A competência absoluta e o princípio da proporcionalidade
Sumário: 1. Introdução; 2. Princípio do Juiz Natural; 2.1. Da competência no Código de Processo Civil; 2.1.1. Da competência Absoluta; 2.1.1.1. Competência absoluta em razão da matéria; 2.1.1.2. Competência absoluta com relação à qualidade das partes; 2.1.1.3. Competência absoluta com relação ao critério funcional; 3. Princípio da Inafastabilidade do Judiciário ou do acesso amplo ao judiciário; 4. Princípio da Proporcionalidade; 4.1. Adequação; 4.2. Necessidade; 4.3. Proporcionalidade em Sentido Estrito (meio-termo e justa medida); 5. Aplicação do Princípio da Proporcionalidade quanto ao choque do Princípio do Juiz Natural e do Princípio da Inafastabilidade do Judiciário; 6. Apontamentos finais. 7. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O presente artigo teve origem nos debates decorrentes de estudos dedicados ao mundo jurídico. Dada uma situação fática verossímil, propôs-se a discussão do tema. Do resultado, surgiu à idéia de se escrever este texto.
O trabalho tem por objeto examinar a aplicação do Princípio da Proporcionalidade, mormente em relação ao conflito de princípios constitucionais do Juiz Natural e da Inafastabilidade do Judiciário.
Releva-se que o diferencial do operador do direito é saber manejar o Princípio da Proporcionalidade, saber compreendê-lo e aplicá-lo na sua dimensão jurídica e, ao percorrer este caminho, concluirá que não existem direitos fundamentais absolutos, conforme será exposto.
2. Princípio do Juiz Natural
O Princípio do Juiz Natural funda-se na garantia de imparcialidade do órgão julgador, constituindo um meio de defesa da sociedade contra o arbítrio estatal. Tal princípio encontra-se proclamado nos incisos XXXVII e LIII do artigo 5º da Constituição Federal.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
[...]
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
Tal garantia assenta-se na certeza do cidadão de ter seu direito julgado pelo juiz a quem a Constituição Federal delegou poderes para apreciá-lo. Nesse diapasão, o Princípio do Juiz Natural é um importante meio de garantir a efetivação da justiça e fortalecer o estado de direito. Ademais, o referido princípio serve de base para a previsão em lei infraconstitucional das situações de impedimento e suspeição do órgão julgador.
Conforme assevera Alexandre de Moraes[1], as justiças especializadas no Brasil não podem ser consideradas justiças de exceção, haja vista que há previsão expressa na Constituição Federal.
2.1. Da competência no Código de Processo Civil
O Princípio do Juiz Natural, insculpido na Magna Carta, por se tratar de uma norma de eficácia contida e de aplicabilidade imediata, sofre regulamentação pela legislação infraconstitucional, in casu, pelo vigente Código de Processo Civil, o qual delimita a matéria de competência do juízo e do juiz.
O CPC ao tratar da matéria de competência, classifica-a em duas espécies: competência relativa e absoluta. Destarte, o presente artigo visa tão somente à análise da competência absoluta, razão pela qual não será abordada a competência relativa.
2.1.1. Da competência Absoluta
A competência é dita absoluta, pois uma vez fixada pela lei, é inderrogável, não podendo ser modificada e nem prorrogada (art.111 do CPC).
Conforme reza o artigo 113 do Código de Processo Civil:
Art. 113. A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção.
§ 1o Não sendo, porém, deduzida no prazo da contestação, ou na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos, a parte responderá integralmente pelas custas.
§ 2o Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente.
Como salienta o texto legal, a competência absoluta é vício grave no processo, causando até mesmo a nulidade dos atos decisórios praticados pelo juiz dito incompetente. Por se tratar, portanto, de um vício insanável e incorrigível, a sentença de mérito proferida por juiz incompetente, torna-se nula, mesmo depois de transitada em julgado, sendo suscetível de ação rescisória (art. 485, II do CPC).
Obtempera-se que a competência absoluta pode ser alegada pelas partes ou intervenientes a qualquer momento e grau de jurisdição, independente de exceção. Pode, inclusive, ser decretada de oficio pelo juiz, por se referir a interesse público, sendo norma cogente. Além disso, em conformidade com o art.301, II do CPC, compete ao réu alegar como preliminar processual a incompetência absoluta.
Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar.
[...]
