RESUMO

A autocomposição constitui meio alternativo à tutela jurisdicional do Estado para a solução de conflitos, ampliando o acesso à justiça e promovendo a pacificação social, motivo pelo qual é de extrema importância conhecer a evolução histórica desse instituto, bem como as suas perspectivas de aplicação no âmbito do Novo Código de Processo Civil.

Palavras-chave: Autocomposição. Acesso à Justiça. Pacificação Social. Novo Código de Processo Civil.

 

 

1 INTRODUÇÃO

A tutela jurisdicional do Estado não é a única forma de solução de conflitos admitida pelo Direito. Destarte, tem ganhado relevância os meios alternativos à jurisdição do Estado que estimulam a participação das partes na busca pela solução justa do conflito em que estão envolvidas.

A autocomposição, que é o foco do presente trabalho, está fulcrada na autonomia de vontade das partes envolvidas no conflito, que podem, pelo sacrifício integral ou parcial de seus próprios interesses, chegar a uma solução justa para a controvérsia. Deve-se ressaltar, desse modo, que a autocomposição, por promover a pacificação social e o acesso à justiça justa, se torna cada vez mais popular e alinhada ao Estado democrático de direito em que estamos inseridos, vez que, na aplicação desse método, as partes não são meros alvos de uma decisão impositiva da tutela jurisdicional estatal.

Nesse cenário, em que a autonomia da vontade é tão importante para a autocomposição, é possível, a depender da forma como as partes envolvidas no conflito dispõem dos seus próprios interesses, proceder à renúncia (uma parte renuncia totalmente ao seu direito), à submissão (a parte demandada reconhece totalmente o direito postulado pela parte demandante) e à transação (as partes acordam entre si e ponderam sobre o sacrifício parcial dos seus interesses, a fim de chegarem a uma solução justa).

De acordo com NEVES (2014, p.47-52), hodiernamente, há um notável incremento na autocomposição, mormente na modalidade denominada transação, o que, na concepção de parcela significativa da doutrina, representa a busca pela solução de conflitos que mais gera a pacificação social, haja vista que as partes, por sua própria vontade, resolvem o conflito e dele saem sempre satisfeitas.

O referido autor alega que, embora a conclusão a que chega a doutrina seja discutível, por desconsiderar no caso concreto as condições concretas que levaram as partes a proceder à autocomposição, é inegável a relevância jurídica do tema.

Nesse diapasão, o crescente aumento do acesso à justiça e a incapacidade do Estado em solucionar, com celeridade e eficiência, os conflitos por meio da jurisdição evidenciam a importância da autocomposição para a solução justa das controvérsias, motivo pelo qual o presente trabalho abordará brevemente a evolução histórica desse instituto, bem como a sua incidência do Novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015).

2 ANÁLISE HISTÓRICA DA AUTOCOMPOSIÇÃO NO BRASIL

ALVES (2008), em artigo versando sobre conciliação e acesso à justiça, ressalta que a autocomposição no Brasil não é novidade, haja vista que há relatos de que essa forma de solução de conflitos vem sendo aplicada desde o período colonial, conforme dispõe, in verbis, as Ordenações Filipinas, em seu Livro III, Título XX, § 1º:

"E no começo da demanda dirá o Juiz à ambas as partes, que antes que façam despesas, e sigam entre elles os ódios e disensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre he duvidoso. E isto, que dissemos de reduzirem as partes à concórdia, não he de necessidade, mas somente de honestidade nos casos, em que o bem poderem fazer. Porém, isto não haverá lugar nos feitos crimes, quando os casos forem taes, que segundo as Ordenações a Justiça haja lugar."

O referido autor destaca ainda que, no início do século XIX, a conciliação, que é um método para a solução de conflitos, recebeu status constitucional no texto da Constituição Imperial brasileira de 1824, a qual, na concepção de GRINOVER (2008, p.33), "exigia a sua tentativa antes do processo, como requisito para sua realização e julgamento da causa".

FALCÃO (2006), corroborando a tese de que a autocomposição não é novidade no ordenamento jurídico pátrio, destaca que, além da Constituição de 1824, o Código Comercial de 1850 já expressava a importância da conciliação para a solução de conflitos.

Hodiernamente, é cediço que a autocomposição está ganhando espaço no sistema normativo brasileiro. Nesse sentido, ALVES (2008) apresenta vários diplomas legais em que há a previsão da conciliação, são eles: o Código de Processo Civil de 1973 (arts. 125, IV, 269, III, 277, 331, 448, 449, 584, III, e 475-N, III e V, aditado pela Lei nº 11.232 de 22.12.2008); a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 (arts. 764, 831, 847 e 850); o Código Civil de 2002 (art. 840); a Lei de Arbitragem (arts. 21, §4º, e 28); o Código de Defesa do Consumidor (arts. 5º, IV, 6º, VII, e 107); e a própria Lei nº 9.099 de 1995.

