A prescrição é um instituto de direito material regulado pelo Código Civil em seus artigos 189 a 206, em que pese o Código de Processo Civil disponha sobre ela, determinando que o seu reconhecimento ocorra através de decisão judicial. Ela decorre da necessidade social de segurança jurídica. Isso porque ela obsta que um sujeito, detentor de um determinado direito, tenha o tempo que desejar para exercê-lo, dando ensejo a uma instabilidade social.

No entanto, é importante ressaltar que a prescrição não extingue o direito. O que ela fulmina é a pretensão que uma pessoa tem de exercer esse direito. Destarte, o chamado direito de fundopermanece, restando prejudicada a pretensão do seu detentor de exercê-lo.

A configuração da prescrição pressupõe a existência de um direito anterior que não foi exercido durante um período. Assim, o decurso do tempo e a inércia do titular do direito são elementos caracterizadores do instituto em comento.

O reconhecimento de ofício da prescrição é caracterizado pela ausência de alegação da parte que é por ela beneficiada, ou seja, ela é reconhecida pelo juiz sem que haja provocação de qualquer das partes do processo.

A natureza jurídica da prescrição foi alterada após a vigência da Lei n.º 11.280/2006. Antes da entrada em vigor desse ato normativo, ela era considerada uma exceção em sentido material, ou seja, era uma matéria de defesa do réu, e, como tal, dependia de alegação da parte interessada, não podendo ser pronunciada de ofício pelo juiz.

Após o advento da aludida lei, formou-se uma forte corrente que entende ser a prescrição uma matéria de ordem pública, por se tratar de interesse protegido pelo Estado e pela sociedade

O então Ministro José Delgado entendeu desse mesmo modo, no julgamento do REsp n.º 855.525, ao afirmar que a prescrição é matéria de ordem pública, podendo ser decretada de imediato.

No Código Civil de 1.916, a prescrição poderia ser alegada somente pela parte a quem aproveitasse em qualquer grau de jurisdição.

O Código Civil editado em 2002 não traz um conceito de prescrição. Ele a tratou, em seu artigo 189, como um fator da extinção da pretensão, ao dispor que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Referido Códex passou a permitir a pronúncia de ofício da prescrição sempre que beneficiasse o absolutamente incapaz.

A Lei n.o11.280/2006 introduziu o poder-dever do juiz de reconhecer de ofício a prescrição, através da alteração do parágrafo 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil, determinando que “o juiz pronunciará de ofício a prescrição”. Na mesma oportunidade, o artigo 194 do Código Civil de 2002, que determinava que o juiz não poderia suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecesse a absolutamente incapaz, restou expressamente revogado.

Não há precedentes dessa ordem no direito brasileiro. Em nenhuma outra ocasião o ordenamento jurídico pátrio permitiu o conhecimento de ofício da prescrição. Muito pelo contrário, nas codificações civis sempre houve dispositivos que prestigiaram a impossibilidade de reconhecimento de ofício do instituto em estudo.

O mesmo ocorre quando se analisa o direito comparado. Em seus ordenamentos jurídicos, Itália, França, Argentina, Áustria e Canadá, entre outros, vedam expressamente a pronúncia ex officio da prescrição.

Segundo sua exposição de motivos, a Lei n.º 11.280/2006 tinha o intuito de “conferir racionalidade e celeridade à prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa”, e também, “conferir eficiência à tramitação de feitos e evitar a morosidade que atualmente caracteriza a atividade”.

Tal inovação legislativa provocou reações diametralmente opostas na doutrina pátria. De um lado, estavam os defensores da alteração realizada, que entenderam que ela veio a satisfazer dois dos mais importantes princípios regentes do processo civil moderno, quais sejam, a celeridade e a eficiência.

De outro lado, concentravam-se os estudiosos do direito que não concordaram com a novidade legislativa e afirmaram que “o legislador deu ao juiz o poder de conhecer de ofício da prescrição, mas não retirou do devedor a faculdade de a ela renunciar. Isto torna o direito civil brasileiro, em matéria de prescrição, absolutamente incoerente e, por isso mesmo, assistemático”.

Segundo esse grupo, o legislador incluiu no Código de Processo Civil o poder-dever de o juiz reconhecer de ofício a prescrição. No entanto, ele não retirou do devedor a faculdade de renunciar à prescrição, prevista no artigo 191 do Código Civil.

Nesse sentido, foi editado o Enunciado n.o 295, da 4ª Jornada de Direito Civil, que dispõe que “a revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei n.o 11.280/2006, que determina ao juiz o reconhecimento de ofício da prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renúncia admitida no art. 191 do texto codificado”.

Essa aparente incompatibilidade somente será superada por meio de uma análise sistemática da alteração sofrida pela norma em comento. Para isso, deve-se sopesar os princípios do contraditório e da ampla defesa, sem confundir o reconhecimento de ofício da prescrição com a sua decretação de plano.