II - incompetência absoluta;
A escola tradicional de Chiovenda e Wach adota os seguintes critérios para a classificação da competência: critério objetivo, critério funcional e o critério territorial. Por critério objetivo entenda-se aquele que se fundamenta no valor da causa, em razão da matéria e com relação à qualidade das partes.
A competência absoluta, objeto do presente artigo, é fixada em razão da matéria, com relação à qualidade das partes e pelo critério funcional. Dada a relevância do tema, os critérios de determinação da competência absoluta apontados serão analisados, minuciosamente, nos próximos tópicos.
2.1.1.1. Competência absoluta em razão da matéria
A competência ratione materiae (em razão da matéria) é aquela que se refere à natureza da causa, podendo ser vista sob duas vertentes. A primeira, versa sobre a determinação da justiça competente, ou seja, se federal, do trabalho, militar, estadual ou eleitoral. A segunda estabelece, após a descoberta da justiça competente, o juiz ou o tribunal que tenha sido conferida a competência para a demanda. Deste último critério, infere-se o surgimento dos denominados juízos privativos, estabelecidos pela organização judiciária, como, por exemplo, varas de família, varas de acidentes do trabalho, varas de acidentes de trânsito, etc.
2.1.1.2. Competência absoluta com relação à qualidade das partes
Embora o Código de Processo Civil não trate da competência absoluta com relação à qualidade das partes, a doutrina tradicional adota este critério para a determinação da competência.
Para determinar tal competência, devem-se considerar objetivamente os sujeitos da relação processual. Assim é que acontece, por exemplo, com a fixação da competência da justiça federal em causas em que intervenha a União Federal, seja autora, ré, assistente ou opoente (art. 109, I da CF).
2.1.1.3. Competência absoluta com relação ao critério funcional
A fim de se fixar a competência absoluta com relação ao critério funcional, determinar-se-á qual o juiz competente para tomar conhecimento de ação a ser proposta.
Como doutrina Ovídio A. Baptista da Silva[2] a competência funcional se estabelece tanto no plano vertical como horizontal. Na verdade, a competência funcional no sentido horizontal seria a mesma competência em razão da matéria e quando ocorre no sentido vertical, chama-se de competência hierárquica.
A título exemplificativo, a competência será dos tribunais para o julgamento de apelação contra sentença de juiz singular e, ainda, a competência do juízo da ação de conhecimento para a execução da sentença (art. 575, II do CPC).
3. Princípio da Inafastabilidade do Judiciário ou do acesso amplo ao judiciário
Segundo dispõe a Constituição Federal em seu art. 5º, XXXV, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Esta garantia constitui um dos alicerces do Estado de Direito. Assim, é que toda lesão ou ameaça a direito não encontra qualquer espécie de obstáculo ao pleno exercício do direito de ação, haja vista que surge um direito subjetivo público ao cidadão de ter a sua pretensão analisada pelo Poder Judiciário.
Por ser garantia individual do cidadão, o Estado está obrigado à prestação jurisdicional, sempre que lhe seja posta uma determinada lesão ou ameaça a direito, cabendo a ele a competência para a decisão final. Isto porque, é o Estado quem detêm o monopólio da atividade jurisdicional.
O ilustre constitucionalista Alexandre de Moraes[3] assevera que:
O fato de a Constituição Federal reconhecer a todas as pessoas o direito a obter a tutela judicial efetiva por parte dos juizes ou tribunais no exercício de seus direitos e interesses legítimos não a desobriga ao cumprimento às condições da ação e pressupostos processuais legalmente estabelecidos. Dessa forma, essas previsões não encontram nenhuma incompatibilidade com a norma constitucional, uma vez que se trata de requisitos objetivos e genéricos, que não limitam o acesso à Justiça, mas regulamentam-no.
Nesse diapasão, Arruda Alvin[4] reitera que o albergue dessa garantia constitucional não exonera do litigante o preenchimento das condições da ação e outros pressupostos legais previamente estabelecidos, desde que não sejam limitadores do real direito de ação.
4. Princípio da Proporcionalidade
A Constituição Federal compreende um sistema aberto de princípios, fato que ocasiona, certamente, um choque eventual entre estes. Para que haja a solução deste conflito, a fim de que se aplique o princípio mais justo à situação posta em litígio, é mister a aplicação do Princípio da Proporcionalidade.