Por oportuno, impende destacar que, no que tange ao Código de Processo Civil de 1973, os seus dispositivos continuarão valendo até o início da vigência da Lei nº. 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), a qual passará a vigorar no dia 17 de março de 2016, ou seja, um ano após a publicação oficial.

3 A AUTOCOMPOSIÇÃO DE CONFLITOS NO NOVO CPC

Conforme visto anteriormente, a autocomposição – na qual se espelham a conciliação e a mediação – é um meio alternativo à tutela jurisdicional do Estado, sendo, ainda, denominado por alguns de meio alternativo para a solução de conflitos ou de equivalente jurisdicional.

O Novo Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105/2015) mostra, já em seu art. 3º, grande preocupação com os ditos equivalentes jurisdicionais, vez que, apesar de enaltecer – no caput – o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), mantém aberto – nos parágrafos do referido artigo – o caminho para a incidência da solução consensual de conflitos.

Nos três parágrafos do art. 3º do Novo CPC, há previsão dos chamados “meios alternativos” de solução dos conflitos. De fato, no § 1.º, está prevista a arbitragem. No § 2.º, o legislador asseverou que o Estado deverá promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. Por fim, o § 3.º apregoa que deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial, a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos.

Deve-se ressaltar que o Novo CPC não se limitou apenas aos princípios que regem as formas consensuais de solução de conflitos. Nesse sentido, é possível observar que, do art. 165 ao art. 175, são tratados inúmeros pontos importantes. O caput do art. 165 trata da criação dos centros judiciários de solução consensual de conflitos, que ficarão responsáveis pela realização de audiências de conciliação e de mediação, bem como pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular autocomposição. Já os §§ 2.º e 3.º do mesmo dispositivo tratam, respectivamente, das atividades desempenhadas por conciliadores e mediadores judiciais.

Importa observar também que, nos termos do Novo CPC, o conciliador, que atuará, a priori, em casos em que não haja vínculo anterior entre as partes, é livre para sugerir soluções para o litígio, desde que não force as partes a conciliarem por meio de constrangimento ou intimidação. Já o mediador, que atuará, a priori, em casos em que haja vínculo anterior entre as partes, auxiliará os interessados no sentido de que compreendam o conflito e possam chegar, por si próprios, por meio do restabelecimento da comunicação entre eles, a soluções consensuais que gerem a satisfação recíproca de interesses.

O art. 166, caput, do Novo CPC, elenca os princípios que devem nortear o trabalho do conciliador e do mediador, são eles: independência, imparcialidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade, informalidade e decisão informada. Tais princípios acabam por delimitar as possibilidades de atuação do conciliador e do mediador, os quais devem, por exemplo, atentar para que as informações produzidas no curso da conciliação ou da mediação não sejam utilizadas para fins que não tenham sido expressamente permitidos pelas partes (art. 166, § 1.º).

Há no Novo CPC inúmeros outros dispositivos que favorecem aplicação de meios de solução consensual de conflitos. É o caso do art. 166, § 3.º, que, por admitir a aplicação de técnicas negociais com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à autocomposição, dá maior qualidade a atuação do conciliador e do mediador. Já o art. 166, § 4.º, demonstra a importância da autonomia da vontade para a solução consensual de conflitos, haja vista que as partes podem decidir, inclusive, sobre regras procedimentais a serem adotadas na conciliação ou na mediação.

Ante o exposto, constata-se que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos são fortemente estimulados no âmbito do Novo Código de Processo Civil, que passará a vigorar no dia 17 de março de 2016.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 3º, inciso I, que é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Assim, para fins de concretização da pacificação social constitucionalmente albergada, é imperioso evoluir no sentido de efetivar meios de resolução de conflitos alternativos à jurisdição estatal, a exemplo do que ocorreu com a criação dos juizados especiais, a qual estimulou a adoção de mecanismos autocompositivos no nosso sistema processual, que, nesse contexto, a fim de funcionar com maior efetividade, passou a se orientar pelos critérios da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade, conforme dispõe o art. 2º da festejada Lei nº 9.099/1995.

5 REFERÊNCIAS

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Método, 2014.

ALVES, Rafael Oliveira Carvalho. Conciliação e Acesso à Justiça. Webartigos, 20 nov. 2008. Disponível em: . Acesso em 4 abr. 2015.

FALCÃO, Joaquim. Movimento pela Conciliação. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/conciliarConteudoTextual/anexo/artigo_02.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2015.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

 

 

Elaborado em abril/2015

 

Como citar o texto:

AVELINO, Alberto Luiz Linhares Cunha..Análise histórica da autocomposição no Brasil e suas perspectivas com o novo CPC. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 24, nº 1279. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/3595/analise-historica-autocomposicao-brasil-perspectivas-com-novo-cpc. Acesso em 16 ago. 2015.

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