SUMÁRIO. INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I – O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. 1.1) Histórico do acordo de não persecução penal. 1.2) Noções gerais acerca do instituto. 1.3) A previsão legal no Brasil. CAPÍTULO II – REQUISITOS QUE REGEM ESSE INSTITUTO. 2.1) Hipóteses de cabimento do acordo de não persecução penal. 2.2) Das vedações ao acordo de não persecução penal. 2.3) Princípios que fundamentam o acordo de não persecução penal. CAPÍTULO III – MODIFICAÇÕES TRAZIDAS PELO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL AO BRASIL. 3.1) Noções gerais sobre o sistema judiciário brasileiro. 3.2) O impacto do acordo de não persecução penal ao Brasil. 3.3) Quais mudanças beneficiam o nosso sistema judiciário. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O sistema criminal brasileiro é moroso, oneroso e velho. Já não atende mais aos interesses da sociedade moderna, que exige uma resposta rápida aos criminosos. Urge surgir um novo modelo de justiça criminal, a então justiça penal negociada, que visa desafogar o Poder Judiciário, alinhando o consenso com a celeridade, efetividade e eficiência da justiça.
Desse modo, no primeiro capítulo buscou-se fazer uma explicação sobre o começo histórico do acordo de não persecução penal, ressaltando aspectos que originaram a busca pela justiça penal negociada. Buscou ainda fazer uma análise das noções gerais desse instituto. Além disso, tratou do estudo da previsão legal que tal acordo possui no país.
Em continuidade, no segundo capítulo, a pesquisa procurou estudar os requisitos que regem o acordo de não persecução penal, buscando demonstrar a regulamentação no ordenamento jurídico. Além disso, visou demonstrar quais são as hipóteses de cabimento, analisando cada um dos requisitos para que seja celebrado sua formalização. Além de fazer apontamentos relevantes acerca dos princípios fundamentais que compõem o acordo de não persecução penal.
Por fim, no último capítulo, o estudo volta-se totalmente a análise das modificações que o acordo de não persecução penal gerou ao Brasil. Desse modo, a pesquisa buscou compreender o sistema judiciário brasileiro, fazendo um apontamento do impacto e dos benefícios alcançados por tal instituto.
Logo, com este trabalho de conclusão de curso visamos entender sobre a justiça penal negociada. Como será exposto, o acordo de não persecução penal veio para suprir uma lacuna na justiça penal consensual, todavia, sua aplicabilidade passa por certos desafios, sobretudo aqueles impostos por parte da doutrina. Entretanto, demonstraremos que é perfeitamente possível aprimorar os espaços de consenso no processo penal brasileiro, a todo tempo levando em consideração os preceitos constitucionais da proteção as garantias fundamentais.
CAPÍTULO I – O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL
O acordo de não persecução penal representa uma importante alternativa utilizado na resolução da lide penal e sua aplicação ainda causa bastante divergências. O presente capitulo busca fazer uma explicação sobre a evolução histórica do referido instituto, ressaltando acontecimentos que originaram a busca por uma solução alternativa das lides. Igualmente importante é o estudo acerca das noções gerais sobre tal acordo, e sua aplicabilidade. Por fim, mostra-se relevante a análise da previsão legal que o acordo de não persecução penal possui no Brasil.
1.1 Histórico do acordo de não persecução penal.
Em pleno século XX, o sistema criminal brasileiro ainda é lento, oneroso e ultrapassado. Com isso, é necessário criar novos mecanismos para estimular a justiça criminal consensual, trazendo à tona uma nova política criminal. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Diante do processo penal moderno, e por influência de outros países como os Estados Unidos e Alemanha, que buscam o consenso entre as partes para solução de conflitos penais, o Brasil recentemente dispôs sobre a possibilidade de celebrar o acordo de não persecução penal.
O referido acordo, ao que muito se assemelha, teve como inspiração o instituto plea bargaining, existente no sistema norte-americano e em outros países que adotam o Common Law. Suas práticas são realizadas de forma habitual, sendo utilizadas antes do julgamento como instrumento de acordo processual. (CAMPOS, 2012)
O referido mecanismo processual norte-americano, traduz-se na ideia de uma alegação que resulta em uma barganha, uma negociação ou um acordo. “Plea” significa declaração e “Bargain” ou “Bargaining” significa barganha. Em outras palavras, é como o réu se declara em frente de determinada acusação. (DUQUE, 2007)
O princípio do consenso, que inspira no Brasil a justiça penal pactuada, está presente há mais de um século na prática forense criminal dos Estados Unidos, dando forma ao plea bargaining. A plea barganing consiste numa transação que abrevia o processo, eliminando a colheita da prova, suprimindo a fase de debates entre as partes, para chegar-se logo à sentença. O agente do fato ilícito admite sua culpabilidade, em troca de benefícios legais. (ARAS, 2019, p.19)
Especialmente em países do Common Law, o uso habitual da justiça negociada e dos acordos penais demonstrou que esse instituto é proveitoso para determinados tipos de infrações e, principalmente, apto a evitar o colapso do sistema de justiça.
Todavia, há discussão quanto ao período de surgimento do plea bargaining. De maneira geral, alguns maledicentes afirmam que ele teria surgido apenas no século XIX, como uma criação recente de um sistema criminal corrompido. Por outro lado, afirmam que suas raízes históricas são remotas, existindo desde as sociedades primitivas. Contudo, sabe-se que a constitucionalidade do plea bargaining foi reconhecida pela Suprema Corte no caso Brady v. USA, em 1970. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Como esse fenômeno da expansão dos espaços de consenso na Justiça criminal é de ordem mundial, não uma exclusividade brasileira, é relevante observar que a Corte Europeia de Direitos Humanos, em 2014, no caso Togonidze v. Georgia, já teve oportunidade de manifestar que acordos criminais, similares ao ANPP, não ofendem ao contraditório e ao devido processo legal. E nos EUA, a Suprema Corte reconheceu, no caso Brady v. USA, em 1970, a constitucionalidade do plea bargaining quando o tribunal estipulou algumas condições para que o acordo seja válido. (MORAIS, 2018, online)
No entanto, o nosso país e os Estados Unidos são países diferentes, possuem sistemas jurídicos desiguais com formas de atuações do Ministério Público diversas. Sendo assim, o Brasil cria um instituto semelhante ao plea bargaining, mas com diversas alterações, a fim de se ver adequado ao nosso ordenamento jurídico.
