I.   -     INTRODUÇÃO

O agravo é o recurso previsto pela legislação processual brasileira como aquele cabível contra decisões interlocutórias (art. 522 do CPC), entendidas estas todas as decisões proferidas que importem apreciação de questões essenciais ao processo e que possam gerar sucumbência a uma das partes. Contudo, são decisões que não têm o condão de por fim ao processo, circunstância esta que as afasta das sentenças e das demais decisões terminativas, contra as quais são cabíveis Recurso de Apelação (GRECO FILHO, Vicente; “Direito Processual Brasileiro”, p. 306).

Também é importante destacá-las dos despachos de mero expediente. Estes últimos são aquelas “decisões” que simplesmente dão seguimento ao feito, sem importar em “prejuízo” a nenhuma das partes. Trata-se, portanto, de despachos que determinem a remessa dos autos ao Ministério Público ou ao Cartório para adoção de determinada providência. São despachos que não tem qualquer cunho decisório (GRECO FILHO, Vicente; Ob. cit., p. 309).

O artigo 522 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 5.869, de 11.1.1973 (“CPC”), estabelece que as partes poderão interpor agravo contra decisões interlocutórias no prazo de 10 dias. O agravo comporta duas formas de processamento: a retida nos autos e a por instrumento.

II.   -    AGRAVO RETIDO

Este tipo de agravo é interposto diretamente nos autos do processo principal e fica retido, aguardando o julgamento pelo Tribunal competente do eventual recurso de apelação a ser interposto por uma, ou ambas as partes.

O agravo retido é regido pelo artigo 523 do CPC. O agravante apresenta o agravo nos autos do processo principal com o pedido expresso de que o Tribunal o analise por ocasião do julgamento da apelação. E é condição obrigatória de procedibilidade e julgamento do agravo retido o pedido a ser feito pelo agravante, em sua apelação ou em sua resposta à apelação, de que o agravo seja julgado pelo Tribunal (art. 523, § 1º, do CPC). Sem tal pedido, o agravo retido não será conhecido.

O agravo retido foi criado com o objetivo de possibilitar a parte de se insurgir contra decisões interlocutórias, cujo provimento jurisdicional não provoque risco de dano irreparável, ou de difícil reparação, de seu direito. Ou seja, o agravo retido tem por objetivo fazer com que a parte possa recorrer de decisão e, ao mesmo tempo, aguarde o julgamento do seu recurso apenas em momento mais adiante, quando fosse julgado pelo Tribunal competente o recurso de apelação a ser interposto no processo principal (CINTRA PEREIRA, José Horácio; in “Código de Processo Civil Comentado”; coord.: Antonio Carlos Marcato; p. 1573).

Interposto o agravo retido, o juiz de primeira instância pode reconsiderar a decisão agravada, com base nas razões do recurso, conforme o artigo 523, § 2º, do CPC, o que tornará o agravo prejudicado, por perda de objeto. Além disso, vale destacar que o agravo retido, diferentemente do agravo de instrumento, pode ser interposto oralmente, no caso de ter por objeto decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento. Aliás, como se verificará mais para frente, contra decisões proferidas em tais audiências, somente é cabível, em regra, agravo retido (art. 523, § 3º, do CPC).

III.   -  AGRAVO DE INSTRUMENTO

A denominação agravo “de instrumento” advém do fato de que o recurso é remetido ao Tribunal, sem os autos do processo principal, acompanhado de um “instrumento” com cópias das peças que a parte entende convenientes e necessárias (GRECO FILHO, Vicente, Ob. cit., p. 313). Vale destacar, todavia, que o artigo 525 do CPC estabelece um rol de peças obrigatórias que devem, necessariamente, formar o instrumento. Como o recurso é interposto contra decisão interlocutória, o processo prosseguirá sob a jurisdição do juiz de primeiro grau, independentemente dos termos da interposição do agravo

A existência do agravo de instrumento decorre do fato de que a parte, em determinados casos, não pode aguardar que o processo seja remetido à segunda instância para que a sua pretensão seja analisada – se puder, tem a opção do agravo retido –, motivo pelo qual recorre, mediante esse tipo de agravo, ao Tribunal. A fim de agilizar os procedimentos para apreciação deste recurso, o CPC incumbiu ao agravante que forme o instrumento necessários para que o Tribunal analise sua pretensão (art. 524 do CPC).

Por isso, o agravante interpõe um recurso, acompanhado de documentos que formam um instrumento necessário para o convencimento do Desembargador relator, que poderá ensejar a reforma daquela decisão interlocutória que lhe foi desfavorável. Portanto, o fato de a parte interpor o agravo de instrumento diretamente no Tribunal, acompanhado de um instrumento formado por si, tem o condão de agilizar a apreciação do recurso e, conseqüentemente, de sua pretensão.

Por ser o recurso interposto diretamente no Tribunal, o legislador impôs outro ônus ao agravante: apresentar cópia do agravo e informar o juízo de primeiro grau da apresentação do agravo de instrumento (art. 526). Tal determinação se tornou condição de procedibilidade do recurso (STJ, Recurso Especial nº 733228/MS, 1ª Turma , Rel Min. Teori Albino Zavascki, DJ 22.8.2005), sendo favorável a todas as partes da relação processual: (i) à parte agravante, que poderá, mediante a apresentação de cópia do agravo, ensejar a reconsideração da decisão agravada pelo juiz; (ii) à parte agravada, que terá conhecimento da interposição do agravo de instrumento, antes mesmo de ser intimada para respondê-lo; e (iii) ao juiz, que terá a possibilidade de reconsiderar a sua decisão ou de mantê-la, o que reforça, assim, a correta apreciação da questão. Frise-se que, se reconsiderada a decisão agravada, o juiz deverá informar o Tribunal, a fim de que o agravo seja julgado prejudicado, por perda de objeto.

