização do julgamento pelo Plenário:
“Plenário iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute se o acórdão confirmatório da sentença condenatória interrompe a prescrição. A impetração requer a concessão da ordem, para declarar extinta a punibilidade do paciente, condenado pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput, c/c art. 40, I), ante a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. Enfatiza que o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal (TRF) não pode ser considerado marco interruptivo da prescrição, pois a apelação foi desprovida, tendo sido confirmada a sentença condenatória em todos os seus termos. O ministro Alexandre de Moraes (relator) denegou a ordem, por não vislumbrar constrangimento ilegal, no que foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Marco Aurélio. Segundo o relator, somente há se falar em prescrição diante da inércia do Estado. O art. 117 do Código Penal (CP) (1), o qual deve ser interpretado de forma sistemática, elenca todas as causas interruptivas da prescrição, ou seja, que demonstram que o Estado não está inerte. Relativamente ao inciso IV do art. 117, o CP não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório confirmatório da decisão, nem seria razoável fazê-lo. Nessa segunda hipótese – acórdão condenatório confirmatório da decisão de primeira instância – o Estado juiz reanalisa a decisão condenatória ante a provocação da própria defesa. Se o faz dentro do prazo legal, seja mantendo, aumentando ou reduzindo a pena anteriormente imposta, há atuação, e não inércia estatal. Portanto, deve o prazo prescricional ser interrompido para o cumprimento do devido processo legal. Pontuou que a Lei 11.596/2007, ao alterar a redação do inciso IV do art. 117 do CP, corroborou esse entendimento e serviu para dirimir qualquer dúvida interpretativa. A nova redação acrescentou ao termo “sentença condenatória”, como fator de interrupção dessa prescrição, a expressão “acórdão condenatório”. Tratou-se de opção política-legislativa direcionada ao combate à criminalidade, que confirmou jurisprudência da Primeira Turma, que já entendia o anterior vocábulo como gênero das espécies “sentença” e “acórdão”. O propósito da modificação emerge, inclusive, da leitura da Justificação do Projeto de Lei 401/2003, que culminou na edição da Lei 11.596/2007. Pretendeu-se evitar a interposição de recursos meramente protelatórios às instâncias superiores, uma vez que a publicação do acórdão condenatório recorrível interrompe o prazo prescricional, zerando-o novamente. Além disso, esclareceu-se que a interrupção da prescrição se dá pela simples condenação em segundo grau, seja confirmando integralmente a decisão monocrática, seja reduzindo ou aumentando a pena por ela anteriormente imposta. O relator observou, também, que não se pode desconsiderar o “efeito substitutivo” das decisões passíveis de reforma no âmbito recursal. O que será executado, a partir do trânsito em julgado, é o acórdão condenatório, ou seja, os termos da decisão definitiva de mérito de segundo grau. Em divergência, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu a ordem para declarar extinta a punibilidade do paciente em face da prescrição operada nos autos, com fundamento no art. 117, IV, do CP. No mesmo sentido, votou o ministro Gilmar Mendes. Para o ministro Lewandowski, o acórdão que confirma a condenação de primeiro grau ou diminui a reprimenda imposta na sentença não substitui o título condenatório, porque tem uma natureza meramente declaratória de uma situação jurídica anterior. A causa de interrupção prescricional prevista no inciso IV do art. 117 do CP refere-se a acórdão condenatório, cuja compreensão hermenêutica mais adequada não abarca o acórdão confirmatório do édito condenatório proferido em primeira instância. Asseverou que a interpretação extensiva do referido dispositivo, ao arrepio da legalidade estrita e da finalidade do instituto da prescrição, afronta o direito fundamental do acusado de ser julgado em tempo razoável. Em seguida, o ministro Dias Toffoli pediu vista dos autos. (1) CP: “Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se: I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa; II – pela pronúncia; III – pela decisão confirmatória da pronúncia; IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena; VI – pela reincidência.” HC 176473/RR, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 5.2.2020. (HC-176473)”.
Em 27 de abril de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 176.473/RR, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, fixou a seguinte tese: EMENTA: HABEAS CORPUS. ALEGADA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO PELO ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. 1. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado; prendendo-se à noção de perda do direito de punir por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 2. O Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial ou confirmatório da decisão para fins de interrupção da prescrição. O acórdão que confirma a sentença condenatória, justamente por revelar pleno exercício da jurisdição penal, é marco interruptivo do prazo prescricional, nos termos do art. 117, IV, do Código Penal. 3. Habeas Corpus indeferido, com a seguinte TESE: Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta.”