Portanto, no ano de 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público edita a Resolução nº 181, prevendo a possibilidade do Ministério Público de realizar o acordo de não persecução penal. Porém, a resolução foi taxada como inconstitucional, sendo alvo de diversas críticas. (CUNHA, 2020)
Diante de tal resolução, a Associação de Magistrados Brasileiros e a Ordem dos Advogados do Brasil proporão ações diretas de inconstitucionalidade. Na primeira ação direta de inconstitucionalidade de nº 5790, alegava-se que a resolução do Conselho Nacional do Ministério Público adentrava a competência legislativa, legislando sobre matéria processual penal, portanto, violava direitos e garantias individuais do acusado. Já na segunda ação direta de inconstitucionalidade de nº 5793, argumentava-se que a resolução ofendia ao princípio da reserva legal e da segurança jurídica. (CUNHA, 2020)
Então somente no ano de 2019, após muita discussão, que a Resolução 181/17 foi complementada pela Resolução 183/18, alcançando o status de norma. Fato este que ocorreu por meio da promulgação da Lei 13.964 de 24 de dezembro de 2019, que inseriu o art. 28-A do Código de Processo Penal, regularizando o acordo de não persecução penal. (SOUZA, 2018)
Com o surgimento da Lei nº 13.964 de 24 de dezembro de 2019, denominada como “Pacote Anticrime”, recebe o nosso ordenamento jurídico mais um instituto processual penal de justiça negociada, ao lado da transação penal e da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95).
1.2 Noções gerais acerca do instituto.
O sistema judicial brasileiro, ao conduzir seus recursos e estrutura para combater os crimes graves, ganha agilidade, eficiência e enfrenta a criminalidade com grande êxito. Nesse cenário, é crescente o interesse dos observadores da Civil Law na solução da justiça negociada. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Desta forma, buscando à rapidez na solução das lides, uma vez cumpridos os requisitos estabelecidos por lei, é devidamente cabível a realização do procedimento conhecido como acordo de não persecução penal. Sendo essa, uma das alternativas mais promissoras para tornar o sistema judiciário brasileiro mais competente e apropriado. (CABRAL, 2019)
Uma das alternativas mais promissoras para tornar o sistema mais eficiente e adequado repousa na implementação de um modelo de acordo no âmbito criminal. Com isso, seria estabelecido um sistema com a eleição inteligente de prioridades, levando para julgamento plenário somente aqueles casos mais graves. Para os demais casos, de pequena e média gravidades, restaria a possibilidade da celebração de acordos que evitariam o full trial. (CABRAL, 2019, p. 18)
Portanto, o acordo de não persecução penal é um mecanismo jurídico extraprocessual que pretende viabilizar a realização de acordos bilaterais entre o Ministério Público e o infrator de crimes penais para que cumpra determinadas medidas, sem a necessidade de sofrer todos os males de um processo criminal tradicional.
Nesse sentido, busca-se, adiantar uma realidade inevitável, onde delitos mais brandos, cuja pena seja relativamente pequena, não acarretará em efetivo afastamento do indivíduo da sociedade. Deste modo, por mais que o mecanismo judicial seja posto em movimento, o autor do crime receberá ao final do processo sanções alternativas. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Conforme previsão expressa do art. 28-A do Código de Processo Penal, não sendo caso de arquivamento da investigação, o acordo será proposto pelo Ministério Público quando, cominada pena mínima inferior a 4 (quatro anos), nem o crime ter sido cometido com violência ou grave ameaça a pessoa e, o investigado tiver confessado formalmente a sua prática, mediante condições descritas nos incisos do referido artigo. (LOPES, 2020)
Por oportuno, cabe a transcrição do referido artigo e de seus incisos com relação a nova redação do artigo 28 “A” do Código de Processo Penal:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. (BRASIL, 1941)
Diante do exposto, é válido dizer que a lei atribui ao Ministério Público um alto nível de discricionariedade, tendo em vista reconhecer expressamente a estipulação de obrigações não previstas no referido artigo. Podendo ser aplicável tanto aos crimes comuns, que equivale à maior parte dos processos da justiça criminal, como para os crimes enunciados do direito penal econômico, que por sua vez, são objetos das grandes operações policiais. (OLIVEIRA, 2020)
Cabe ainda dizer, que as condições previstas nos referidos incisos não se tratam de penas, pois as obrigações são determinadas em momento anterior à ação penal, que sequer existirá em caso de realização do acordo.
De outro norte, nos termos do artigo 28-A, § 2º, do Código de Processo Penal, não ocorrerá o acordo de não persecução penal nos casos em que:
I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. (BRASIL, 1941)
Por meio do exposto, percebe-se que o acordo de não persecução penal, na prática, possui incidência seletiva, sendo aplicável apenas aos delitos menos graves, funcionando como mais um instrumento ligado à justiça restaurativa. (CUNHA, 2018)
Com relação a formalização do acordo de não persecução penal, a Resolução nº 181, do Conselho Nacional do Ministério Público, em seu artigo 18, §3º, estabelece:
O acordo será formalizado nos autos, com a qualificação completa do investigado e estipulará de modo claro as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para cumprimento, e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e seu defensor. (Redação dada pela Resolução n° 183, de 24 de janeiro de 2018)
Percebe-se, portanto, que o acordo poderá será realizado nos autos do procedimento investigativo, como nos autos do inquérito policial, uma vez que ambos procedimentos possuem a mesma natureza jurídica.
Ainda, verifica-se que o acordo deve ser submetido à análise judicial, se o juiz considerar o acordo cabível, enviará os autos ao Ministério Público para que possa ser implementado. Caso o magistrado considere o acordo incabível, encaminhará os autos ao procurador-geral ou órgão superior interno para apreciação. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Por fim, conforme preceitua o § 10º do Código de Processo Penal, com relação a nova redação do artigo 28 “A”:
Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia. (BRASIL, 1941)
Assim, como qualquer negócio jurídico, seu descumprimento demanda uma sanção. À vista disso, em hipótese de descumprimento do acordo pelo investigado, o Ministério Público deverá, se for o caso, oferecer a denúncia, bem como poderá deixar de oferecer eventual suspensão condicional do processo.
Por outro lado, uma vez cumprida integralmente as obrigações constantes no acordo, o Ministério Público não terá outra saída, a não ser proceder com o arquivamento da investigação.
1.3 A previsão legal no Brasil.
Nosso sistema jurídico tem uma escala padronizada e reflete uma ordem constitucional positiva. Nesse sentido, no topo das diretrizes, está a Constituição Federal e suas emendas constitucionais, que são os instrumentos estruturantes de um país democrático de direito. Além da Constituição, constatamos também que foram ratificados tratados internacionais de direitos humanos com quórum de emendas constitucionais. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Em seguida, estão os atos normativos primários que extraem diretamente seu fundamento e eficácia das normas constitucionais. Aqui, encontramos muitas espécies normativas com a mesma natureza jurídica, como leis, medidas provisórias, tratados internacionais que não envolvem direitos humanos e resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Por fim, no nível abaixo dos atos normativos primários, encontramos os atos normativos secundários. Esses dispositivos extraem diretamente sua eficácia dos atos normativos primários, e indiretamente, das normas constitucionais. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
É importante destacar que os atos normativos primários não se limitam à lei, mas a toda espécie normativa que estabeleça diretamente as bases de sua validade de acordo com a Constituição Federal. (PAULO, 2016)
Para a doutrina clássica, a lei ordinária em tudo poderia imiscuir-se, não existindo domínio que lhe fosse vedado. À lei ordinária eram reservadas constitucionalmente certas matérias – mas nenhuma lhe era vedada, sendo o seu campo de atuação amplo e indeterminado.
