1.Introdução.

                        A reforma do Judiciário se anuncia como proclamadora de novos tempos. Nesse enfoque, com o advento da Emenda 45/2004, emerge uma pontual alteração constitucional que reflete diretamente no processo civil brasileiro, qual seja, a inclusão do inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que, doravante, passou a prever expressamente o princípio da razoável duração do processo entre os direitos fundamentais previstos na Lei Maior.

                        2. Ordem Jurídica Justa em Tempo Razoável e a Sumarização do Processo.

                        Nesse prisma constitucional do processo, vale ressaltar que o direito a uma ordem jurídica justa, como preceito fundamental, já se encontrava inserido, implicitamente, no inciso XXXV do artigo 5º da Carta Magna (garantidor do livre acesso ao Judiciário), o que, por si só, dispensaria a “inovação” trazida pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Ademais, a prestação jurisdicional efetiva e em tempo razoável, já se encontra prevista entre os direitos fundamentais do ser humano (arts. 8.º, 1. e 25, 1., da Convenção  Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica).

                        Assim, o acesso a uma ordem jurídica justa traz implícita a idéia de razoável duração do processo, pois, por se tratar de direito fundamental, alocado entre elementos limitativos positivos da Constituição, desde sempre, traz consigo a idéia de que deverá ocorrer dentro de certa razoabilidade, inclusive, temporal.

                        Em outras palavras, o exercício do direito do jurisdicionado deve ocorrer sem óbices capazes de suplantar seu escopo maior, uma vez que, além de representar um meio de remediar a lesão ao direito, deve resguardá-lo de qualquer ameaça, o que significa evitar, inclusive, a concretização de qualquer lesão (trata-se da idéia de direito processual preventivo, exigência dos novos tempos). Por conseguinte, emerge imprescindível a observância de um lapso temporal razoável, capaz de garantir a tutela jurisdicional com a devida efetividade para cada jurisdicionado.

                        Nesse diapasão, o “novo princípio” estampado no inciso LXXVIII do art.5º da Constituição, em que pese sua relevância para o propósito de embasar expressamente uma reformulação do direito processual civil brasileiro, já se encontrava implícito na garantia de acesso ao Judiciário, eis que, na acepção de uma ordem jurídica justa, a prestação jurisdicional deve ocorrer em tempo razoável para, efetivamente, tutelar os direitos dos destinatários de tal garantia.

                        A inclusão expressa de um princípio de tamanha envergadura no sistema revela a finalidade de necessária modificação de perspectiva do processo civil, em grande parte responsável pelo caos que permeia o sistema atual. No entanto, a realização prática do aludido princípio depende de medidas legislativas somadas a uma nova postura a ser adotada pelos operadores do direito, bem como por toda coletividade. A propósito, alerta Uadi Lamêgo Bulos “O problema está em saber o que significa razoável duração do processo, bem como quais os meios para assegurar a rapidez de seu trâmite. Oxalá o legislador logre o êxito de esclarecer tal ponto”.

(BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal Anotada. Saraiva, 2007, p.397). 

 

                        Trata-se da idéia de sumarização do processo (com fundamento expresso em princípio constitucional) que consiste em técnicas construídas pelo poder legiferante, para o fim de abreviá-lo, tornando-o mais ágil, como é o caso da concepção sincrética de processo.

                        Em síntese, pode-se dizer que as transformações trazidas pela reforma buscam dar maior concretude ao princípio da efetividade do processo, pois de nada adiantaria conceder a tutela jurisdicional ao indivíduo que demonstrou ter razão, se tal provimento se mostrar inócuo, desprovido de efeito devido à demora na efetiva prestação jurisdicional.

                        Ressalta-se que os provimentos mandamental e executivo lato sensu (reconhecidos pela doutrina seguidora da classificação quinária de Pontes de Miranda) já adotam a concepção sincrética de processo, pois, para efetivar o provimento decorrente da atividade cognitiva exercida, dispensam a instauração de processo autônomo, a exemplo do que já ocorria nos interditos possessórios.

