1 INTRODUÇÃO
O Direito Autoral é o poder atribuído ao autor com a finalidade exclusiva de se garantir a satisfação de seus interesses individuais (POLI, 2008), sua principal proteção jurídica no ordenamento jurídico brasileiro está no artigo 5º, inciso XXVII da Constituição Federal de 1988, na Lei de Direitos Autorais nº 9.610/1998 e Código Civil de 2002. Já a conceituação de escritor fantasma, em inglês,
ghost writer[2]: é a pessoa que escreve uma obra intelectual e não tem o seu nome revelado sendo que os créditos da autoria são dados para aquele “autor” que contratou o serviço de ghost writing.
Necessário salientar, nesse momento, a figura do host writer não se confunde com o autor real, apesar de suas semelhanças e possuírem a função de criação, a lei autoral brasileira ainda não legislou sobre o escritor fantasma.
Assim fica a pergunta: seria possível tornar obrigatória a revelação do autor real de todas as obras intelectuais existentes no meio jurídico?
Tal questão passa pelo recorte que se faz para o presente trabalho que é a análise da situação jurídica do ghost writers e quais as suas implicações no ordenamento jurídico brasileiro. Pretende-se verificar, a possibilidade da renúncia da paternidade da obra, na perspectiva de atuação profissional dos escritores fantasmas, em que atribui a outrem as criações intelectuais por eles desenvolvidas.
Para tanto, as definições conceituais e funcionais de autor e de ghost writers poderão contribuir para o entendimento de incluir os autores que são pagos para escrever para outro na categoria de obra por encomenda ou se seria apenas um contrato atípico. Convém destacar ainda que a reflexão sobre a renúncia da manifestação da titularidade nas criações textuais permitirá o entendimento que se a compra e venda de autoria pode garantir de forma ampla o exercício da autonomia privada.
Nessa perspectiva, o Direito Autoral deixa de ser visto como a tutela dos interesses do criador e passa a ser visto como a tutela das relações jurídicas decorrentes da criação (POLI, 2008), e para aprofundar a temática sobre o escritor fantasma, pretende-se apontar por meio de jurisprudências alguns casos práticos proferidos pelo ordenamento jurídico brasileiro reconhecendo a figura do ghost-writer e como esta função pode ser meio de garantir a autonomia privada nas atividades intelectuais.
Assim, apesar dos desafios que a aceitação de qualquer inovação enfrenta, a atividade da figura do ghost-writer é efetivamente um fato que precisa ter seu reconhecimento jurídico assegurado em sua modalidade de aplicação obra por encomenda, apesar de que na função de atividade profissional de assessoria, por exemplo, é também alvo de discussão.
2 BREVE CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO AUTORAL E A ATIVIDADE DE GHOST WRITERS NO BRASIL
Atualmente o direito autoral tem sua proteção legal no artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII da CRF/1988, no Código Civil de 2002, na lei de Direito Autoral nº 9.610/1998, Convenção de Berna Decreto nº. 75.699, Convenção Universal sobre o Direito de Autor Decreto nº. 76.905/1975 e Convenção de Washington - Decreto nº. 26.675/1949.
Contudo, não se pretende discorrer minuciosamente sobre o histórico do direito autoral brasileiro, destacando-se apenas os dispositivos legais da Carta Magna e alguns da Lei de Direito Autoral. O objeto que se pretende desenvolver é o reconhecimento do escritor fantasma na realidade brasileira.
Posto isso, a Constituição Federal de 1988 garante aos autores o direito exclusivo de dispor de suas obras da maneira que convier, a saber:
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXVII- aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; (BRASIL, 1988).
Assim, ao não especificar quais os tipos de obras estão assegurados na Carta Magna, conclui-se que “a norma se destina à proteção de qualquer gênero de obra, claro, desde que seja produto da criação intelectual” (AMARAL, 2005, p.61), nesse momento, pode-se dizer que a tutela é para a proteção dos direitos morais e materiais decorrentes de obras literárias, artísticas e científicas. A Lei de Direito Autoral nº 9.610 foi sancionada no mesmo ano da promulgação da Constituição Federal de 1988, essa lei trouxe proteção às autorias e regulamentou todas as questões decorrentes da criação, apesar de ser uma legislação aparentemente nova, sobre os direitos provenientes da figura do ghost writers a LDA se manteve silente sobre essas questões, fixando a regra geral de que pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais decorrentes da criação (POLI, 2008, p. 97), a legislação não acompanhou a rápida evolução nas questões provenientes de autoria.