No constitucionalismo moderno, contudo, essa posição não mais condiz com a realidade, isso porque, ao lado da lei ordinária, outros atos normativos primários são encontrados nos ordenamentos atuais, como é o caso da nossa vigente Carta Política, que enumera, paralelamente à lei ordinária, a lei complementar, os decretos legislativos, as resoluções etc., definido para esses campos específicos de atuação. (ALEXANDRINO, 2016, p. 513)
Com base no exposto, percebe-se que a lei não é a única forma legislativa capaz de veicular atos dotados de generalidades e abstração fundamentados na Constituição. O próprio texto Constitucional prevê as resoluções como meio adequado à estruturação de normas gerais e abstratas, aptas a emanar direitos e obrigações para o jurisdicionado.
Nesse sentido, partindo da premissa de que a Resolução nº 181 do Conselho Nacional do Ministério Público é um ato normativo primário, é desdobramento lógico de que tal norma é presumidamente constitucional, gozando de aplicação imediata aos casos cabíveis. (BARROS, ROMANIUC, 2019)
Não se deve pressupor que o legislador haja querido dispor em sentido contrário à Constituição; ao contrário, as normas infraconstitucionais surgem com a presunção de constitucionalidade. Daí que, se uma norma infraconstitucional, pela peculiaridades da sua textura semântica, admite mais de um significado, sendo um deles coerente com a Constituição e os demais com ela incompatíveis, deve-se entender que aquele é o sentido próprio da regra em exame- leitura também ordenada pelo princípio da economia legislativa ou da conservação das normas. (MENDES, 2015, p. 97)
Sendo assim, na qualidade de fiscal da ordem pública e cumpridor de suas normas, o membro ministerial quando convencido da aplicabilidade de acordo em determinado caso, não pode, portanto, fugir do dever de aplicar soluções menos prejudiciais ao acusado.
Desse modo, devemos nos atentar para o fato de que o acordo de não persecução penal, sob uma perspectiva constitucional, é um direito fundamental, por força do art. 5º, § 2º da Constituição Federal, que assim dispõe:
Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja parte. (BRASIL, 1988)
Pois bem, o acordo de não persecução penal é direito fundamental do réu, de modo que negar sua aplicação seria negar a existência de uma garantia essencial ao acusado e violar um conjunto considerável de outros direitos igualmente fundamentais.
Assim defende Vladimir Aras sobre o acordo de não persecução penal que ele não viola o princípio da legalidade, sendo que:
O acordo de não persecução penal não viola a legalidade nem o devido processo legal porque é mero ajuste extrajudicial, para não exercício do direito de ação pelo titular. As obrigações assumidas pelo investigado estão no limite da sua autonomia da vontade. A atividade do Ministério Público funda-se no art. 129 da Constituição e tem suporte legal no art. 28 do CPP e no art. 3º do CPC e, por força do art. 3º do CPP, observa-se incidência da Lei 9.099/1995 e da Lei 12.850/2013. (2019, p. 82)
Ora, sendo a Resolução nº 181 do Conselho Nacional do Ministério Público ato normativo primário, e trazendo em seu corpo matérias mais benéficas ao acusado, não restam dúvidas de que inexiste qualquer violação constitucional.
Além disso, o acordo de não persecução penal já faz parte da nova era do ordenamento jurídico brasileiro, a justiça penal negociada. E por ser o instrumento mais benéfico, deve ser considerado direito fundamental do acusado, por expressa previsão constitucional.
CAPÍTULO II – REQUISITOS QUE REGEM ESSE INSTITUTO
O presente capítulo destina-se a discorrer sobre as hipóteses de cabimento do acordo de não persecução penal, fazendo uma análise aprofundada de todos os seus requisitos. Além disso, busca decorrer sobre as vedações e as implicações, que a justiça penal negocial enfrenta por parte da doutrina. E por fim, fazer o estudo sobre alguns dos princípios fundamentais que estão relacionados com o acordo de não persecução penal.
2.1 Hipóteses de cabimento do acordo de não persecução penal.
De acordo com a Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público, nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa e com pena mínima não superior a 4 (quatro) anos, incluindo outros requisitos previamente estabelecidos nessa norma, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não persecução penal. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Conforme disposto no caput do artigo 18 da Resolução, é possível extrair que, em todo acordo, quatro requisitos serão sempre exigidos para sua realização, quais sejam: a) Não ser o caso de arquivamento; b) crime com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos; c) delito não cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa; e d) o acusado tiver confessado formal e circunstanciadamente. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
De início, vemos que o cabimento do acordo, tal como na transação penal, só é possível se não for o caso de arquivamento. (CUNHA, 2018)
O acordo de não persecução penal não pode ser considerado uma alternativa ao pedido de arquivamento, sendo indispensável a presença do fumus comissi delict. Compreende-se por fumus comissi delicti a confirmação da existência de um crime e dos indícios suficientes de autoria. (LOPES JR, 2019, p. 942)
Em outras palavras, é imprescindível que estejam presentes as condições da ação penal, principalmente no que diz respeito à prova de materialidade e indícios de autoria.
Logo em seguida, a Resolução determina um limite objetivo no que se refere ao quantum da pena cominada ao crime, restringindo a aplicação do instituto às infrações penais cuja pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos. (CUNHA, 2018)
A opção pela mínima inferior a 4 anos foi a constatação de que nos crimes sem violência ou grave ameaça os juízes brasileiros condenam na pena mínima, portanto, pena inferior a 4 anos sempre será substituída por pena alternativa. (DIRCEU, 2019, p. 53)
Nesse sentido, para se obter o cálculo do limite, é preciso que sejam observadas as causas de aumento e diminuição de pena, conforme previsto no artigo 18, § 3º desta Resolução.
Adiante, a fim de que seja cabível o acordo, é necessário que o crime imputado não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça à pessoa. Este requisito lembra o disposto no artigo 44, inciso I do Código Penal, que estabelece as hipóteses de substituição de pena privativa de liberdade por restritivas de direito. (CUNHA, 2018)
A violência reside no emprego de força contra a vítima, cerceando a sua liberdade de ação e não só de vontade, bastando para caracterizá-la a lesão corporal leve ou as vias de fato. A violência pode ser classificada em própria (real), quando há o emprego de força física, ou imprópria, quando o agente se utilize de outro meio para reduzir a resistência da vítima. (OLIVEIRA, 2018, online)
Tendo em vista que ambas as medidas, acordo de não de persecução penal e substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, destinam evitar o cárcere, é singelo que neles só enquadrem os delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.
Superados esses requisitos, é essencial ainda que haja confissão formal e circunstanciada do acusado. A formalidade da confissão determina o seu registro pelos recursos de gravação audiovisual, além do acusado estar acompanhado de defesa técnica. De outro modo, a confissão circunstanciada é aquela que expõe a versão detalhada dos fatos, cujas informações mantenham compatibilidade, coerência e concordância com as demais provas contidas nos autos. (CUNHA, 2018)
No acordo de não persecução penal, a confissão tem como um de seus objetivos impedir que um acordo seja celebrado por pessoa cujas provas não indicam ou convirjam para a sua participação no delito. A confissão, portanto, deve fortalecer o conjunto probatório do procedimento investigatório, para que, juntamente com os demais elementos de prova, seja assegurado a realização do acordo por quem de fato praticou o delito. (SOUZA, 2018, p. 153)
Nesse aspecto, podemos dizer que o acordo de não persecução penal se difere nos institutos trazidos pelo advento da Lei 9.099/95 e mais se parece ao plea bargaining norte americano, visto que exige o reconhecimento da culpabilidade.
