Prescrição intercorrente nas ações de alimentos
A prescrição dos alimentos ocorre em dois anos, conforme estabelece o artigo 206, § 2º, do Código Civil. Não há dúvidas a este respeito.
A prescrição de que aqui se trata não atinge o direito aos alimentos em si, mas somente o direito de persecução das parcelas vencidas e não pagas.
Merece destaque, neste ponto, o fato de que nem toda dívida alimentar está sujeita à prescrição.
De início, não há que se falar em prescrição dos alimentos devidos a crianças e adolescentes menores de 16 anos, já que, contra eles a prescrição não corre (artigo 198, inciso I, do Código Civil). Neste caso não acontece a prescrição, independentemente da relação existente entre alimentante e alimentado.
Também não corre a prescrição dos alimentos, quando presente o poder familiar.
Assim, sendo os alimentos devidos por um dois pais, à prole, não tem início o prazo prescricional enquanto durar o poder familiar (artigo 197, inciso II, do Código Civil). Extinto o poder familiar, porém, pela maioridade, pela emancipação, etc., tem início o prazo prescricional.
Atingido este ponto, convém conceituar o que é prescrição intercorrente.
Pois bem. Prescrição intercorrente é aquela que ocorre durante o processo de execução, cujo trâmite foi suspenso.
Ainda que suspensa a execução sem culpa do exequente, por falta de bens penhoráveis, por exemplo, abre-se espaço para ocorrência da prescrição intercorrente.
Ocorre que, conforme o Princípio da Razoável Duração do Processo, não pode a marcha processual permanecer suspensa indefinidamente, sob pena de que o processo perdure pela eternidade, em ofensa à Constituição da República e à segurança jurídica.
Critério razoável, e que vem sendo pregado pela doutrina e aplicado pela jurisprudência, consiste em que a suspensão da marcha processual não supere o prazo assinalado para a prescrição do direito material em si.
Assim, uma vez que o direito aos alimentos prescreve em dois anos, o prazo de suspensão da ação de execução não pode ser superior também a dois anos. Atingido o lapso temporal de dois anos de suspensão do andamento processual, o prazo prescricional tem seu início.
Vejamos os seguintes julgados, do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que consagrada esta ideia (os grifos são nossos):
APELAÇÃO - AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA - PROCESSO QUE PERMANECEU POR 11 ANOS EM ARQUIVO - SENTENÇA DE EXTINÇÃO - RECURSO - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE CONSUMADA - PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE PROCESSUAL E DO RAZOÁVEL TEMPO DE DURAÇÃO DO PROCESSO - AÇÃO DE EXECUÇÃO QUE NÃO PODE SE ESTENDER ETERNAMENTE - RECURSO DESPROVIDO. (Relator(a): Carlos Abrão; Comarca: Ribeirão Preto; Órgão julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 15/04/2015; Data de registro: 17/04/2015)
*PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE Execução Ausência de bens, com determinação de levantamento da penhora e envio dos autos ao arquivo, ocorrida em 2005 Pleito de reconsideração da mencionada decisão realizado em 2011 - Prescrição intercorrente reconhecida Insurgência Descabimento Feito que ficou paralisado, sem a tomada de qualquer providência por parte do credor, por mais de cinco anos - Decreto de prescrição intercorrente que realmente se impunha, já que caracterizada a desídia Sentença mantida Inteligência do art. 252 do Regimento Interno deste tribunal Recurso desprovido.* (Relator(a): Jacob Valente; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 14/04/2015; Data de registro: 14/04/2015)
*EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO POR AUSÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS. ART. 791, III, CPC. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 1. Suspensa a execução por falta de bens penhoráveis, nos termos do art. 791, III, CPC, inicia-se a contagem da prescrição intercorrente. Entendimento reformulado. 2. A suspensão não pode ultrapassar o lapso prescricional aplicável ao título exequendo. 3. Recurso não provido.* (Relator(a): Melo Colombi; Comarca: Jundiaí; Órgão julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 15/04/2015; Data de registro: 16/04/2015)
O mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou, também, pela possibilidade da prescrição intercorrente de verba alimentar. Vejamos o seguinte julgado:
0032846-61.2009.8.26.0000 Agravo de Instrumento / Alimentos Relator(a): Mauricio Vidigal Comarca: Ribeirão Preto Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 25/08/2009 Data de registro: 14/09/2009 Outros números: 006.29.460400-0 Ementa: Alimentos - Execução - Exceção de pré-executividade rejeitada - Prescrição intercorrente de parte do débito - Inércia dos credores quanto às parcelas antigas por prazo superior a dois anos - Extinção parcial da execução - Agravo provido.
Não há que se falar que, quando paralisado o processo executivo está-se diante de atitude tolerante de parte do exequente, e que esta tolerância impediria a prescrição. Caso pretenda o exequente, a preservação de seu direito, deve fazer uso das ferramentas processuais adequadas visando a interrupção do prazo prescricional, providenciando a notificação do executado, o movimento da execução, etc.
Insista-se, não há que se falar em tolerância quando do não exercício de um direito que está sendo corroído pela prescrição, que tampouco é preservado. O direito abandonado prescreve, tal qual um bem em metal, abandonado, é consumido pela ferrugem.
Insista-se, uma vez mais, que tolerância não deve ser confundida com inércia. Inegável que a tolerância, ou, mais precisamente, a omissão, não são qualificados pelo Direito Processual Civil, e, assim, não produzem efeitos processuais.
O que ocorre é que a tolerância, quanto transportada ao mundo processual, toma vestes de inércia. A inércia sim, instituto jurídico e processual que é, produz efeitos que, no caso, consistem na extinção do direito.
Assim, considerando que prescrição do crédito alimentar ocorre em dois anos, permanecendo o processo de execução de alimentos sem qualquer movimento, por quatro anos, ocorre a prescrição intercorrente. Esclareça-se, nos dois primeiros anos a execução e o prazo prescricional permanecem suspensos. Escoado este prazo, a prescrição se inicia, e se consuma após passados outros dois anos.
Data da conclusão/última revisão: 06/05/2017
Rodrigo Emiliano Ferreira
Defensor Público do Estado de São Paulo