                        Em brilhante artigo intitulado - “Cumprimento” e “Execução” de Sentença: Necessidade Esclarecimentos Conceituais-, o professor José Carlos Barbosa Moreira, elucida sobre a adequada intelecção da expressão “processo sincrético”. Confira-se:

“1. O novo “processo sincrético” – Convicção assente nos meios jurídicos é a de que a novidade capital introduzida pela Lei n.º 11.232, de 22.11.05, consiste na junção das atividades jurisdicionais cognitiva e executiva, eliminando-se a diferenciação formal entre o processo de conhecimento e o de execução, ressalvadas as hipóteses do art. 475-N, parágrafo único, do Código de Processo Civil e a de ser devedora a Fazenda Pública. Em vez de dois processos sucessivos, teremos um só, no qual se sucederão, ao longo de duas fases, mais praticamente sem solução de continuidade, os atos de uma e de outra espécie”

(MOREIRA, José Carlos Barbosa. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Magister, n.º 13, 2006, p. 19)

                        Marca disso foi a extinção do processo autônomo de execução de título judicial (Livro II do CPC), ou seja, a chamada execução por quantia certa, fulcrada em título executivo judicial, que foi substituída por uma fase executória dentro do mesmo processo inicial.

                         Por conseguinte, foi criado o instituto do "cumprimento da sentença", inserido como uma fase do processo de conhecimento posterior ao trânsito em julgado, que dispensa a instauração de um novo processo. Ressalta que, apesar de ter sido abolido do Código de Processo Civil o processo autônomo de execução de título executivo judicial (salvo execução de alimentos e contra a Fazenda Pública), o cumprimento de sentença se dará, verdadeiramente, por meio de execução representada pela permanência de métodos coercitivos ainda presentes no cumprimento.

                        Nesse sentido, permanece a idéia de que o jurisdicionado parte do direito (reconhecido por meio de processo de conhecimento) em busca do fato (entrega do bem da vida almejado). Nesse prisma, José Carlos Barbosa Moreira, elucida:

“Raiaria pelo absurdo, note-se, pensar que a Lei n.º 11.232 pura e  simplesmente “aboliu a execução”. O que ela aboliu, dentro de certos limites, foi a necessidade de instaurar-se novo processo, formalmente diferenciado, após o julgamento da causa, para dar efetividade à sentença – em linguagem carnelutiana, para fazer que realmente seja aquilo que deve ser, de acordo com o teor do pronunciamento judicial.”

                        3. Dos Sujeitos de Transformação da Reforma.

                        Nota-se, que as recentes alterações trazem em seu bojo uma verdadeira reformulação conceitual de todo o direito processual civil, o que, por certo, exige uma nova postura de todos os operadores do direito, os quais  proponho denominar sujeitos de transformação.

                        Primeiramente o julgador (Estado-Juiz), ao lado dos demais sujeitos de transformação, se apresenta como peça fundamental para que o alvo desse princípio seja alcançado, o que, nas lições do Ministro da Corte Suprema Carlos Maximiliano, significa dizer:

 “Os juízes, oriundos do povo, devem ficar ao lado dele, e ter inteligência e coração atentos aos seus interesses e necessidades. A atividade dos pretórios não é meramente intelectual e abstrata; deve ter um cunho prático e humano”

“...”

 “Em resumo: é o magistrado, em escala reduzida, um sociólogo em ação, um moralista em exercício; pois a ele incumbe vigiar pela observância das normas reguladoras da coexistência humana, prevenir e punir as transgressões das mesmas.”

(MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação. Forense, 2003, p.51.)

                        Do jurisdicionado em potencial, também sujeito de transformação, noutro passo, após um período de perplexidade diante de novos métodos de cognição (como é o caso da acepção sincrética de processo), se exigirá uma postura pró-ativa, pois, em que pese uma cultura “demandista” dos brasileiros (herança de uma colonização portuguesa), buscar-se-á, com o tempo, a coexistência de uma tutela justa (prestada em tempo razoável) aliada a uma conduta preventiva por parte dos destinatários dela.