Indo adiante, o dispositivo elenca uma série de condições a serem impostas isoladas ou cumulativamente ao infrator do ilícito penal, dentre elas a reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária, dentre outras. Tal apreciação caberá ao titular da ação penal com atribuição natural para apreciar o caso com suas particularidades, quando a ele submetido. (BARROS, ROMANIUC, 2019)
Em seguida, deve-se ressaltar que, conforme o artigo 18, inciso V da Resolução, as condições a serem fixadas não foram trazidas de forma exauriente pela regulamentação do Conselho Nacional do Ministério Público. (SOUZA, 2018)
Por oportuno, cabe a transcrição do referido artigo e de seu inciso V com relação a nova redação do artigo 28 “A” do Código de Processo Penal:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
(...)
V - Cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. (BRASIL, 1941)
Nesse sentido, a Regulamentação do Conselho Nacional do Ministério Público seguiu a mesma linha já defendida e consolidada por entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do instituto da suspensão condicional do processo, podendo concluir, mutatis mutandi, pela plena possibilidade de celebração de acordo ente o órgão acusador e o infrator.
2.2 Das vedações ao acordo de não persecução penal.
Assim como a regulamentação do Conselho Nacional do Ministério Público trouxe hipóteses de cabimento para a realização do acordo de não persecução penal, a mesma norma também tratou de afastar expressamente a possibilidade de resolução consensual para determinadas situações. (SOUZA, 2018)
Diante disso, cabe a transcrição das referidas hipóteses previstas no § 1º do artigo 18 da Resolução n. 181:
§ 1º Não se admitirá a proposta nos casos em que:
I – for cabível a transação penal, nos termos da lei;
II – o dano causado for superior a vinte salários mínimos ou a parâmetro econômico diverso definido pelo respectivo órgão de revisão, nos termos da regulamentação local;
III – o investigado incorra em alguma das hipóteses previstas no art. 76, § 2º, da Lei nº 9.099/95;
IV – o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal;
V – o delito for hediondo ou equiparado e nos casos de incidência da Lei nº 11.340, RESOLUÇÃO Nº 181, DE 7 DE AGOSTO DE 2017. 16/20 CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO de 7 de agosto de 2006;
VI – a celebração do acordo não atender ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. (BRASIL, 2017)
Primeiramente, nota-se que é vedada a aplicação do acordo de não persecução penal quando for cabível a transação penal. Dessa forma, em frente à existência de outro meio que possa trazer benefício similar ao autor de crime, restará afastada a possibilidade de celebração do acordo de não persecução penal. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Essas vedações são justificáveis dentro da estruturação sistemática da legislação penal, pois, a prevalência da transação penal em relação ao acordo de não persecução penal decorre de ser a transação penal instituto despenalizador mais benéfico, com menos requisitos e menores consequências, por incidir nas infrações de pequeno potencial ofensivo, dentro da disciplina da Lei dos Juizados Especiais. (EL TASSE, 2020, online)
Portanto, podemos dizer que, o acordo de não persecução penal possui um caráter subsidiário em relação à transação penal, não sendo juridicamente cabível aos crimes de menor potencial ofensivo.
Em seguida, no inciso II, foi determinado um limite em relação ao valor do dano causado, não podendo ultrapassar o teto de 20 (vinte) salários mínimos. Ressalva-se, que está limitação deve ser posta independentemente de quem seja o sujeito passivo do crime, Estado ou particular. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Havendo então a reparação do dano, não há nenhum sentido em estabelecer um teto impeditivo do acordo de não persecução penal. Todavia, havendo um teto, deveria haver uniformidade em todo o território nacional. (JÚNIOR, 2019, p. 340)
Nesse sentido, a finalidade de se estipular o valor máximo do dano está intrinsecamente relacionado à expressão do dano. Por este motivo, optou-se por uma limitação patrimonial para fins de aplicação do acordo.
Seguidamente, o acordo será vedado caso o acusado incorra em algumas das hipóteses previstas no § 2º do artigo 76. Portanto, não será possível o acordo se ficar comprovado ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa; e por fim, quando não indicar os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, se faz necessário e suficiente a adoção da medida. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Com o Direito Penal de autor surge o denominado tipo de autor, pelo qual o criminalizado é a personalidade, e não a conduta. A tipologia etiológica tem por fim último detectar os autores sem que seja preciso esperar o acontecimento da conduta. Ou seja, não se coíbe o subtrair coisa alheia móvel, mas ser ladrão; não se proíbe matar, mas ser homicida, etc. Não se despreza o fato, o qual, no entanto, tem apenas significação sintomática: presta-se apenas como ponto de partida ou como pressuposto da aplicação penal. Nela também se possibilita a criminalização da má vida ou estado perigoso, independentemente da ocorrência do delito, por meio da seleção de indivíduos portadores de determinados caracteres estereotipados: vagabundos, prostitutas, dependentes tóxicos, jogadores, ébrios, etc. Ou, também, a aplicação de penas pós-delituais, em função de determinadas características do autor, por meio de tipos normativos de autor: reincidentes, habituais, profissionais, etc. (BRUNONI, 2019, online)
Entendemos que o titular da ação penal pode até deixar de realizar o acordo quando os motivos e as circunstâncias não se mostrarem suficiente à adoção da medida, tomando-se cuidado para não se negar o direito do acusado por razões que não dizem respeito à sua conduta.
Adiante, o instituto será vedado quando o decurso do lapso temporal do acordo puder acarretar a prescrição penal. Desse modo, para ser possível sua execução, não será admitido que, durante o seu transcurso, possa ocorrer a prescrição do fato delitivo. (SOUZA, 2018)
Tendo em vista que as hipóteses de suspensão e interrupção do prazo prescricional devem constar expressamente na lei, uma vez que são prejudicais ao autor do fato delitivo (demandando esta espécie normativa), o acordo, portanto, não obsta o transcurso normal do lapso temporal para fins de prescrição.(BARROS; ROMANIUC, 2019, p. 74)
Diante do exposto, é valido dizer que, a introdução do instituto não tem como objetivo abrir mão da pretensão punitiva estatal, mas sim atribuir maior coerência ao nosso sistema penal, com respostas mais rápidas aos crimes menos graves.
Por sua vez, a resolução afastou os crimes mais graves, não sendo cabível o acordo quando se tratar de crimes hediondos e equiparados (terrorismo, tortura e tráfico de entorpecentes) ou, do mesmo modo, quando se tratar de crimes cometidos no contexto de violência doméstica e familiar. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
E é essa condição (vulnerabilidade) que justifica o tratamento diferenciado que a Lei Maria da penha reservou às mulheres (não todas, mas as que se encontram em situação de violência no contexto doméstico, familiar ou em uma relação íntima de afeto). Recusar essas circunstâncias representa a negação da própria motivação da Lei Maria da Penha como de ação afirmativa. (BIANCHINI, 2019. p. 21)
Por meio do exposto, percebe-se que a proibição do acordo nesse caso é uma política criminal adotada pelo legislador e Conselho Nacional do Ministério Público como uma forma de tentar diminuir a violência doméstica.