No Tribunal, o agravo de instrumento é distribuído incontinenti a um relator, responsável pela apreciação do preenchimento das condições de procedibilidade, assim como da atribuição de efeito suspensivo ou de concessão de antecipação da tutela recursal (art. 527, caput, do CPC). Com efeito, o artigo 527 do CPC, que será mais bem analisado adiante, estabelece quais são as providências a serem adotadas pelo relator, em caráter liminar. Apenas para adiantar, vale esclarecer que o relator pode (i) negar seguimento liminarmente ao agravo, com base no artigo 557 do CPC; (ii) atribuir efeito suspensivo ao agravo, ou conceder antecipação da tutela recursal requerida; e (iii) converter o agravo de instrumento em agravo retido, se for o caso.

Em relação aos efeitos, vale mencionar que ao agravo de instrumento – assim como o agravo retido – é atribuído efeito devolutivo, em regra (GRECO FILHO, Vicente, Ob. cit., p. 315). Contudo, o relator, conforme o artigo 527, inciso III, do CPC, pode atribuir efeito suspensivo. Isto é, pode determinar que a decisão agravada não produza efeitos até a decisão final do agravo de instrumento.

Além disso, é dada a faculdade ao relator de antecipar os efeitos da tutela recursal pretendida, se o direito buscado estiver na iminência de sofrer dano de difícil reparação ou irreparável. Na verdade, a parte agravante tem que demonstrar em seu recurso que, caso não lhe seja dada a antecipação da tutela recursal, o direito pretendido será lesado. Trata-se, portanto, de uma medida de urgência de natureza muito semelhante à antecipação da tutela do artigo 273 do CPC, ou da medida liminar em Mandado de Segurança.                

Nesse sentido, vale destacar que a interposição de agravo de instrumento não suspende o trâmite do processo principal. O juiz decide por aguardar ou não a decisão final do agravo, dependendo do caso. Mas, em regra, não existe essa determinação. É por isso que, muitas vezes, o agravante busca a atribuição de efeito suspensivo, ou a antecipação da tutela recursal, em seu agravo, a fim de que a decisão agravada não produza efeitos, independentemente do prosseguimento do feito principal. 

Por fim, o artigo 527, inciso II, do CPC, determina que o juiz converterá o agravo de instrumento em agravo retido, nos casos em que estabelece, sendo este um dos principais pontos da última reforma da legislação processual aplicável ao agravo, trazida pela Lei 11.187/05.

IV   -   A LEI 11.187/05 E A NOVA DISCIPLINA DO AGRAVO

(i)        O agravo antes da Lei 11.187/05

Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1939, o agravo somente poderia ser interposto contra determinados tipos de decisões interlocutórias, já sendo prevista naquela época a possibilidade de interposição do Agravo por instrumento, o qual é apreciado de imediato pelo Tribunal, ou sob a forma retida, em que o recurso é interposto nos próprios autos do processo principal, sendo apreciado somente quando o Tribunal vier a julgar o eventual Recurso de Apelação a ser interposto naquele processo.

O atual CPC, todavia, estendeu o cabimento do Agravo, a fim de possibilitar que tal recurso passasse a ser cabível contra toda e qualquer decisão interlocutória a ser proferida nos autos do processo.

De acordo com as regras vigentes para o agravo naquela época – e que perduraram até 1995 –, a parte poderia, ao interpor o recurso, optar se aquele deveria ser procedido por instrumento ou de forma retida. Com efeito, a antiga redação do artigo 522 do CPC autorizava expressamente a parte a definir se seu agravo deveria ficar retido nos autos ou se deveria ser remetido ao Tribunal de imediato, a fim de que fosse apreciado antes da subida do processo principal (agravo de instrumento).

As primeiras alterações substanciais sofridas pelas normas que disciplinavam o agravo vieram com a publicação da Lei 9.139/95. As mudanças mais significativas estão atreladas ao agravo de instrumento, uma vez que foram alteradas a forma de cabimento e de formação do aludido “instrumento”.

Antes da edição da referida Lei, o agravo, fosse na forma retida, fosse na forma de instrumento, era interposto em primeira instância, sendo que, no caso do agravo de instrumento, caberia ao Cartório trasladar as peças requeridas pelo agravante na petição do Recurso, assim como caberia ao Juízo de primeira instância promover a intimação do agravado para responder o recurso. Só então é que o agravo seria remetido ao Tribunal competente para julgá-lo.

Com a Lei 9.139/95, o agravo de instrumento passou a ser interposto diretamente no Tribunal, sendo dever da parte agravante apresentar determinadas peças obrigatórias, assim como sendo sua faculdade apresentar outros documentos que entendesse importante para a correta apreciação do seu recurso (arts. 524 e 525 do CPC). O recurso deveria ser distribuído a um relator de forma incontinente, o qual analisaria os pressupostos objetivos de admissibilidade do agravo e daria seguimento ao novo processo que se formaria, seja com a apreciação de eventual pedido de medida de urgência, seja com a intimação da parte agravada.

Portanto, o instrumento passou a ser de incumbência da própria parte, o que acabou por terminar com o problema da morosidade das providências a serem adotadas pelo Cartório do juízo de primeira instância. Por outro lado, obrigou as partes a terem grande atenção com tal obrigação, uma vez que, a eventual falta de uma das peças tidas como obrigatórias pelo artigo 525 do CPC com a redação dada pela Lei 9.139/05 ensejava o não conhecimento do recurso pelo Tribunal.

A partir da referida Lei, também se passou a exigir que a parte agravante informasse, no prazo de três dias, o juízo de primeiro grau da interposição do agravo no Tribunal (artigo 526 do CPC). Quando trazida pela Lei 9.139/95, essa norma tinha a nítida e exclusiva intenção de permitir ao juiz da causa reconsiderar a decisão agravada, diante do agravo interposto, assim como de fazer com que a outra parte tomasse conhecimento do agravo interposto no Tribunal. Depois de 2001, tal providência passou a ser providência obrigatória para a parte agravante, sob pena de não conhecimento do recurso (conforme jurisprudência do STJ já mencionada).