Ad instar que em toda colisão efetiva de direitos fundamentais haverá a limitação de pelo menos um destes direitos e, para certificar se tal limitação é constitucional, aplica-se o Princípio da Proporcionalidade.
No que tange a natureza jurídica do Princípio da Proporcionalidade, o jurista Francisco Fernandes de Araújo[5] é emblemático em afirmar que:
Respeitadas as diversas opiniões expendidas, posicionamo-nos de acordo com Willis Santiago Guerra Filho, que se apóia em Karl Larenz, quando acentua que não se mostra necessário, nem mesmo correto, procurar derivar o princípio da proporcionalidade de um outro princípio qualquer, pois tem vida própria, e rege os demais princípios submetidos à avaliação do intérprete.
Em apertada síntese, podemos dizer que o principio da proporcionalidade tem natureza jurídico-dogmática independente e aberta, cogente e vinculante, restritiva ao poder discricionário do legislador e do aplicador da norma, desfruta de dignidade constitucional e tem conteúdo imanente ao Estado de Direito.
Em suma, o Princípio da Proporcionalidade é importante mecanismo da hermenêutica jurídica, aplicando-se um princípio em detrimento de outro em um caso concreto, perfazendo, portanto, a boa aplicação da justiça.
O Princípio da Proporcionalidade é composto dos seguintes requisitos: adequação, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Salienta-se que boa parte da doutrina subdivide o Princípio da Proporcionalidade em subprincípios ou princípios parciais. Porém, a referida denominação não é a mais correta, haja vista que por se tratar de condições necessárias a se percorrer para satisfazer a aplicação do Princípio da Proporcionalidade, não possuem vida própria, não se prestam a aplicação isolada, somente sendo utilizados, conjuntamente, para se obter um fim comum, qual seja, a aplicação do princípio em análise. Assim, tais requisitos serão analisados pormenorizadamente nos tópicos seguintes.
4. 1. Adequação
O requisito da adequação corresponde à medida a ser adotada no caso concreto para se chegar ao fim desejado, erigindo-se na conveniência e na conformidade dos meios empregados. A adequação refere-se ao manejo da relação e conformidade entre o meio e o fim.
Não é necessário que o meio utilizado se apresente como o melhor possível ou o mais adequado, sendo suficiente que ele tenha aptidão para alcançar o fim objetivado pela medida.
Conclui-se, destarte, que toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados, não existe a adequação. Para avaliar a adequação, há de se perguntar: o meio escolhido foi adequado e pertinente para atingir o resultado almejado?
4.2. Necessidade
O requisito da necessidade, da exigibilidade ou, da menor ingerência possível, será examinado no caso concreto, somente após a verificação da ocorrência do requisito da adequação.
Entende-se por necessidade, o emprego do meio mais hábil para alcançar o fim almejado, devendo-se escolher dentre os meios adequados àquele que trouxer menores conseqüências negativas aos interessados.
Tenha-se que o requisito da necessidade inspira-se em uma avaliação dos meios, observando-se as possíveis desvantagens advindas da aplicação destes.
Dessume-se, pois, que na proporcionalidade, está insculpida a idéia de vedação de excesso, ou seja, a medida há de ser estritamente necessária. Portanto, para aferir a necessidade deve-se perguntar: o meio escolhido foi o menos gravoso dentre as opções existentes?
4.3. Proporcionalidade em Sentido Estrito (meio-termo e justa medida)
Após a análise positiva dos requisitos da adequação e da necessidade, passa-se a examinar o último dos requisitos do Princípio da Proporcionalidade em sentido amplo.
Nas palavras de Francisco Fernandes de Araújo[6] os meios e os fins são expostos em equação mediante um determinado juízo valorativo, tendo como escopo avaliar se o meio utilizado é proporcional em relação ao objetivo pretendido. Doravante, a proporcionalidade em sentido estrito refere-se a uma questão de medida ou desmedida, a fim de se obter um resultado.
Deve-se examinar este requisito sob dois ângulos: o meio-termo e a justa medida. Quanto ao meio-termo, é difícil a sua direta percepção, pois cabe ao aplicador do direito utilizar-se de interpretação subjetiva para se chegar a uma resposta. O intérprete deverá fazer uso da eqüidade com vista à solução, descobrindo se o meio utilizado é o caminho, entre os dois extremos, que deve percorrer para lograr o resultado almejado. Ao analisar a justa medida, o importante é descobrir se além do meio-termo, haverá a aplicação da boa justiça. Assim, deve-se pautar se realmente é razoável que se utilize deste meio para o alcance do fim perseguido.