                        Nota-se, então, que alguns princípios devem ser observados na busca de uma prestação jurisdicional ideal, aliás, “Nesse signo razoável duração do processo se tem um aceno ao princípio da razoabilidade”. (DA SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. Malheiros, 2007, p.176).

                         É claro que não se pode confundir duração razoável com celeridade a todo custo, sob pena de que ao argumento de uma rapidez exacerbada ponha-se em risco a segurança jurídica, aspecto que deve ser bem observado por todos os operadores do direito e pelos jurisdicionados na condição de destinatários do princípio constitucional e das novas regras processuais que o corroboram. Nesse diapasão, bem observou Luiz Guilherme Marinoni. in verbis:

“A busca de decisões perfeitas bate-se contra a necessidade de respostas rápidas do processo. Se o primeiro objetivo exige tempo, o segundo escopo impõe a restrição desse elemento”

(MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. RT, 2006, p.584.)

                        Ressalta-se que, no caso de haver eventual conflito entre princípios constitucionais, com o fim de se buscar o que deverá ser aplicado no caso concreto, o operador do direito poderá socorrer-se da teoria do sopesamento, fundada no exame da preponderância de cada princípio (Robert Alexy).

                        No contexto de mudanças, emerge ainda mais relevante o papel de toda a sociedade, pois sabe-se da função social do direito perante ela, afinal não há sociedade sem direito (ubi societas ibi jus). Isso decorre da idéia de que a sociedade pressupõe ordem, organização e cooperação entre os indivíduos que a compõe, mas de onde, sem dúvida, podem emanar conflitos, surgindo daí o papel do Estado de promover a harmonia social.

                        4. Conclusão.

                        Sem descuidar da óptica constitucional decorrente da inserção “da razoável duração do processo” que, por sua vez, trouxe supedâneo às reformas processuais (dentro da concepção da verticalidade hierárquica das normas proposta por Kelsen), buscou-se nesse breve estudo analisar a idéia de reforma no processo civil.

                        Nota-se que, com o escopo de promover meios capazes de propiciar a celeridade dos atos processuais e, em via de conseqüência, atender aos princípios do acesso a uma ordem jurídica justa e da razoável duração do processo, o sistema processual civil passa por um momento de providencial inflação legislativa, iniciada em meados dos anos noventa, que culminou na edição das recentes leis 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06, 11.280/06, 11.341/06, 11.382/06, 11.417/06, 11.418/06, 11.419/06, 11.441/07, dentre outras que virão.

                        Sobreleva corroborar, que as alterações no sistema processual alcançam irrefutável argumento em prol de sua plena adequação constitucional, pois encontram, como visto, supedâneo em preceito fundamental esculpido expressamente no artigo 5º da Constituição Federal.

                        5. Bibliografia.

ALEXY, Robert.Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdez. Madrid: Centro de Estúdios Constituicionales, 1997. 

BULOS, Uadi Lamêgo. Constituição Federal Anotada. Saraiva, 2007. 

DOS SANTOS, Ernane Fidelis. As Reformas de 2005 do Código de Processo Civil. Saraiva, 2006. 

DA SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. Malheiros, 2007.

MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. RT, 2006, p.584

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Magister, n.º 13, 2006, p. 19)

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação. Forense, 2003, p.51.

NERY JÚNIOR Nelson, e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado.9 ed. RT, 2006.

WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. Breves Comentários a Nova Sistemática Processual Civil. RT, 2006.

 

Como citar o texto:

SANTANA, Alexandre Ávalo..A reforma processual sob o prisma de um ´novo` preceito constitucional (razoável duração) e a concepção sincrética do processo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 232. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/1779/a-reforma-processual-sob-prisma-novo-preceito-constitucional-razoavel-duracao-concepcao-sincretica-processo. Acesso em 11 jun. 2007.

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