A Lei 9.139/95 ainda trouxe provimentos que poderiam ser tomados pelo Desembargador relator do Agravo interposto, tão logo recebesse o agravo de instrumento. O artigo 527 do CPC listava quais os possíveis despachos liminares que poderiam ser prolatados pelo relator, sendo esses os seus respectivos conteúdos decisórios: (i) indeferimento liminar do agravo (art. 557 do CPC); (ii) requisição de informações ao juiz da causa; (iii) atribuição de efeito suspensivo ao recurso; e (iv) intimação do agravado para responder ao recurso e facultando-lhe a possibilidade de apresentar documentos novos, distintos dos apresentados pelo agravante.

Contudo, as reformas não terminaram em 1995. Com efeito, em 2001, foi editada a Lei 10.352/01 que trouxe diversas alterações ao CPC, sendo que, a despeito de ter causado mudanças menos significativas para o agravo, começou a demonstrar a tendência do legislador de tentar reduzir o número de agravos de instrumento, de forma a diminuir o volume de processos do Poder Judiciário, especialmente dos Tribunais.

Nesse sentido, a alteração mais significativa veio com a nova redação do artigo 523, § 4º, do CPC, que trata do agravo retido. Com efeito, a Lei 10.352/01 ampliou o rol de hipóteses em que seria cabível o agravo apenas em sua modalidade retida, restringindo, mais um pouco, portanto, o recurso na sua modalidade de por instrumento.

A nova redação do artigo 523, § 4º, do CPC, estabelecia que não só as decisões proferidas posteriormente à sentença – com exceção daquelas que não admitissem o recurso de apelação que apreciassem os efeitos em que a apelação é recebida – seriam passíveis exclusivamente de agravo retido, mas que assim também o seria para as decisões proferidas nas audiências de instrução e julgamento. Por outro lado, criou-se a exceção de que, para as decisões proferidas após a sentença em que houvesse dano de difícil e de incerta reparação, o agravo poderia ser de instrumento.

A Lei 10.325/01 tornou obrigatória a informação pela parte agravante, ao juízo de primeira instância, sobre a interposição de agravo de instrumento no Tribunal, sob pena de não conhecimento do recurso (art. 526, parágrafo único, do CPC). Tal medida, nunca é demais lembrar, é também interessante para a própria parte agravante, uma vez que o juiz de primeiro grau, diante de todos os argumentos e fatos trazidos em seu agravo, o qual deve ser levado, mediante cópia, para os autos do processo principal, poderá reconsiderar sua decisão.

Vale destacar, nesse ponto, que o não cumprimento do artigo 526 do CPC deve ser comprovado pelo agravado nos autos do agravo de instrumento, no Tribunal. Se não houver tal comprovação, o agravo será conhecido e julgado, a despeito de tal requisito ter sido cumprido ou não. Ainda cabe mencionar que há grande parte da doutrina que entende que o não cumprimento do artigo 526 do CPC não poderia, necessariamente, levar ao não conhecimento do recurso (CINTRA PEREIRA, José Horácio, Ob. cit., 1576). No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) já pacificou seu entendimento de que, se não atendido ao que dispõe aquele dispositivo, o agravo não pode ser conhecido. Confira-se:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ART. 526 DO CPC. DESCUMPRIMENTO POSTERIOR À LEI 10.352/01. INADMISSÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adotou, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta. 2. Após a vigência da alteração promovida pela Lei n. 10.352/2001, o procedimento previsto no art. 526 do CPC não representa uma faculdade, mas sim uma obrigação para o agravante, e seu descumprimento constitui  motivo legal para o não conhecimento do agravo de instrumento. Precedente: AGMC 8961/MS, 1ª T., Min. Teori Zavascki, DJ de 22.11.2004. 3. Recurso especial provido.” (Recurso Especial nº 733228/MS, 1ª Turma , Rel Min. Teori Albino Zavascki, DJ 22.8.2005)

Entretanto, as alterações mais significativas trazidas pela Lei 10.325/01 dizem respeito ao artigo 527 do CPC, que trata das providências a serem adotadas pelo relator do agravo. As mudanças mais importantes são aquelas trazidas nos incisos II e III do referido dispositivo. O primeiro autoriza – note-se a faculdade – o relator do agravo de instrumento a convertê-lo em agravo retido e determinar sua remessa à primeira instância, a fim de aguardar o julgamento do eventual recurso de apelação a ser interposto nos autos principais.

O inciso III, por sua vez, passou a permitir que o relator conceda a medida de urgência requerida em primeira instância mediante concessão de antecipação da tutela recursal. Tal dispositivo visava acabar com o mandado de segurança contra decisão do juiz de primeiro grau que indeferia medida liminar ou antecipação de tutela, assim como a controvérsia relativa ao efeito “ativo” que era concedido pelo relator aos agravos de instrumento, como forma de antecipar a concessão da tutela pretendida no recurso. A partir de 2001, o relator passou a estar expressamente autorizado a antecipar a tutela pretendida no recurso – e, por vias tortuosas, dar a medida de urgência requerida em primeira instância e denegada pelo juiz – nos autos do próprio agravo de instrumento, mediante a antecipação da tutela recursal (art. 527, inciso III, do CPC).

(ii)       O agravo após a Lei 11.187/05

Depois da reforma de 1995, em que a interposição do agravo de instrumento passou a ser mais célere, já que o seu protocolo era feito diretamente no Tribunal, tal recurso começou a ser utilizado em demasia nos processos. Sendo praticamente toda decisão passível de agravo de instrumento, as partes passaram a interpor um elevado número de recursos, contra quaisquer decisões interlocutórias (RODRIGUES NETTO, Nelson; “Recurso de Agravo: Generalização de sua Interposição sob a Modalidade Retida”, in Revista Dialética de Direito Processual, vol. 33, p. 80).

