A problemática da presunção de violência nos crimes contra os costumes, no caso da ofendida(o) alienada(o) ou débil mental
O presente artigo tem como objetivo tecer algumas considerações acerca da presunção de violência no caso de a (o) ofendida (o) ser alienada (o) ou débil mental.
A presunção de violência nos crimes sexuais, esta prevista na maioria dos Códigos Penais, em face da excepcional preocupação do legislador com determinadas pessoas que são incapazes de consentir ou de manifestar validamente seu dissenso.
No Brasil, a Ordenação Filipina e o Código Criminal do Império de 1.830 não previam a presunção de violência, já o Código de 1.890, previa apenas no caso de menor de 16 anos (art. 272)[1]. Nosso Código vigente adotou uma formula mais extensa, reduz, para efeito de presunção de violência, o limite de idade da ofendida (o) e amplia os casos de tal presunção, conforme preceitua o art. 224 do CP, a saber: “art. 224. Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”.
O que nos importa aqui é a presunção de violência no caso de a (o) ofendida (o) ser alienada (o) ou débil mental.
Fernando Capez preceitua que “É necessário que a vítima seja alienada ou débil mental, a ponto de ter inteiramente abolida sua capacidade de entendimento ou de governar-se de acordo com essa compreensão, sendo necessário que o agente conheça essa circunstância.”[2]
O Douto Prof. Luis Regis Prado demonstra que protege “aqueles que apresentam moléstias psíquicas, sendo esta condição psíquica da vítima, idêntica a dos inimputáveis a que se refere o art. 26 do Código penal, não tendo nenhuma capacidade de discernimento sobre o ato atentatório a sua liberdade sexual.”[3]
A alienação, sendo um conceito bastante amplo, “compreende não só a loucura, isto é, o processo patológico ativo, como também outros casos de processos patológicos estacionários ou crônicos.”[4] O alienado tem suas capacidades mentais comprometidas, a ponto de apresentar deficiências variadas: memória, percepção, associação, imaginação, afetividade, autocontrole etc.”[5] “A alienação impede a pessoa de ter capacidade ética para o ato a que consente, o que também ocorre com a debilidade mental mais grave.”[6]
“A alienação ou debilidade da ofendida deve ser de natureza tal que lhe retire a capacidade de consentimento ou entendimento do ato sexual a que ela é submetida ou levada a praticar.”[7]
“A presunção de violência, em ambos os casos de anomalia mental, está fundamentada na ausência da capacidade de autodeterminação sobre a própria vida sexual, e, por conseguinte, de manifestação de vontade valida.”[8]
“Para a configuração do delito é preciso que agente conheça a enfermidade mental da vítima. A enfermidade deve ser tal que tire do individuo a capacidade de decidir sobre seus atos e, portanto de externar vontade juridicamente valida.”[9]
Ponto importante a ser analisado é que a lei, ao tentar proteger a (o) ofendida (o) alienada (o) ou débil mental, criou um grande problema, ou seja, a pessoa alienada ou débil mental não poder praticar qualquer ato sexual.
De acordo com a lei a pessoa alienada ou débil mental nunca poderá praticar qualquer ato sexual com outra pessoa, posto que, quem praticar algum tipo de ato sexual com ela estará praticando um crime sexual violento, devido a expressa hipótese de presunção de violência. Devendo assim, a pessoa alienada ou débil mental passar toda a sua vida se auto-masturbando, nunca conhecendo os verdadeiros prazeres sexuais. E, além disso, não menos importante, é que, se mulher, nunca poderá ter descendentes e constituir uma verdadeira família.
Na nossa linha de entendimento comunga a douta Luiza Nagib Eluf ao prescrever que, o fato de estarem eles, nos termos de nossa lei, eternamente proibidos de se relacionar sexualmente. Sabe-se que, em muitos casos, apesar de incapacitadas para varias atividades, essas pessoas possuem forte instinto sexual e uma grande necessidade afetiva. O direito ao relacionamento amoroso não lhes pode ser negado, em face de presunção de violência. Em caso de reforma penal, devera a legislação regular diferentemente a matéria, protegendo os alienados e demais prejudicados mentais de abuso e da agressão, mas permitindo de alguma forma, que se relacionem sexualmente, de acordo com as suas necessidades[10].
“A presunção, no caso, é relativa, já que a norma requer que o agente saiba que a vítima sofre doença mental, portanto deve ser aparente, o agente deve percebê-la de pronto.”[11] “Não é suficiente o dolo eventual.”[12]
Se o agente tem conhecimento da debilidade mental ou da alienação e pratica algum ato sexual com a (o) suposta (o) ofendida (o) (houve consentimento por parte desta (e)), não sabendo da proibição do art. 224 do CP, poderá estar amparado por uma causa de exculpação, por erro de direito ou de proibição (sabe o que faz, mas não sabe que é proibido).
“A alienação ou debilidade mental devem ser comprovadas mediante laudo pericial, sob pena de não restar comprovada a materialidade do crime, por se tratar de elementar, a qual integra o fato típico.”[13]
Por derradeiro, vê se que o legislador condenou a pessoa alienada ou débil mental a abstinência sexual permanente, ou seja, criou uma limitação sem saída. Espera-se que alterações efetivas sejam feitas no tocante a esta problemática, sendo este o melhor entendimento.
Notas:
[1] “art. 272. Presume-se commettido com violência qualquer dos crimes especificados neste e no capitulo precedente, sempre que a pessoa offendida fôr menor de 16 anos”.
[2] Capez, Fernando. Curso de direito penal, parte especial. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1, p. 74.
[3] PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial. 3ª ed., rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, v. 3, p. 353-354.
[4] Idem, p. 354.
[5] ELUF, Luiza Nagib. Crimes contra os costumes e assédio sexual. São Paulo: Jurídica Brasileira. 1999, p. 71.
[6] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. 22ª ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2004, v. 2, p. 453.
[7] DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 6ª ed., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 481.
[8] PRADO, Luis Regis. Ob. cit., p. 354.
[9] ELUF, Luiza Nagib. Ob. cit., p. 71.
[10]Cf. Idem, p. 72.
[11] PRADO, Luis Regis. Ob. cit., p. 354.
[12] DELMANTO, Celso. Ob. cit., p. 481.
[13] CAPEZ, Fernando. Ob. cit., p. 74.
(Texto elaborado em 07/2006)
Neemias Moretti Prudente
Pós Graduando em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal e Universidade Federal do Paraná, Bacharel em Direito com Habilitação em Relações do Estado, Membro da Sociedade Brasileira de Vitimologia.