Importante salientar, perfunctoriamente, a diferença entre o Princípio da Proporcionalidade, de origem germânica, e o Princípio da Razoabilidade, de origem norte-americana, posto que estes são muitas vezes confundidos, embora semelhantes em alguns aspectos. Conforme exposto, utiliza-se a razoabilidade quando se depara com um caso que requeira a aplicação do Princípio da Proporcionalidade, visto que a justa medida serve-se praticamente do mesmo raciocínio do Princípio da Razoabilidade, razão pelo qual ao lançar-se mão do Princípio da Proporcionalidade não há motivo para falar-se no da razoabilidade, uma vez que o razoável já foi aproveitado para se chegar à solução do caso concreto.
Note-se, por fim, que segundo o requisito da proporcionalidade em sentido estrito, importa verificar se a medida utilizada ocasionará mais vantagens do que desvantagens. Nesse sentido, pergunta-se: o benefício alcançado com a adoção da medida preservou direitos fundamentais mais relevantes do que aqueles direitos que sacrificou?
5. Aplicação do Princípio da Proporcionalidade quanto ao choque do Princípio do Juiz Natural e do Princípio da Inafastabilidade do Judiciário
Para melhor elucidação do tema, abordar-se-á o Princípio da Proporcionalidade em uma situação hipotética.
Imagine-se que João, domiciliado em Rio Grande (RS), estava realizando uma viagem a Florianópolis (SC), e teve seu automóvel abalroado por Caio, domiciliado na referida cidade.
João, tendo sua pretensão de ressarcimento pelo dano material em seu automóvel resistida por Caio, propôs ação de reparação de danos materiais em face do mesmo. Para tanto, João utilizando-se do direito concedido pelo CPC, ajuizou sua demanda em seu domicílio, ou seja, em Rio Grande (RS), nos termos do art. 100, § único.
A ação foi julgada totalmente procedente, condenando Caio ao pagamento da quantia de R$ 9.800,00. A referida sentença transitou em julgado sem que o réu interpusesse qualquer espécie de recurso. O processamento da referida ação deu-se na 3ª Vara Cível da Comarca de Rio Grande (RS).
Ocorre que não houve o pagamento voluntário por parte de Caio, e neste interregno, João fixou seu domicílio na cidade de Florianópolis (SC).
Com o objetivo de satisfazer o seu crédito, João deseja ajuizar uma ação de execução fundada em título executivo judicial. Conforme reza o art. 575, II do CPC:
Art. 575 A execução fundada em título judicial, processar-se-á perante:
[...]
II – o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição;
Segundo Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery[7] : “[...] Trata-se de competência funcional, portanto absoluta. [...]”.
Reitera-se este entendimento, nas lições de Humberto Theodoro Júnior[8] : “É, outrossim, funcional e, por isso, absoluta e improrrogável, a competência prevista no art. 575, para execução de sentença civil condenatória. [...]”.
È curial enfatizar, ainda, o art. 87 do Código de Processo Civil, o qual firmar que:
Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.
A referida norma institui a regra da perpetuatio iurisdictionis, cuja competência determina-se no momento da propositura da ação, ou seja, desde que despachada a petição inicial pelo juiz, ou, onde houver mais de uma vara, desde que distribuída a ação (art. 263 CPC).
Dessume-se, portanto, que diante da situação hipotética supracitada, por se tratar de competência absoluta (critério funcional), não resta outra alternativa a João, senão a de ajuizar a sua execução na 3ª Vara Cível da Comarca de Rio Grande (RS), haja vista que houve perpetuação da competência neste juízo.
Por conseguinte, o Código de Processo Civil (lei infraconstitucional) tem o escopo de conferir plena eficácia e aplicação concreta e positiva ao Princípio do Juiz Natural.
Neste ínterim, será que João não poderia propor sua ação de execução na comarca de Florianópolis (SC), sob o fundamento do art. 5º, XXXV da Constituição Federal que instituiu o Princípio da Inafastabilidade do Judiciário?
Frente a tal indagação, verifica-se um choque de Princípios Constitucionais, quais sejam: o Princípio do Juiz Natural e o Princípio da Inafastabilidade do Judiciário. Mister que se aplique o segundo em detrimento do primeiro, pois de maior peso, na hipótese aventada, numa avaliação axiológica. Para se atingir esta resposta, é necessário à aplicação do Princípio da Proporcionalidade. Passa-se, então, a análise dos requisitos do Princípio da Proporcionalidade.