Além da celeridade da interposição do agravo de instrumento, outros fatores contribuíram para que tal recurso passasse a ser muito utilizado. O primeiro era a possibilidade de o recurso receber efeito suspensivo ou efeito “ativo” – que se tornou a antecipação da tutela recursal a partir de 2001 –, o que fazia com que a decisão de primeira instância deixasse de produzir efeitos ou mesmo que a parte obtivesse o provimento jurisdicional em sede de agravo (art. 527, inciso III, do CPC). O segundo era o fato de que deixou de serem exigidas custas judiciais para a interposição do recurso. Ou seja, agravar passou a ser uma providência “barata” e que poderia gerar efeitos muito rápidos, benéficos às partes.

Tais circunstâncias, contudo, fizeram com que os Tribunais recebessem muitos agravos de instrumento, de forma a retardar o julgamento das apelações e das causas originárias dos Tribunais.

Por conta disso, o legislador passou a alterar as normas relativas ao agravo de instrumento, de modo a dificultar a sua interposição, com o claro objetivo de diminuir a demanda e o volume processual dos Tribunais. A Lei 10.352/01 deu início a essa reforma do recurso do agravo ao estender as hipóteses em que o agravo seria obrigatoriamente interposto sob a forma retida, assim como ao aumentar o rol de casos em que o relator poderia negar seguimento liminarmente ao agravo de instrumento. Tal providência, ainda que não tenha um objetivo direto de reduzir o ímpeto das partes de apresentarem tal recurso, tem como condão tornar mais célere o rito do agravo, além de, ainda que indiretamente, inibir a interposição do recurso em casos em que é manifestamente incabível.

Outra providência, a qual foi adotada pela grande maioria dos Tribunais, foi a de restabelecer a obrigatoriedade do pagamento de custas para que o agravo de instrumento pudesse ser interposto – frise-se que tal exigência não se estende ao agravo retido (art. 522, parágrafo único, CPC).

Entretanto, as medidas mais drásticas vieram com a edição da Lei 11.187/05, que inverteu a prevalência da sistemática do agravo por instrumento como regra geral, para estabelecer que, a partir de 20.1.2006, o agravo retido passou a ser a regra, sendo o agravo de instrumento cabível apenas nos casos em que haja perigo real de dano para o direito da parte (art. 527, inciso II, do CPC).

A partir de agora, a parte tem que demonstrar, preliminarmente na petição do recurso, que a decisão agravada pode lhe causar lesão grave e de difícil reparação, além de ter necessariamente que fazer pedido expresso de que o recurso seja processado por instrumento. Sem tal demonstração e sem o pedido, o agravo interposto será recebido na forma retida e somente será apreciado quando do julgamento da apelação a ser interposta no processo principal (art. 527, inciso II e parágrafo único, do CPC).

Os únicos casos em que o agravo de instrumento é regra, não sendo necessária qualquer demonstração acerca da ocorrência ou iminência de lesão, são nas hipóteses de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida (arts. 522 e 527, inciso II, do CPC). Aliás, cabe destacar que, em relação a essas duas últimas hipóteses, a Lei 11.187/05, confirmou o que estabelecia a antiga redação do artigo 523, § 4º, do CPC, dispositivo este que foi revogado pela Lei 11.187/05, uma vez que se tornou desnecessário, já que o agravo retido passou a ser a regra.

A justificativa para essa ratificação é clara. De pouco adianta a decisão que atribuir efeitos à apelação ser revista apenas quando do julgamento da apelação. Considerando a morosidade dos julgamentos nos Tribunais, seria ilógico impedir que as partes busquem suspender ou não os efeitos da sentença, tão logo o recurso de apelação seja interposto.

Quanto à decisão que não admitir apelação ser passível de agravo de instrumento, e não de agravo retido, a explicação para essa determinação do legislador é evidente. Se a apelação não foi admitida, os autos não serão remetidos ao Tribunal e, portanto, não haverá julgamento dos agravos que estiverem retidos nos autos. É forçoso, assim, que neste caso o agravo cabível seja o de instrumento, a fim de não tornar inútil a interposição do recurso, bem como de permitir à parte que tenha a decisão revista pelo Tribunal.

A outra alteração significativa do artigo 527 refere-se à impossibilidade de as partes obterem a reforma das decisões proferidas pelo relator que (i) converter o agravo de instrumento em agravo retido; e (ii) atribuir efeito suspensivo ou conceder antecipação da tutela recursal. Com efeito, a nova redação do parágrafo único do artigo 527 estabelece que as decisões mencionadas somente serão passíveis de reforma quando do julgamento do agravo, salvo no caso em que o próprio relator a reconsiderar.

Isto é, tal dispositivo buscou vedar a interposição do agravo interno que tenha por objetivo remeter à Câmara ou á Turma do Tribunal a decisão que converteu o agravo de instrumento em agravo retido, assim como a decisão que atribuiu efeito suspensivo ao recurso ou concedeu antecipação da tutela recursal. Outra medida que, claramente, tem por escopo diminuir o ímpeto recursal das partes, uma vez que o agravo interno – entende-se por agravo interno aquele previsto no artigo 557, § 1º, do CPC, ou previsto nos regimentos internos dos Tribunais e que tem dois objetivos simples: (i) forçar o relator a reapreciar a questão e, eventualmente, reconsiderar sua decisão; e, principalmente, (ii) remeter questão que foi julgada singularmente pelo relator para a Câmara ou Turma do Tribunal – é outro recurso muito difundido nos Tribunais.

A Lei 11.187/05 ainda trouxe outras alterações, de menor relevância, à sistemática do agravo. A primeira diz respeito à interposição oral de agravo retido nas audiências de instrução e julgamento. Conforme a nova redação do artigo 523, § 3º, do CPC, “das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante”.