O recurso interposto pela Defensoria Pública da União reiterava a sua tese extintiva da punibilidade com base nos seguintes argumentos: (a) à época dos fatos (17/4/2015), o paciente tinha 20 anos de idade; portanto, o prazo de prescrição deve ser reduzido de metade (art. 109, V, c/c art. 115, ambos do do Código Penal); (b) a sentença condenatória foi proferida em 13/4/2016; (c) tendo em conta a pena em concreto e o lapso de 2 anos, a contar do último marco interruptivo (publicação da sentença), a prescrição da pretensão punitiva se deu em 13/4/2018. Enfatiza que o acórdão proferido pelo TRF1 não pode ser considerado marco interruptivo da prescrição, pois a despeito da interposição de recurso de apelação pela Defesa, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região não proveu do apelo e chancelou a sentença condenatória, confirmando integralmente os seus termos.
Em Agravo Regimental, sustentou que “a situação observada nestes autos lança luz sobre um dos importantes desafios a serem enfrentados pelo Poder Judiciário com vistas a melhorar a prestação jurisdicional: a falta de segurança jurídica resultante de entendimentos divergentes sobre questões idênticas. Afirma que, no caso concreto, a e. Primeira Turma dessa Corte, tal como destacado na decisão ora agravada, de fato entende que o acórdão que confirma a condenação proferida em primeira instância interrompe a prescrição. [...]. O mesmo entendimento, todavia, não é seguido pela Segunda Turma dessa e. Corte, situação configuradora de profunda insegurança jurídica ao jurisdicionado”.
No acórdão em análise, por sua vez, o relator citou o entendimento de Damásio de Jesus: “a prescrição é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem o seu exercício” (Código Penal Anotado, 23ª ed., Saraiva, 2016, p. 417).” Cita, também, o professor Rogério Greco, que leciona: ““Por acórdão condenatório recorrível, podemos entender aquele confirmatório da sentença condenatória de primeiro grau ou o que condenou, pela primeira vez, o acusado (seja em grau de recurso ou mesmo como competência originária do Tribunal). Com a Lei nº 11.596, e 29 de novembro de 2007, a dar nova redação ao inciso IV do art. 117 do Código Penal, não fez qualquer distinção, vários acórdãos sucessivos, desde que recorríveis, podem interromper a prescrição” (Curso de Direito Penal – Parte Geral. 14 ed. Vol. I. Impetus, p. 736).”
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por sua vez, em decisão exarada pelo 2º Grupo de Câmaras Criminais na revisão criminal nº 0040850-33.2019.8.19.0000 entendeu pela possibilidade de reconhecimento do acórdão confirmatório como segundo marco interruptivo da prescrição: “EMENTA. REVISÃO CRIMINAL. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXTORSÃO. QUADRILHA. NOVA APELAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Na hipótese em tela o primeiro marco interruptivo da prescrição se deu com a publicação do Acórdão condenatório proferido pela E. 5ª Câmara Criminal, ainda que inicial e recorrível, e o segundo com a do Acórdão confirmatório dos Embargos Infringentes. Esta, inclusive, a inteligência do artigo 117, IV, do Código Penal e o posicionamento de nossa Corte Suprema (RE 1226719 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 04/10/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225 DIVULG 15-10-2019 PUBLIC 16-10-2019). 2. Não havendo qualquer vício a ensejar a nulidade - absoluta ou relativa ¿ do feito ou mesmo nenhum elemento fático-probatório capaz de modificar a conclusão do julgado primitivo e não se admitindo que seja utilizada a revisão criminal como se fosse uma segunda apelação, exigindo-se a apresentação, com o pedido, de elementos comprobatórios que desfaçam o fundamento da condenação, o que não ocorreu no caso, o pedido não pode ser acolhido. RECURSO DESPROVIDO.”
Como já anteriormente mencionado, o recurso interposto ao STF foi realizado pelo Ministério Público Federal, sendo certo que há uma orientação da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (Matéria Criminal) que orienta a defesa da tese de que o acórdão confirmatório da condenação interrompe o prazo prescricional.
De acordo com a orientação nº 33, considerando que nos termos do art. 117, IV do Código Penal, com a redação da Lei nº 11.596/2007, o curso da prescrição interrompe-se pela publicação da sentença ou do acórdão condenatório recorríveis; a decisão do STF no HC nº 138.088/RJ já mencionada, cuja ementa é: “HABEAS CORPUS. ALEGADA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE INTERROMPE O CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. 1. A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o acórdão que confirma a sentença condenatória, justamente por revelar pleno exercício da jurisdição penal, é marco interruptivo do prazo prescricional, nos termos do art. 117, IV, do Código Penal. Acrescente-se que a decisão proferida pelo Tribunal em sede de apelação substitui a sentença recorrida, consoante reiteradamente proclamado em nossa legislação processual (art. 825 do CPC/1939; art. 512 do CPC/1973; art. 1.008 do CPC/2015). Entendimento firmado à unanimidade pela Primeira Turma. 2. Manutenção da posição majoritária do STF. No julgamento do HC 126.292/SP (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, DJe de 17/5/2016), o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL concluiu que a execução provisória de condenação penal confirmada em grau de apelação, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência. Esse entendimento foi confirmado no julgamento das medidas cautelares nas ADCs 43 e 44 (julgadas em 5/10/2016), oportunidade na qual se decidiu, também, pelo indeferimento do pedido de modulação dos efeitos. No exame do ARE 964.246 (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 25/11/2016), pelo rito da repercussão geral, essa jurisprudência foi também reafirmada. 3. Habeas corpus denegado” e a prevalência no âmbito do STJ de que (julgadas em 5/10/2016), oportunidade na qual se decidiu, também, pelo indeferimento do pedido de modulação dos efeitos. No exame do ARE 964.246 (Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 25/11/2016), pelo rito da repercussão geral, essa jurisprudência foi também reafirmada. 3. Habeas corpus denegado”, os membros do Ministério Público Federal devem sustentar a tese de que o acórdão confirmatório da condenação de primeira instância, independentemente da manutenção, majoração ou redução da pena imposta, interrompe o curso do prazo prescricional.