O primeiro requisito a ser analisado é o da adequação. Portanto, pergunta-se: o meio escolhido foi adequado e pertinente para atingir o resultado almejado? A resposta que se impõe é afirmativa, pois se João interpuser sua execução em Florianópolis (SC) (meio), ele obterá a satisfação de seu crédito (fim).
No que tange a necessidade, forçosa se faz a seguinte pergunta: o meio escolhido foi o menos gravoso dentre as opções existentes? Certamente que sim, haja vista que o dispêndio para o exeqüente (João) será, inevitavelmente, muito menor. Por outro lado, as vantagens advindas da propositura da execução na comarca de Florianópolis (SC), também serão nítidas para o executado (Caio). Assim, os benefícios hão de ser, inelutavelmente, maiores do que as desvantagens, pois ambos são domiciliados em Florianópolis.
Sendo o meio adequado e necessário, passa-se ao estudo do terceiro requisito do Princípio da Proporcionalidade, qual seja, a proporcionalidade em sentido estrito. Para tanto, pergunta-se: o benefício alcançado com a adoção da medida preservou direitos fundamentais mais relevantes do que aqueles direitos que sacrificou? Sem sombra de dúvida, a resposta que se impõe é positiva. No que diz respeito ao requisito da proporcionalidade em sentido estrito, analisado mediante ponderação e sopesamento quanto ao princípio que deve prevalecer (Princípio da Inafastabilidade do Judiciário), chega-se à justa conclusão de que a execução poderá ser ajuizada na comarca de Florianópolis (SC), por se tratar de um direito manifestamente de maior valia.
Assim, é evidente que qualquer juiz ou tribunal deverá aceitar uma conclusão desta espécie, pois a contrario sensu, prestar-se-ia uma simples homenagem ao puro formalismo jurídico, sem que houvesse a menor preocupação com a justiça e eqüidade.
6. Apontamentos finais
Diante do exposto, observa-se, sem muita dificuldade, que não há como imaginar, num sistema constitucional democrático, a existência de direitos fundamentais absolutos, posto que, nem sempre, um direito sobrepor-se-á em detrimento de outros. Nesse sentido, já se manifestou o nosso Pretório Excelso, assinalando a relatividade dos direitos fundamentais:
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. [...] (Mandado de segurança 23.452 - RJ, Rel. Min. Celso de Mello)
Dessume-se que o correto domínio do Princípio da Proporcionalidade obviamente tornará o trabalho do operador do direito bem mais singelo, conforme se expôs através do presente artigo, onde se analisou, com base no Princípio da Proporcionalidade, a efetiva limitação do Principio do Juiz Natural frente ao real direito de ação, manifestado no Princípio da Inafastabilidade do Judiciário ou Acesso Amplo ao Judiciário.
Por fim, o operador do direito deve saber manusear o Princípio da Proporcionalidade, saber entendê-lo e aplicá-lo na sua dimensão jurídica e, assim, alcançará a boa aplicação do direito ao caso concreto, já que dará a máxima efetividade aos Princípios Constitucionais.
7. Referências bibliográficas
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Princípio da Proporcionalidade; significado e aplicação prática. Campinas: Copola, 2002.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
FERREIRA, Cristiane Catarina de Oliveira. Liberdade de comunicação: perspectiva constitucional. Porto Alegre: Nova Prova, 2000.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos Fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade. In: Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo Civil. Vol. I. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processo Civil. Vol. II. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
OUTUBRO de 2004.
[1] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2002, p. 304.
[2] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil – Vol. I. 1998, p. 56.
[3] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2002, p. 292.
[4] ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 2000, p.183.
[5] ARAÚJO, Francisco Fernandes. Princípio da Proporcionalidade: significado e aplicação prática. 2002, p. 48.
[6] ARAÚJO, Francisco Fernandes. Princípio da Proporcionalidade: significado e aplicação prática. 2002, p. 64.
[7] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 2004, p. 1058.
[8] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol. II. 2004, p. 66.
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Filipe Loureiro Santos e Renato Braga Vinhas
Acadêmicos do 5º Ano do Curso de Direito da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG) – RS
Estagiários da Advocacia Geral da União – Procuradoria Seccional da União em Rio Grande/RS