(ii.a)    O agravo retido como regra geral

A principal alteração gerada pela Lei 11.187/05 diz respeito ao fato de que o agravo sob a forma retida tornou-se regra geral no processo civil brasileiro. O legislador já havia manifestado essa vontade ao editar a Lei 10.352/01, que, apesar de ainda manter o agravo de instrumento como aquele que prevaleceria como recurso a ser usado contra as decisões interlocutórias, passou a estabelecer hipóteses específicas em que as partes teriam, forçosamente, de interpor agravo retido.

O novo artigo 522 do CPC, corroborado pelo que dispõe o artigo 527, inciso II, do mesmo Código, não deixa dúvidas de que contra decisões interlocutórias cabe, via de regra, agravo sob a forma retida. O agravo de instrumento somente pode ser interposto em determinadas situações, quais sejam, “quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento” (art. 522 do CPC).

Caso não esteja preenchido uma das três situações impostas pelo artigo 522 do CPC como sendo casos de agravo de instrumento, o relator para quem foi distribuído o recurso deverá – não se trata mais de uma faculdade – converter o agravo de instrumento em agravo retido e determinar a remessa dos autos para primeira instância, a fim de que o agravo fique apensado nos autos principais. Com isso, o recurso só será julgado quando da apreciação da apelação, isto se a parte agravante requerer expressamente em sua apelação, ou em sua resposta à apelação interposta.

Já analisamos os motivos pelos quais o legislador manteve o agravo de instrumento contra decisões que não admitam recurso de apelação, ou que tratem dos efeitos em que aquele recurso for recebido. Ora, nesses casos, o agravo retido não teria qualquer função, o que não deixa qualquer alternativa ao legislador, senão a de autorizar que o agravo, nesses casos, seja processado como sendo de instrumento.

A grande dúvida está na terceira hipótese, qual seja, nos casos em que a decisão puder gerar lesão grave e de difícil reparação ao direito da parte. A legislação processual não conceitua o que seja “lesão grave e de difícil reparação” para fins de cabimento de agravo de instrumento – aliás, tal conceito não existe na legislação processual seja para que fim for –, o que nos obriga a seqüestrar o conceito e a idéia criada pela doutrina e pela jurisprudência para o periculum in mora da medida liminar, ou para o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, da tutela antecipada (CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José; As Recentes ‘Modificações no Agravo’, in Revista Dialética de Direito Processual. Vol. 33, pp. 67-68).

Está claro que para que a parte obtenha êxito no processamento de seu agravo de instrumento, terá de comprovar que a decisão impugnada, se mantida em seus termos, ensejará dano a direito seu, o qual tornará ineficaz o provimento jurisdicional concedido ao final. Trata-se, portanto, da demonstração de risco de perecimento de direito, caso nenhuma medida seja adotada pelo Tribunal.

Ora, então essa nova condição de procedibilidade do agravo de instrumento (RODRIGUES NETTO, Nelson; Ob. cit., p. 81) se confunde, e muito, com um dos requisitos para que seja concedida a antecipação da tutela recursal no agravo, ou para que lhe seja atribuído efeito suspensivo. Afinal, para que tais medidas sejam concedidas, a demonstração do risco de perecimento de direito é necessárias, acompanhada da demonstração da plausibilidade do direito requerido. Essas são duas condições indissociáveis para a concessão de medida de urgência no processo civil brasileiro: que o direito buscado pela parte, ainda que não esteja comprovado, é plausível, factível e que, se a medida não for concedida, esse seu direito será lesado de forma inadmissível.

Portanto, se atendida a lei da forma como prescrita, o relator que admitir o agravo sob a forma de instrumento terá, por conseqüência, que conceder a medida de urgência nele requerida, seja ela de atribuição de efeito suspensivo, seja de antecipação da tutela recursal. Se o agravante comprova que a decisão contestada pode lhe causar lesão de difícil reparação, isto significa que o relator deverá suspender os efeitos dessa decisão, para que tal lesão seja evitada, até a devida apreciação da controvérsia, que se dará no julgamento final do agravo de instrumento. Incoerente, portanto, será a postura do relator que admite o agravo de instrumento, mas nega a medida de urgência (SCHWIND, Rafael Wallbach; O novo perfil do recurso de agravo com as alterações introduzidas pela Lei 11.187/2005, in Revista Dialética de Direito Processual, Vol. 34, p. 124).

A esse respeito, vale transcrever decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que não deixa dúvidas de que os requisitos para a concessão de antecipação da tutela recursal se confundem com aqueles que ensejam o processamento do agravo de instrumento:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. OBTENÇÃO DE DOCUMENTOS PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO JUDICIAL. INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERE LIMINAR REQUERIDA EM AÇAO CAUTELAR PREPARATÓRIA. EFEITO SUSPENSIVO ATIVO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO LIVRE ACESSO À JURISDIÇÃO.

1. Nas hipóteses em que se pretender a obtenção de documentos para a propositura de ação judicial, os prazos previstos em edital de concurso público de provas e títulos não podem ser obstáculo de acesso ao Poder Judiciário, consistindo em ato abusivo a recusa de apresentação ou entrega das provas dos candidatos para lhes possibilitar a possível defesa de direitos ou esclarecimento de situação, por força da prevalência dos princípios constitucionais insertos no art. 5.º, XXXIII, XXXV e LV, da CF/88, em especial o do livre acesso à jurisdição. (Cf. TRF1, RHD 2003.32.00.001663-7/AM, Sexta Turma, Desembargador Federal Souza Prudente, DJ 21/10/2004; REO 90.01.15761-0/DF, Segunda Turma, Juiz Hermenito Dourado, DJ 06/05/1991).