Por fim, o acordo não será cabível quando em si não for suficiente para a reprodução e prevenção do crime. Melhor dizendo, a vedação visa tão somente evitar a celebração do acordo quando não for possível atingir a prevenção do crime em seu aspecto especial positivo, ou seja, a ressocialização do indivíduo. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
A prevenção penal se biparte em dois grandes segmentos, quais sejam prevenção geral e prevenção especial. Enquanto a prevenção geral lida com um aspecto genérico do Direito Penal, voltado a toda sociedade, a prevenção especial visa tão somente aquele indivíduo que violou norma penal, no caso concreto. (BARROS, 2019, p. 76)
É através dessa regulamentação restritiva onde percebemos que o acordo de não persecução penal, na prática, possui ocorrência seletiva, sendo aplicável tão somente aos crimes de média lesividade, funcionando como uma ferramenta ligada à justiça restaurativa.
2.3 Princípios que fundamentam o acordo de não persecução penal.
Para conseguir sua plenitude como legítimo instrumento, a adoção pelo Brasil do acordo de não persecução penal obedece a certos comandos normativos. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Como ponto de partida, temos o princípio constitucional da celeridade processual. A morosidade da justiça brasileira causa duplo prejuízo, ao acusado, a demora processual causa a incerteza sobre o seu futuro e condicionamento de sua liberdade, bem como a sociedade, pois esta grita por uma justiça em tempo adequado. (BRANDALISE, 2006)
De fato, nunca entendemos por que o legislador brasileiro defende a eternização das lides, sendo um dos motivos que deixa o processo penal moroso é o atraso do pensamento da doutrina brasileira. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
O funcionalismo é atualmente a corrente dominante no mundo, menos no Brasil, e defende que apenas atos penais relevantes e com impacto social devem ser priorizados e processados, mudando com a visão automatizada do finalismo que ainda vigora no Brasil. O funcionalismo propõe punir menos, mas punir melhor, e com impacto social, o que acaba inibindo a criminalidade, em vez do atual sistema caótico e sem racionalidade, que leva o direito penal ao descrédito. (MELO, 2019, p. 89)
Portanto, pretendendo à celeridade na resolução das lides, uma vez cumpridos os requisitos estipulados pelo nosso ordenamento jurídico, é perfeitamente possível a realização do acordo de não persecução penal.
Adiante, temos como segundo princípio, o da efetividade. O Código Penal e o Código de Processo Penal são normas antigas, e consequentemente, tornaram-se os vilões do retardamento processual causando óbice à efetividade do processo. (BARROS, ROMANIUC, 2019)
Nesse sentido, a ideia de efetividade está profundamente ligada ao dever de cuidar pela rápida solução da lide. A morosidade corroí as bases da ordem jurídica justa na medida em que gera séria descrença aos que esperam uma prestação jurisdicional eficaz. (CUNHA, 2018)
Pode-se dizer que a Constituição Federal assegura muito mais do que a mera formulação de pedido ao Poder Judiciário, assegura um acesso efetivo à ordem jurídica justa. (...) É evidente que quando se emprega o termo efetividade no processo quer traduzir uma preocupação com a eficiência da lei processual, com sua aptidão para gerar os efeitos que dela é normal esperar. (RIBEIRO, 2006, p. 153)
Sendo assim, fazendo referência ao acordo de não persecução penal, conclui que, a preocupação central agora já não deve ser somente a decisão do caso, mas sim a busca de solução para o conflito.
Seguindo em frente, o terceiro princípio é o da economia processual, que busca extrair o máximo de rendimento do processo. Isto é, evitar desperdícios na condução do processo. (BARROS, ROMANIUC, 2019)
Desse modo, o acordo de não persecução penal representa o cumprimento absoluto desse princípio, uma vez que evita a burocratização do caso com a deflagração de um processo sem necessidade. (SOUZA, 2018)
A flexibilização do princípio da obrigatoriedade, ou, ainda mais radicalmente, a instituição do princípio da oportunidade da ação penal pública entre nós, desde que, observada a recomendação de Roxin, o Ministério Público estabelecesse uma política de persecução penal, daria melhores condições para a Instituição priorizar a atividade na punição dos fatos que causam maior lesividade social e ao mesmo tempo propiciaria o alívio das pautas judiciárias de direito administrativo. (BOSCHI, 2010, p. 134)
Pois bem, uma vez retirado do sistema judiciário os crimes mais simples e numerosos, os atores processuais poderão agir de forma direcionada, onde a criminalidade é mais prejudicial a sociedade.
Por fim, como último princípio que rege o acordo de não persecução penal, temos a observância dos tratados internacionais da Convenção Europeia para salvaguardas dos Direitos do Homem e das Liberdade Fundamentais e o Pacto de San José da Costa Rica.
É valido registrar que a Assembleia Geral das Nações Unidas, desde 14 de dezembro de 1990, através da Resolução n. 45/110, renomada como Regras de Tóquio, consolidou a necessidade da implementação de medidas alternativas a serem tomadas antes do início do processo. (BARROS, ROMANIUC, 2019)
Sempre que adequado e compatível com o sistema jurídico, a polícia, o Ministério Público ou outros serviços encarregados da justiça criminal podem retirar os procedimentos contra o infrator se considerarem que não é necessário recorrer a um processo judicial com vista à proteção da sociedade, à prevenção do crime ou à promoção do respeito pela lei ou pelos direitos das vítimas. Para a decisão sobre a adequação da retirada ou determinação dos procedimentos deve-se desenvolver um conjunto de critérios estabelecidos dentro de cada sistema legal. Para infrações menores, o promotor pode impor medidas não privativas de liberdade, se apropriado. (CNJ, 2019, online)
Ora, diante de tais razões, é que a comissão redatora do acordo de não persecução penal do Conselho Nacional do Ministério Público entendeu que, ocorreria um grande avanço na qualidade do nosso sistema judiciário com a adoção do referido instituto.
CAPÍTULO III – MODIFICAÇÕES TRAZIDAS PELO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL AO BRASIL
O presente capitulo tem por objetivo estudar de forma suscinta o sistema judiciário brasileiro, abordando o surgimento e a modernização do Direito. Assim como, é importante o estudo sobre o impacto gerado pelo acordo de não persecução penal em nosso país. Por fim, mostra-se interessante a análise dos benefícios que tal instituto ocasionou em nosso ordenamento jurídico.