Em sustentação oral no julgamento do Habeas Corpus analisado pelo Plenário, Augusto Aras defendeu que não há distinção entre os acórdãos inicial e confirmatório, sendo todos eles interruptivos da prescrição. Afirmou, ainda, que a não interrupção do prazo prescricional no caso seria um atentado ao próprio Direito Penal: “ “A perdurar esse entendimento (de que o acórdão confirmatório não interromperia o prazo prescricional), a ordem e o ordenamento penais seriam rechaçados, pois o sistema prestigia tanto o direito de recorrer da defesa, quanto o direito constitucional da sociedade de ter a pena aplicada no caso concreto, isto é, a concretização do próprio Direito Penal, que não se completa só com a responsabilização do autor do crime, mas depende ainda da aplicação da pena cominada”.
4. CONCLUSÃO
Conforme analisado, a prescrição é uma das principais causas de extinção da punibilidade e uma das maiores garantias do cidadão frente ao poder punitivo estatal. Contudo, em verdadeiro respeito ao princípio da proporcionalidade, haveria de se assegurar ao estado condições mínimas para atuar antes do transcurso do prazo prescricional e uma das principais ferramentas neste sentido é a possibilidade de dito prazo ser interrompido.
Obviamente, todas as causas interruptivas do prazo prescricional estão previstas em lei (art. 117 do Código Penal Brasileiro); de todas, a móvel deste trabalho é a prevista no art. 117, IV de nosso Código Penal, qual seja, a “publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis”.
De acordo com a breve análise realizada neste artigo, houve intensa discussão acerca da possibilidade de utilização do acórdão confirmatório da condenação constituir marco interruptivo ou não da prescrição.
Data máxima vênia, para este autor, soa bastante claro que um acórdão condenatório tanto pode ser entendido como aquele que reforma uma absolvição, ou aquele que mantém uma condenação, ainda que diminua a pena. Pensemos: se um acórdão reforma uma absolvição, o réu está sendo condenado; se um acórdão mantém uma condenação, ainda que diminua a pena, o réu também está sendo condenado. Em um caso e em outro, portanto, estamos diante um acórdão condenatório. Deve-se recordar, ainda, do efeito substitutivo inerente aos recursos, sendo certo que o acórdão – em qualquer dos casos – substituirá a sentença proferida. Assim, entendo que considerar desrespeito ao princípio da legalidade o fato de que um acórdão confirmatório de condenação interromper o prazo prescricional soa bastante desarrazoado e desrespeitoso para com o princípio da proporcionalidade, na faceta da proibição de proteção deficiente.
Insta salientar, ainda, que um dos maiores fundamentos para a existência de prazo prescricional é proteger o cidadão investigado/acusado frente à inércia estatal. Quando o Estado se mantém inerte, deve este ser penalizado com a impossibilidade de punir ou de se executar uma punição: eis a prescrição.
Quando um Tribunal, julgando um recurso, confirma uma condenação imposta pela instância inferior temos que, evidentemente, não se está diante uma postura de inércia estatal, daí porque nem mesmo de longe se está ferindo o fundamento político-criminal do instituto da prescrição.
Assim, seja pelo fato de que um acórdão confirmatório de condenação, ao fim, é um acórdão condenatório ou pelo fato de que um Tribunal, quando confirma uma condenação, não se coaduna com a ideia de um Estado sendo inerte, a interrupção do prazo prescricional é por demais acertada, conforme posição atual do STF e do STJ.
4. REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 24. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal, volume 1: parte geral. 28 ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2007.
STRECK, Lenio Luiz. “Prescrição: Quem é o guardião da lei ordinária? STJ ou STF?”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-fev-13/senso-incomum-prescricao-quem-guardiao-lei-ordinaria-stj-ou-stf. Acesso em 10/04/2020.
JUNIOR, Aury Lopes. ASSAD, Thaise Mattar. “Pode o STF criar uma nova causa de interrupção da prescrição penal?”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-fev-14/limite-penal-stf-criar-causa-interrupcao-prescricao-penal. Acesso em 10/04/2020.
Data da conclusão/última revisão: 17/04/2021
Alexandre Zamboni Lins Filho
Especialista.