2. Consoante interpretação sistemática dada pelo Superior Tribunal de Justiça aos arts. 527, III, e 558, caput, do CPC, é admissível a atribuição de efeito suspensivo ativo a agravo de instrumento contra decisão de deferimento ou indeferimento de medida liminar ou de tutela antecipada, desde que presentes os requisitos da plausibilidade do direito deduzido e a possibilidade de ocorrência de dano grave ou de difícil reparação. (Cf. STJ, RESP 649.218/RJ, Primeira Turma, Ministro Francisco Falcão, DJ 16/11/2004; AgRg no RMS 12.813/RJ, Primeira Turma, Ministro José Delgado, DJ 17/02/2003; RMS 8.810/AL, Segunda Turma, Ministro Peçanha Martins, DJ 22/03/1999; RMS 8.516/RS, Segunda Turma, Ministro Adhemar Maciel, DJ 08/09/1997; TRF1, AG 1998.01.00.088807-7/GO, Primeira Turma Suplementar, Juiz João Carlos Costa Mayer Soares, DJ 07/04/2005; AG 2003.01.00.011073-9/DF, Segunda Turma, Desembargador Federal Tourinho Neto, DJ 07/11/2003).

3. Agravo de instrumento provido.” (Agravo de Instrumento nº  2003.01.00.033927-6, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. Maria Isabel Galloti Rodrigues, DJ 20.3.2006)

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região também já manifestou o entendimento de que, em sendo plausível o direito e em havendo risco de dano irreparável, ou de difícil reparação, o relator deverá receber o agravo na forma de instrumento e atribuir-lhe efeito suspensivo/ativo:

“MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. DECISÃO QUE DEFERIU EFEITO ATIVO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI N.º 11.187/2005. NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 527, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. CARÊNCIA DA AÇÃO MANDAMENTAL.

- Um exame da Lei n.º 11.187/05 revela que o legislador se preocupou em aliviar a carga dos tribunais, pois fixou a regra do agravo retido (artigo 523, § 3º, e artigo 527, inciso II, CPC), assim protraindo sua apreciação para o futuro, à exceção das poucas hipóteses que prevê (lesão grave e de difícil reparação, inadmissão de apelação e efeitos desta). Da mesma forma, afastou a recorribilidade, no âmbito dos tribunais, quando houver conversão do agravo de instrumento em agravo retido e nas hipóteses em que é deferido ou indeferido efeito suspensivo ao agravo de instrumento. Em conseqüência, abrir-se a via do mandado de segurança nas situações referidas é tornar ineficaz o objetivo da alteração legislativa.

- As alterações legislativas são lógicas e sistemáticas. Os institutos da liminar e da tutela antecipada propiciam ao julgador, em caráter provisório, resolver questões incidentes no curso do processo em que haja a alegação do ‘periculum in mora’. Negadas ou deferidas em 1ª instância, o agravo de instrumento possibilita aos tribunais a revisão do pronunciamento do grau de jurisdição a quo,assim como, sempre em vista do fator urgência, o próprio relator estará autorizado a conceder ou não efeito suspensivo recursal, o que o faz em nome da turma de que é integrante.

- Não se pode confundir a irresignação das partes, que pode nunca ser satisfeita, com uma indefinida multiplicação de meios ou instrumentos para reverter as decisões judiciais provisórias. Hoje, o sistema processual brasileiro dá às partes, em caso de alegação de lesão grave e de difícil reparação, instrumentos específicos. Porém, ao se os esgotarem, não se pode ainda invocar o remédio constitucional do mandamus.

- A função do Poder Judiciário é, basicamente, reconhecer ou não um direito postulado pela parte. Em sede de cognição sumária, ele o faz pelos instrumentos mencionados anteriormente. Afigura-se um sofisma entender que o julgador viole direito líquido e certo quando ele, no exercício da jurisdição, não reconhece direito do postulante. Uma coisa é o direito primário invocado pela parte, outra um pretenso direito líquido e certo derivado de decisão judicial que não reconhece a pretensão da parte.

(...)

- Agravo regimental desprovido.”

A despeito de os fundamentos para a admissão do agravo de instrumento e da concessão da medida de urgência se confundirem, as partes continuam obrigadas a requerer expressamente a antecipação da tutela recursal. Vale lembrar que tais medidas de urgência não podem ser concedidas de ofício, a teor do que dispõe o artigo 558 do CPC. Assim, o agravante terá, necessariamente, que comprovar o risco de lesão ao seu direito e requerer duas coisas distintas: (i) que o recurso seja recebido, processado e julgado como agravo de instrumento; e (ii) a concessão da medida de urgência que lhe convier, seja atribuição de efeito suspensivo ao agravo, seja antecipação da tutela recursal.

Nesse sentido, vale conferir as palavras de NELSON RODRIGUES NETTO:

“Destas alterações, surge a seguinte questão: se o relator admitir o agravo de instrumento, ainda assim é exigível que o agravante tenha que pleitear a concessão do efeito suspensivo ou a antecipação da pretensão recursal, a fim de evitar que a eficácia da decisão provoque a lesão grave e de difícil reparação?

A interpretação literal conduziria a uma resposta positiva já que o art. 558, que serve de fundamentação para a concessão de efeito suspensivo ou do ‘efeito ativo’, exige requerimento do agravante.

A norma está a exigir uma interpretação sistemática, impedindo a possibilidade de contradição lógica e jurídica. Efetivamente, se está demonstrado o cabimento do agravo por instrumento, significa que a decisão recorrida é capaz de causar lesão grave e de difícil reparação, o que somente poderá ser evitado mediante a suspensão de sua eficácia ou de providência positiva suficiente a obstar o dano.

Não vislumbramos qualquer dificuldade para que o relator possa agir, de ofício, com relação à concessão do efeito suspensivo, que nada mais é do que a manutenção da ineficácia da decisão recorrida.