3.1 Noções gerais sobre o sistema judiciário brasileiro.
A princípio, pode-se dizer que é próprio ao convívio social o advento de conflitos de interesses. Porém, quando não existia o Estado, com força eficiente para solucionar tais conflitos, provocados pela resistência entre as vontades, a pessoa, por conta própria, tentava obter sua pretensão. Desta forma, dominava o sistema da autodefesa, pelo qual levava proveito o mais forte, ousado e astuto. (CARNEIRO, 2006)
A composição, que ainda vive no direito moderno, similarmente é uma forma de autodefesa de solução de conflitos, todavia, ambas as partes realizam seus interesses cedendo parte deles. Ergueu-se, assim, o favoritismo pela solução amigável, dada por terceira pessoa que ostentasse confiança, como os anciãos e os sacerdotes que eram chamados a resolver as causas. (CARNEIRO, 2006)
O Estado deveria ser a instituição fundamental para regular as relações humanas, dado o caráter da condição natural dos homens que os impele à busca do atendimento de seus desejos de qualquer maneira, a qualquer preço, de forma violenta, egoísta, isto é, movida por paixões. (HOBBES, 2014, p. 56)
À medida que o Estado se foi afirmando, a responsabilidade e o poder de extinguir os conflitos foram-lhe transferidos. Inicia-se no século III d. C. a capacidade do Estado de impor a sua vontade sobre os particulares para resolver os conflitos de interesses.
Em sua obra “Do espírito das leis”, Montesquieu, menciona que, em cada Estado, há três espécies de poderes, que são: o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, o poder executivo das coisas que dependem do direito civil e o poder legislativo.
O estado para ter autonomia de poder, tinha que dividir suas funções na sociedade e dar livre competência a seus órgãos representativos. A existência da repartição de poderes é, pois, o núcleo caracterizador das formas do Estado Federado, unitário e confederado. (MONTESQUIEU, 2006, p. 134)
Assim, a história política brasileira corrobora uma ampla experiência de formas de governo, tendo em vista as experiências com o parlamentarismo, com o presidencialismo, com o regime militar e com a democracia. Os governos ditatoriais contribuíram para que o Judiciário adotasse, por certo tempo, o perfil de poder silencioso, discreto, neutro e pouco interativo, surgindo a impressão de que o Judiciário é um poder inatingível. (BONAVIDES, 2001)
No entanto, a democracia promoveu a tomada de consciência da sociedade quanto à relevância do Poder Judiciário, convidando-o a participar ativamente do processo democrático. Dessa forma, habitamos num sistema que legitima o Judiciário a submeter a julgamento qualquer pessoa que seja, quando este não acatar aos limites e aos deveres a que a lei o impõe. (BONAVIDES, 2001)
Em atenção ao espírito democrático, a Carta de 88 trilhou um caminho de valorização e qualificação da representação política e da cidadania, fortemente agredidas durante a ditadura. Em vista disso, estabeleceu garantias aos parlamentares no exercício de suas funções, fortaleceu a separação de poderes, instituiu instrumentos de democracia direta como o plebiscito e o referendo, além disso, abriu espaço para comunicação entre a sociedade civil e o Poder Legislativo. (CARVALHO; VIEIRA, 2011, p. 31)
A Constituição de 1988 concedeu aos tribunais brasileiros um poder de autogoverno constituído na eleição de seus órgãos diretivos, criação de seus regimentos internos, estruturação de suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhe forem vinculados, no provimento dos cargos de magistrados de carreira da devida jurisdição, tal qual no provimento dos cargos necessários à administração da Justiça. (MENDES, 2013)
Aliás, a Constituição idealiza algumas diretrizes básicas para a organização do Poder Judiciário como um todo, tais como: a) ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito no mínimo três anos de atividade jurídica; b) promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento; c) aferição do merecimento conforme o desempenho pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; d) a recusa do juiz mais antigo pelo voto fundamentado de 2/3 dos membros do Tribunal. (MENDES, 2013)
O estado existe para realizar a segurança, a justiça e o bem-estar econômico e social, os quais constituem o seu fim. Nos tempos modernos, ainda somos regidos pelo estado, e, é ele, o responsável para solver os litígios, regulando-os de acordo com as leis que regem nosso país, por intermédio de seus instrumentos legítimos. (CARVALHO, 2012, p. 140)
Todavia, apesar dos avanços expressivos no tocante à racionalização de procedimentos, não se há de esquecer do constante esforço em eliminar, a morosidade imputada à justiça.
Assevera Rocha (1993, p. 37), ante a problemática da morosidade presente no sistema judiciário brasileiro:
Não se quer justiça amanhã. Quer-se justiça hoje. Logo a presteza da resposta jurisdicional pleiteada contém-se no próprio conceito do direito garantia que a justiça representa. A liberdade não pode esperar, porque enquanto a jurisdição não é prestada, ela pode estar sendo afrontada de maneira irreversível; a vida não pode esperar, porque a agressão ao direito à vida pode fazê-la perder-se; a igualdade não pode esperar, porque a ofensa a este princípio pode garantir a discriminação e o preconceito; a segurança não espera, pois a tardia garantia que lhe seja prestada pelo Estado terá concretizado o risco por vezes com a só ameaça que torna incertos todos os direitos.
A transformação do Judiciário, realizada pela Emenda Constitucional nº 45, de dezembro de 2004, acarretou importantes novidades no campo do sistema judiciário brasileiro, direcionadas aos objetivos do aumento da transparência e da eficiência do Judiciário, além de impulsionar a execução do princípio da segurança jurídica em uma maior escala.
Desse modo, enfatiza entre as inovações criadas pela referida Emenda Constitucional, a criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão de controle do Poder Judiciário, composto por representantes da magistratura, da advocacia, da sociedade civil e do ministério público, e responsável de efetuar a supervisão da atuação administrativa e financeira do Judiciário. (MENDES, 2013)
A fundação do Conselho Nacional de Justiça não aconteceu para responder a desejos da magistratura por maior independência e autonomia, sequer para impossibilitar a interferência de outros Poderes no Poder Judiciário, e sim como meio de incorporação e administração dos diversos órgãos jurisdicionais do país, através de um organismo central com prerrogativas de controle e fiscalização de caráter financeiro, correcional e administrativo. (MENDES, 2013)
No sistema Judiciário brasileiro, há órgãos que funcionam no âmbito da União e dos estados, incluindo o Distrito Federal e Territórios. No campo da União, o Poder Judiciário conta com as seguintes unidades: a Justiça Federal (comum) incluindo os juizados especiais federais, e a Justiça Especializada composta pela Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar. (STF, 2011, online)
No Brasil, como a autonomia e a independência do Poder Judiciário já são amplamente asseguradas desde a Constituição de 1988, a instituição do Conselho Nacional de Justiça visou, sobretudo, o acolhimento de procedimentos de controle eficiente da atividade administrativa dos diversos órgãos jurisdicionais.