O pronunciamento ex officio da prescrição, como todos os demais atos processuais, deve respeitar o direito que as partes têm ao contraditório e à ampla defesa, devendo ser dada a elas a oportunidade de se manifestar sobre a matéria. É tão-somente através dessa forma de interpretação que se conseguirá compreender o alcance da norma, a vontade do legislador.

Não há que se falar que, com a possibilidade do reconhecimento de ofício da prescrição, o devedor estaria impedido de cumprir a obrigação objeto da ação, o que pode ser feito extrajudicialmente. Sem mencionar que o devedor pode renunciar à prescrição, mesmo que tacitamente, como vimos acima.

Outra crítica ao novo poder-dever conferido ao juiz é que, em conformidade com o artigo 295 do Código de Processo Civil, a petição inicial será indeferida quando o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição. Isso importa dizer que o juiz, ao indeferir liminarmente a inicial, está retirando do devedor seu direito subjetivo de renunciar, ainda que tacitamente, à prescrição.

Essa crítica, da mesma forma que outras, também comporta indagações acerca de uma possível violação da ordem constitucional vigente.

A citada alteração sofrida no Código de Processo Civil também repercutiu em outras disciplinas, como no Direito Processual do Trabalho, que aplica as regras do processo civil, subsidiariamente. Na seara trabalhista, um pronunciamento de ofício da prescrição feito de forma precipitada pode prejudicar sobremaneira o trabalhador, razão pela qual, novamente deverão ser estritamente observadas as garantias previstas constitucionalmente.

Outro corolário da alteração trazida pela Lei n.o 11.280/2006 é a imprecisão acerca da necessidade de prequestionamento da matéria referente à prescrição, visto que a codificação civil dispõe que esta pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição.

Hoje prevalece o entendimento em nossos tribunais de que, mesmo se tratando de matéria de ordem pública, a prescrição deve ser prequestionada para viabilizar o recurso especial, conforme já entendeu a Ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça.

No entanto, há corrente minoritária que entende não ser necessário o prequestionamento da matéria prescricional, por ser esta de ordem pública (REsp n.o 855.525).

Destarte, da leitura do artigo 193 do Código Civil deve-se entender que a prescrição pode ser alegada em qualquer grau ordinário de jurisdição. Assim, ela pode ser alegada até a interposição da apelação.

Alguns juristas questionam os motivos que ensejaram a alteração do texto do parágrafo 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil. Decerto que na exposição de motivos da Lei n.º 11.280/2006 o legislador especificou o objetivo de proporcionar uma maior celeridade à prestação jurisdicional, já que era notória a morosidade da justiça à época da edição da citada lei, como é atualmente. Contudo, na mesma oportunidade, o legislador deixou bem claro que não pretendia desrespeitar as garantias do contraditório e da ampla defesa.

Não há dúvidas de que a Fazenda Pública foi uma das maiores beneficiadas com a alteração introduzida em nosso sistema processual civil. A ausência de alegação da prescrição por parte de um advogado público não obstará o reconhecimento de ofício pelo juiz do citado instituto.

Ao Ministério Público, principalmente quando funcionar como fiscal da lei, caberá a relevante missão de auxiliar o magistrado, apontando os casos em que houve a consumação da prescrição.

Atualmente, deve-se reconhecer que a prescrição não é o mesmo instituto jurídico que era antes da entrada em vigor da Lei n.º 11.280/2006. Sua natureza jurídica mudou. Ela passou de uma matéria de defesa do réu a uma matéria de ordem pública, devendo, portanto, ser declarada de ofício pelo juiz.

A alteração do Código de Processo Civil, operada pela aludida lei, ao privilegiar os princípios da celeridade processual e eficiência do serviço público, trouxe grande colaboração à construção de um Poder Judiciário que busca ser cada vez mais dinâmico. Considerando que a reforma não foi perfeita de um prisma técnico, a aplicação do parágrafo 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil deve ser feita com parcimônia a fim de que não seja desvirtuada a ordem constitucional, com garantia do contraditório e da ampla defesa. Assim, estar-se-á buscando a efetivação de um processo cooperativo. Deve-se harmonizar as alterações realizadas com as normas do ordenamento a fim de preservar um bem maior, o interesse público.

O presente estudo não tem o intuito de apoiar ou rechaçar a referida alteração, mas sim retirar dela o que há de melhor, inserindo-a no ordenamento jurídico em consonância com a ordem já estabelecida, para alcançar a pacificação das relações jurídicas. É necessário, ainda, reconhecer que essa alteração pontual do ordenamento jurídico não porá fim à morosidade da justiça, devendo o legislador e os aplicadores do Direito pensar soluções, tais como os projetos de conciliação, para tornar o Poder Judiciário mais célere e eficaz. 

 

 

Elaborado em outubro/2011

 

Como citar o texto:

NORTE, Fernanda de Figueiredo..O reconhecimento de ofício da prescrição. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1200. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/3244/o-reconhecimento-oficio-prescricao. Acesso em 6 out. 2014.

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