Com relação à antecipação da pretensão recursal, total ou parcial, alguma dificuldade pode se apresentar. Segundo o que nos parece, deverá o relator ater-se aquilo que é objeto do recurso, e determinar qual a providência que se faz necessária para impedir a concretização da lesão grave e de difícil reparação, caso esta já não esteja devidamente delineada pelo agravante.” (Ob. cit., p. 83)

Superada essa questão, cabe-nos enfatizar que esta alteração do CPC acaba por, em princípio, dificultar em muito o processamento do agravo de instrumento. Isto porque, além de haver esta nova “condição de procedibilidade”, a decisão do relator que converter o agravo de instrumento em agravo retido não é recorrível e, praticamente, não é passível de reforma, uma vez que, salvo nos casos em que o relator a reconsiderar, tal decisão somente será alterada por ocasião do julgamento do agravo.

Com efeito, de acordo com a nova redação do artigo 527, parágrafo único, do CPC, trazida pela Lei 11.187/05, as decisões proferidas singularmente pelo relator do agravo de instrumento que converterem tal recurso em agravo retido, ou que atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou conceder a antecipação da tutela recursal, somente poderão ser reformadas no momento em que for julgado o agravo, salvo nos casos em que o relator reconsiderar tal decisão. Ou seja, a lei veda expressamente a interposição do agravo interno contra tais decisões, prática que era comum e permitida até a entrada em vigor da Lei 11.187/05 (SCHWIND, Rafael Wallbach; Ob. cit., pp. 121-122).

Tal dispositivo, todavia, viola o princípio constitucional da colegialidade dos Tribunais, pelo qual toda questão submetida a tais órgãos do Poder Judiciário devem ser passíveis de serem analisadas pelo colegiado. Isto significa que, ainda que sejam admitidas as decisões singulares ou monocráticas, a serem proferidas exclusivamente pelo relator, as partes têm o direito assegurado de que terão a possibilidade de levar a questão à Câmara ou Turma, mediante interposição de recurso no próprio Tribunal (MARIZ DE OLIVEIRA, Angelina. O regime do agravo instituído pela Lei nº 11.187/05, in Revista Dialética de Direito Processual, Vol. 34, pp. 14-15; e SCHWIND, Rafael Wallbach; Ob. cit., pp. 121-122).

Nesse sentido, vale conferir decisão do STJ que confirma tal entendimento, demonstrando o entendimento pacificado daquele Tribunal acerca do direito das partes de interporem agravo regimental contra qualquer decisão do relator. Frise-se que tal decisão foi proferida já na vigência da Lei 11.187/05, apesar de não se referir expressamente a tal diploma:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO CONTRA DECISÃO COLEGIADA. ERRO GROSSEIRO. NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO.

1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte, ‘é cabível a interposição de agravo regimental contra qualquer decisão monocrática de relator de tribunal’, entendimento decorrente ‘do princípio constitucional da colegialidade dos tribunais e do art. 39 da Lei 8.039, de 1990" (AgRg no Ag 556.508/TO, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 30.5.2005; AgRg na MC 6.566/MT, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 1º.9.2003).

2. Por outro lado, nos termos do art. 258, caput, do RISTJ, ‘a parte que se considerar agravada por decisão do Presidente da Corte Especial, de Seção, de Turma ou de relator, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a’. Desse modo, o agravo regimental é cabível contra decisão monocrática, caracterizando erro inescusável que afasta a aplicação do princípio da fungibilidade recursal apresentá-lo contra acórdão proferido por Órgão Colegiado deste Tribunal.

3. Agravo regimental não-conhecido.” (Agravo Regimental no Recurso Especial nº 701734/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 10.8.2006)

A doutrina compartilha desse entendimento, conforme se pode verificar das palavras de EDUARDO TALAMINI[1], para quem “em qualquer caso, a atuação isolada do integrante do tribunal submete-se a uma condicionante para que seja compatível com a Constituição. Terá de existir – sob pena de inconstitucionalidade – mecanismo que permita a conferência , por parte do órgão colegiado, do correio desempenho da atividade delegada. As partes necessariamente terão de dispor de um instrumento que lhes permita levar as decisões individuais do relator ao órgão colegiado. Essa é a forma de verificar se o relator correspondeu, na prática do ato que lhe foi delegado, ao pretendido pelo órgão colegiado.” [“Decisões individualmente Proferidas por Integrantes dos Tribunais: Legitimidade e Controle (Agravo Interno)”, in NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei 10.352/2001; São Paulo : RT, 2002, p.181]

O fato é que o CPC, em diversos dispositivos (arts. 532, 544, 545, 557, etc) cria mecanismos para controlar a delegação ao relator para proferir decisões singulares, de forma a permitir que as partes remetem o caso ao colegiado. E nas hipóteses não abarcadas pelo CPC, os próprios Regimentos Internos dos Tribunais criam tais mecanismos, a fim de que prevaleça, sempre, o princípio do colegiado.

A norma do artigo 527, parágrafo único, do CPC, é uma rara exceção de vedação à aplicação do princípio constitucional da colegialidade dos Tribunais, quando impede que as partes busquem a reforma de decisão singular do relator pelo respectivo colegiado. E, por isso, tal vedação aparenta estar eivada de inconstitucionalidade e de ilegalidade, uma vez que atribui ao relator do caso poderes que, originalmente, não são dele, qual seja, de tomar decisões “definitivas” ao longo de processo que esteja sob a jurisdição de um Tribunal.

Contudo, tal vedação não impede que as partes adotem outros mecanismos para impugnar a decisão do relator. Não há como se afastar a possibilidade de impetração de mandado de segurança contra ato do relator que converter agravo de instrumento e agravo retido, ou que atribuir (ou não atribuir) efeito suspensivo ao agravo de instrumento, ou, ainda, que, conceder (ou não conceder) antecipação da tutela recursal. Esta norma, portanto, obrigam as partes a se socorrerem de mandados de segurança contra decisões proferidas nos termos do artigo 527, incisos II e III, do CPC, medida esta que não é – e nem poderia ser – vedada pela legislação processual (RODRIGUES NETTO, Nelson; Ob. cit., p. 89).