Na medida em que o Poder Judiciário dispõe de uma independência relativa dentro da órbita estatal (em razão da existência de diversos poderes “harmônicos e independentes”) e devido também à ligação privilegiada com o direito, a entidade judiciária passa a ter um campo de ação mais amplo e mais variável que os demais ramos do aparelho repressivo. (NUNES, 2001)
O objetivo do Judiciário não é servir a si mesmo, fechando-se como uma ostra em torno de sua instituição, e sim, abrir-se para a população. Quando isto acontecer, haverá um Judiciário consolidado e respeitado pela sociedade, não por temor, mas por reconhecimento à sua capacidade de servir ao povo. Por esse motivo, há a necessidade das normas de organização interna do Judiciário se adequarem com o princípio jurídico básico, o princípio democrático. (CARNEIRO, 2006)
3.2 O impacto do acordo de não persecução penal ao Brasil.
É importante ressaltar que é diante das estatísticas do judiciário criminal brasileiro, como também do sistema penitenciário pátrio, tal qual pelas mudanças necessárias do direito penal, que vemos a proposta do acordo de não persecução penal como uma linha procedimental de fundamental adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro. (ARAÚJO, 2018)
Visto que, verificado as estatísticas, fica clara a necessidade de uma procura por novas vias para o sistema criminal do Brasil. Com a informação de tais dados, resta claro a falha, ou, no mínimo, a redução gradativa dos métodos utilizados atualmente, até mesmo considerando a proposição de reinserção social como principal política criminal no país, que na verdade não vem ocorrendo. (ARAÚJO, 2018)
Uma verdade precisa ser estabelecida: todo ordenamento jurídico mundial criou mecanismos para estimular a justiça criminal consensual, trazendo à tona uma nova política criminal, que visa evitar o uso do processo penal tradicional, optando pela utilização de institutos negociais. (BARROS; ROMANIUC, 2019, p. 5)
Deste modo, é de crucial relevância, a analogia sobre os tipos penais que mais encarceram no país, tal como qual o efetivo espaço de tempo que os penitenciados ficam encarcerados quando condenados a penas privativas de liberdade, o que frequentemente demonstra que há uma desproporção entre a conduta ilícita e a pena imposta.
Além disso, é necessário analisar a relação entre a ida às prisões brasileiras e a reincidência no crime, da mesma forma observar a situação dos presos provisórios, que suportam anos sem terem sua sentença proferida, ou até mesmo são subsequentemente inocentados, tendo continuado no triste ambiente prisional de forma inadequada. (ARAÚJO, 2018)
Ademais, é importante pensar se as penas privativas de liberdade de fato cumprem o seu papel, assim como se é coerente encarcerar pessoas quando praticaram delitos de menor gravidade, de forma que a pena não venha a ter efeito oposto do desejado, tornando a pessoa mais perigosa para a vida em sociedade. (ARAÚJO, 2018)
Constitui resposta realista do legislador (e, em nosso sistema, do constituinte) à ideia de que o Estado moderno não pode nem deve perseguir penalmente toda e qualquer infração, sem admitir-se, em hipótese alguma, certa dose de discricionariedade na escolha das infrações penais realmente dignas de toda atenção. (GRINOVER, 2005, p. 105)
Entretanto, não podemos esquecer que o princípio da obrigatoriedade é prevalecente no processo penal brasileiro, sendo inevitável reconhecer que há, com o acordo de não persecução penal, uma opção pelo princípio da oportunidade.
Acolhemos muito mais o conceito, as sugestões, aspirando os benefícios futuros, todavia reconhecemos que há de se ter o devido processo legal, o qual, inclusive, não deve ser lento, tendo em vista já existir um documento legal praticamente pronto para auxiliar nas discussões, qual seja a Resolução nº 181/2017. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Constatamos, portanto, o desacerto quanto ao modo de inserção do atual acordo. Achamos ser benéfico para a evolução do sistema penal brasileiro a existência do devido processo legal, com o intuito de que seja introduzido da forma certa esta ferramenta de solução consensual dos conflitos criminais no Brasil. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Enfim, urge ressaltar que sobre a flexibilização o princípio da obrigatoriedade, sendo este atenuado nos casos em que se possa escolher, com base na adequação funcional do direito penal, pelo princípio da oportunidade. Afinal, tal escolha tem se mostrado tendência no que se refere ao direito penal em sistemas jurídicos de diversos países do mundo. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Como por várias décadas prevaleceu a doutrina processual italiana na área penal, copiamos textos italianos sem uma análise profunda, sendo que na Itália a obrigatoriedade da ação penal é expressa na Constituição Federal. Mas, no Brasil não. E atualmente os juristas que dominam nesta área penal e processual são de origem alemã e não mais italiana, logo devemos mudar os paradigmas. (MELO, 2019, p. 113)
O grande problema não é se prendemos pouco, ou se não passa pela impunidade, nem pela falta de rigor da lei. Acreditamos que é muito mais uma questão de detalhe, de estudo, de acompanhamento adequado de cada caso. Existe uma desatualização da lei, o que a torna inapropriada para o uso. Pessoas que cometem crimes com impactos totalmente diferentes são postas no mesmo cesto.
No Brasil, temos a superlotação, e esta dificulta a capacidade de gerenciamento. A incapacidade de gerenciar resulta na formação de milícias, no domínio das cadeias pelos próprios detentos, que muitas vezes sequer deveriam estar ali, em ambientes detestáveis, sem nenhuma condição digna para seres humanos. (MELO, 2019)
Ao contrário de reinserir pessoas na sociedade, aptas ao convívio mesmo após terem cometidos crimes, criam-se instituições para formação de marginais. A população carcerária só aumenta e a violência não diminui, e isto não é por falta de rigor legal. É questão de reconhecer que nosso sistema falhou. O acordo de não persecução penal, apresenta-se como proposta para mudar tal realidade.
3.3 Quais mudanças beneficiam o nosso sistema judiciário.
Inicialmente, a aplicação da justiça penal negociada não é algo isolado, já sendo aplicada em diversos países, como, Alemanha, Argentina, Chile, Estados Unidos e Itália, dos quais alguns a efetivação do consenso ocorreu mesmo sem respaldo legal, por meio de iniciativas institucionais. Especialmente em países do Commom Law, a utilização de acordos penais demonstrou que esse instituto é muito importante para evitar o colapso do sistema de justiça. (LIMA; SOUZA, 2017)
Ademais, é relevante ressaltar que, no dia 14 de dezembro de 1990, a Assembleia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n. 45/110, denominada como Regras de Tóquio, expôs que a implementação de medidas alternativas, tomadas antes do início do processo, é algo fundamental para o sistema de justiça criminal. Tal Resolução sustenta a necessidade de um vasto sistema de acordo, sobretudo em relação aos delitos de pequena e média gravidade, porque, mesmo que não materialize norma vinculante, possui força de Soft Law. (CABRAL, 2018)
Oriundo do século IX, a constitucionalidade do plea bargaining agreement foi reconhecida pela Suprema Corte no caso Brady v. USA, em 1970. O debate chega atrasado no Brasil, não podemos mais conviver com normas editadas no século XVIII, que só causam morosidade ao sistema judicial. A mentalidade adverbial deve ser abandonada e métodos que estimulem o consenso são o futuro do nosso sistema judicial. (BARROS; ROMANIUC, p. 20)
No Brasil, é nítido que há uma grande morosidade e falta de credibilidade no sistema penal. Tal situação exige o desenvolvimento de uma solução institucional, isto é, a possibilidade da celebração do acordo de não persecução penal adequada aos dias atuais.
Em seguida, o acordo de não persecução penal não é matéria penal, nem processual. O Supremo Tribunal Federal reconheceu que as resoluções do Conselho Nacional de Justiça possuem caráter normativo primário, sendo capaz então o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça expedir atos regulamentares, no exercício de suas atribuições administrativas. Desta forma, a Resolução n. 181/17 estaria dentro de sua esfera de competência, já que visa a aplicação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da eficiência, do acusatório e da celeridade à atuação do Ministério Público. (CABRAL, 2018)
Ainda, pode-se dizer que a Resolução n. 181/17 não se configuraria como uma norma processual, uma vez que disciplina questões prévias ao processo penal e externas a atividade da jurisdição. Logo, não há invasão da competência legislativa da União para tratar de matéria processual, pois o acordo ocorre na fase do Procedimento Investigatório Criminal, campo puramente administrativo, isto é, pré-processual. (CABRAL, 2018)
O acordo de não persecução penal pode ser conceituado como instituto de caráter pré-processual, de direito negocial entre o representante do Ministério Público e o investigado, ou seja, trata-se de negócio bilateral, o que quer dizer que o investigado não está obrigado a aceitar as condições impostas, principalmente quando excessivas. (SILVA, 2020, online)
Além disto, o artigo 18 de referida Resolução, que trata acerca do acordo de não persecução penal, da mesma forma não se configuraria como normal penal, por não ocorrer a aplicação de verdadeiras penas. Isso pois, as condições estabelecidas pelo Ministério Público são individualizadas e determinadas em momento anterior à persecução penal.
A seguir, entende-se que a Resolução n. 181/17 percorre no espaço de composição dado pelo legislador às diretrizes existentes da política criminal, se tratando, todavia, de um instrumento de política criminal. (LIMA; SOUZA, 2017)
Um instrumento de política criminal serve de padrão crítico tanto do direito constituído, como do direito a constituir, dos seus limites e da sua legitimação. A política criminal oferece o critério decisivo de determinação dos limites da punibilidade e constitui, deste modo, a pedra-angular de todo o discurso legal-social da criminalização/descriminalização. (DIAS, 1999, p. 42)
Desta forma, o Ministério Público como titular privativo da ação penal, possui a atribuição de estabelecer políticas criminais, podendo determinar prioridades no exercício da persecução penal.
Outro ponto importante, é a discricionariedade regrada e a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal. Nos dias de hoje, o Ministério Público se pauta no princípio da oportunidade, em relação aos crimes de baixo e médio potencial ofensivo, devido ao excesso de processos nas varas criminais, dificultando que outros princípios constitucionais, como o princípio da celeridade e da eficiência, sejam cumpridos. (BARROS; ROMANIUC, 2019)
Não se pode afirmar que instrumentos de mitigação do princípio da obrigatoriedade gerem uma ideia de impunidade. Está claro que o processo penal não serve apenas para a aplicação de uma sanção, mas sim, como um instrumento de política criminal visando a eficiência da persecução penal. (LUI, 2019, online)
Desta maneira, é nítido os benefícios do acordo de não persecução penal aos valores como moralidade, eficiência e proporcionalidade, possibilitando com que, a obrigatoriedade cedesse espaço.
Seguidamente, outra indagação mencionada pela doutrina é se existiria um provável prejuízo ao investigado e à vítima. Cabe dizer que, o acordo de não persecução penal não amplia o jus puniendi do Estado, mas sim favorece o investigado que, além da redução da pena, não haverá sentença penal condenatória contra si. Do mesmo modo, não há nenhum prejuízo à vítima, pois um dos requisitos do acordo é que haja a reparação dos danos causado pela conduta ilícita, portanto, uma decisão imediata é mais vantajosa à vítima do que uma proferida após longos anos de tramitação. (LIMA; SOUZA, 2017)
Ademais, outro benefício do acordo de não persecução penal é a economia de recursos, pois é evidente que o Judiciário vem sofrendo para administrar todos os conflitos que a ele são encarregados. A realização de acordo, que pode levar a não propositura da denúncia, alivia as Varas Criminais e permite a priorização dos recursos financeiros, de modo a direcioná-los aos casos de maior complexidade, reduzindo o sentimento de impunidade, além de garantir uma maior eficiência. (LIMA; SOUZA, 2017)
O princípio da economia processual busca extrair o máximo de rendimento do processo, ou seja, evitar desperdícios na condução do processo. Dessa forma, o acordo de não persecução penal e o acordo de não continuidade da persecução penal representam a aplicação máxima desse princípio, pois evita a burocratização do caso com a deflagração de um processo sem necessidade. (BARROS; ROMANIUC, p. 44)
Ora, o que o mencionado acordo busca é a solução pacífica de conflitos sem a necessária culminação no encarceramento daqueles que praticaram pequenas infrações penais. Logo, é evidente que tal instituto gera economia de recursos e resultados satisfatórios em um tempo razoável.
A busca pela desburocratização tem feito com que a justiça penal consensual no Brasil caminhe a passos largos em direção do consenso com a celeridade, efetividade e eficiência da justiça. O sistema judicial criminal brasileiro, ao direcionar seus recursos e estrutura para combater os crimes graves, ganha agilidade, eficiência e enfrenta a criminalidade com grande eficácia. (BARROS, ROMANIUC, 2019)
CONCLUSÃO
Concluindo, o desenvolvimento da presente pesquisa possibilitou uma análise ampla da tendência do nosso ordenamento jurídico na resolução dos casos criminais. Em buscar de desafogar o Poder Judiciário e canalizar forças no combate aos crimes de maior gravidade, foram criados institutos para a execução da justiça penal consensual.
Tendo como objetivo geral a análise da justiça penal consensual como um instrumento que pode amenizar a demanda de processos criminais, gerando resultados positivos e mais céleres.
Como objetivo específico, o artigo voltou-se a explicar como a aplicação do acordo de não persecução penal pode trazer modificações positivas ao ordenamento jurídico, podendo, como exemplo, proporcionar efetividade, despenalização, celeridade na resposta estatal e satisfação da vítima, de maneira que os métodos clássicos já não se mostram mais eficientes.
Conclui-se que uma das alternativas mais promissoras para tornar o sistema mais eficiente e adequado repousa na implementação de um modelo de acordo no âmbito criminal. Com isso, o estudo foi voltado sobre a aplicação do acordo de não persecução penal, que já é uma realidade em nosso ordenamento jurídico.
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Data da conclusão/última revisão: 12/09/2021
Thalitton Ruisther de Godoi Souza e Adriano Gouveia Lima
Thalitton Ruisther de Godoi Souza: Acadêmico do curso de direito da Universidade Evangélica de Anápolis;
Adriano Gouveia Lima: Professor de Direito Penal da Universidade Evangélica de Anápolis. Mestre. Especialista em direito penal. Advogado criminalista.
Código da publicação: 11418
Como citar o texto:
SOUZA, Thalitton Ruisther de Godoi; LIMA, Adriano Gouveia..O acordo de não persecução penal e os seus requisitos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 20, nº 1072. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-penal/11418/o-acordo-nao-persecucao-penal-os-seus-requisitos. Acesso em 28 fev. 2022.
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