Além disso, vale frisar que, a nosso ver, “irrecorrível” é a decisão que converte agravo de instrumento em retido, não se aplicando na situação contrária, isto é, quando o agravo é recebido por instrumento e o agravado pretender buscar a sua conversão em retido. Contudo, por outro lado, é incoerente imaginar que a Câmara ou a Turma do Tribunal converterá em retido agravo que foi processado por instrumento pelo relator (RODRIGUE NETTO, Nelson; Ob. cit., p. 86). No entanto, é importante fazer a ressalva que o artigo 527, parágrafo único, do CPC, trata especificamente da decisão que converter agravo de instrumento em agravo retido, não se referindo à decisão que receber o agravo de instrumento e determinar o seu processamento.

Outro ponto que merece ser alvo e críticas é o fato de que a possibilidade de a decisão que converter agravo de instrumento em agravo retido ser reformada só quando do julgamento do agravo, é, na verdade, letra morta da lei (CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José; Ob. cit., p. 71). Ora, no futuro julgamento do agravo, já convertido em retido, dificilmente persistirão os fundamentos para que a decisão que determinou a conversão seja revertida. A eventual reforma de tal decisão não gerará quaisquer efeitos úteis, visto que o agravo não poderá se tornar de instrumento, novamente.

Portanto, é evidente que, conforme o desejo do legislador ordinário, a decisão singular do relator que determinar a conversão do agravo de instrumento em agravo retido é definitiva e irrecorrível, sendo possível, no máximo, a sua reconsideração. Nesse sentido, nunca é demais lembrar que o CPC não tem qualquer previsão expressa acerca de pedido de reconsideração. Apesar de prática corriqueira no dia-a-dia forense, tal pedido não encontra fundamento em lei, outro fato que torna ainda mais improvável qualquer alteração na decisão que converter um agravo noutro.

CONCLUSÃO

O legislador buscou restringir as hipóteses em que é cabível agravo por instrumento, de forma a fazer com que prevaleça o agravo retido, para tentar diminuir a demanda de processos no judiciário.

A Lei 11.187/05 torna o agravo retido a regra e o agravo de instrumento a exceção. Isto porque o agravo retido não tramita em apartado do processo principal, o que, em uma análise artificial e objetiva, enseja a redução de feitos no Poder Judiciário. Mas, como visto, as novas disposições do CPC geram impactos que podem levar a uma tendência inversa, com a adoção de outras medidas judiciais que substituam o recurso de agravo, como o mandado de segurança.

A reforma da legislação processual trazida pela Lei 11.187/05, apesar de ter um objetivo nobre de, em última análise, agilizar o trâmite processual no Poder Judiciário, parece não ser a medida correta para que tal propósito encontre êxito. Restringir o cabimento do agravo de instrumento, ou fazer com que o agravo retido prevaleça em relação a ele, não é uma solução hábil a resolver, ou ao menos, iniciar uma tentativa de redução de demanda processual no Poder Judiciário.

Talvez seja cedo para que se faça uma análise mais contundente do que será feito das novas disposições do CPC. A jurisprudência não pôde analisar com mais ênfase as alterações trazidas, sendo que os Tribunais, até o momento, apenas estão se beneficiando da possibilidade de converter agravo de instrumento em agravo retido. Será necessário aguardar para ver como se dará, especialmente pelos Tribunais Superiores, a efetiva aplicação das novas disposições da legislação processual, ou até mesmo para que se assegure a constitucionalidade e a legalidade desta última reforma.

BIBLIOGRAFIA

CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José; “As Recentes ‘Modificações no Agravo’, in Revista Dialética de Direito Processual, Vol. 33, dezembro de 2005, São Paulo : Dialética, 2005; pp. 64-72;

COSTA, José Rubens; “Agravo de Instrumento – Alterações da Lei 10.352/2001, e do novo Código Civil”, in Revista de Processo, Vol. 109, janeiro-março 2003, São Paulo : RT, 2003; pp. 173-186;

GRECO FILHO, Vicente; “Direito Processual Civil Brasileiro”, Vol. 2, 16ª ed., São Paulo : Saraiva, 2003;

HERNANDEZ, José Rubens; “A conversão do agravo de instrumento em retido”, in Revista de Processo, Vol. 109, janeiro-março 2003, São Paulo : RT, 2003; pp. 148-168;

MARCATO, Antonio Carlos (coord.); “Código de Processo Civil Interpretado”; São Paulo : Atlas; 2004;

MARIZ DE OLIVEIRA, Angelina; “O regime do agravo instituído pela Lei nº 11.187/05”, in Revista Dialética de Direito Processual, Vol. 34, janeiro de 2006, São Paulo : Dialética, 2006; pp. 9-17;

RODRIGUES NETTO, Nelson; “Recurso de Agravo: Generalização de sua Interposição sob a Modalidade Retida”, in Revista Dialética de Direito Processual, Vol. 33, dezembro de 2005, São Paulo : Dialética, 2005; pp. 73-90;

SCHWIND, Rafael Wallbach; “O novo perfil do recurso de agravo com as alterações introduzidas pela Lei 11.187/2005”, ”, in Revista Dialética de Direito Processual, Vol. 34, janeiro de 2006, São Paulo : Dialética, 2006; pp. 114-126;

TALAMINI, Eduardo; “Decisões individualmente Proferidas por Integrantes dos Tribunais: Legitimidade e Controle (Agravo Interno)”, in NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei 10.352/2001; São Paulo : RT, 2002;

[1] “Decisões individualmente Proferidas por Integrantes dos Tribunais: Legitimidade e Controle (Agravo Interno)”, in NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de Acordo com a Lei 10.352/2001; São Paulo : RT, 2002, p.181

 

Como citar o texto:

FERREIRA, Fabiana Falcoski.O recurso de agravo e as alterações trazidas pela Lei 11.187/05. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 208. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/1636/o-recurso-agravo-as-alteracoes-trazidas-pela-lei-11-18705. Acesso em 9 dez. 2006.

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