Nesse passo, ao passar a análise sobre os direitos morais do autor é preciso utilizar-se das reflexões trazidas pelos artigos 49 a 52 da Lei de Direito Autoral e por analogia visando a tentativa de regulamentar a atividade de ghostwriting, veja-se:
Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:
I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei; (...)
IV - a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário; (...)
Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa. (...)
Art. 51. A cessão dos direitos de autor sobre obras futuras abrangerá, no máximo, o período de cinco anos. (...)
Art. 52. A omissão do nome do autor, ou de coautor, na divulgação da obra não presume o anonimato ou a cessão de seus direitos. (BRASIL, 1998).
Considerando que as redações dos citados dispositivos legais encaixam perfeitamente na atividade de ghost-writers, esses ainda possuem particularidades que inibem a aplicação eficaz dos artigos da LDA – uma vez que os direitos morais de autor são extrapatrimoniais, absolutos, indisponíveis, imprescritíveis, intransmissíveis e preeminentes (POLI, 2008, p.30), pela lei o escritor fantasma não poderia dispor dos seus direitos morais, esses se trata da proteção dos direitos da personalidade do autor, e para que ocorra é necessária à criação da obra.
Por outro lado, ao lançar luz sobre o direito patrimonial do autor o artigo 28 da Lei Autoral (BRASIL, 1998) dispõe: “cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica”, ou seja, os direitos patrimoniais decorrentes das criações são disponíveis.
Com isso, pode-se observar que a legislação vigente adotou a teoria dualista, comumente chamada de teoria pessoal-patrimonial[3], em que os direitos morais do autor tutelam a paternidade da obra e os direitos patrimoniais garantem a exploração econômica da obra, quer dizer, o primeiro representa um prolongamento da personalidade do homem-criador e o segundo, o direito que ele tem de participar dos lucros obtidos pela exploração econômica da obra (MORAES, 2008, p.44) Os efeitos do reconhecimento do escritor fantasma serão demonstrados a partir de alguns casos práticos existentes nos tribunais do país.
Em 24 de novembro de 2016, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu o direito de contratação profissional para a produção de autobiografias, salientando que:
Em regra as autobiografias, quando não escritas pelo próprio autobiografado, são contratadas de ghost-writers, com transmissão de todos os direitos autorais ao contratante. A exceção dever ser provada (...)
A propósito da alegada violação às garantias constitucionais e infraconstitucionais ao direito autoral (artigo 5º, inciso XXVII da CF/88 e artigos 22 e 28 da Lei de Direitos Autorais), entendo que a apelante nada produziu que possa ser enquadrada em tal proteção, pois confessadamente diz ter sido contratada como redatora, para contar sobre a vida do biografado, de personagens por ele relatados. (MINAS GERAIS, 2016).
Nesse caso, de relatoria do desembargador Luiz Carlos Gomes da Mata, foi levantada a questão sobre o fato de o “escritor contratado” não possuir amparo pelo direito autoral.
Portanto, é importante evidenciar o alcance que o Direito Autoral tem no sistema jurídico vigente, sua evolução diante do avanço tecnológico cada vez mais crescente, a relação autor e obra sofre constantes mutações.
E nas palavras de Leonardo Macedo Poli:Tendo-se em vista essa consequências faz-se necessária uma releitura conceitual das instituições de Direito Autoral no sentido de acompanhar a nova realidade tecnológica. As noções de criação, obra, fixação, reprodução, contrafração, etc. não tem mais o conteúdo com que foram sistematizadas, além disso, surgem novas noções como o armazenamento digital, a codificação, a visualização digital, o compartilhamento de informações, etc. (POLI, 2008, p. 143).
Infere-se que a era digital provocou significativas alterações no campo da autoria. Porém, ao se analisar o surgimento da lei de proteção autoral e o contexto anterior a sua criação, constata-se que o vínculo que existia entre a titularidade da obra intelectual era para coibir a ação de falsificadores e não se atribuía o conceito, regra, característica a atividade de ghostwriting.
Ademais, merece destaque a seguinte reflexão para o que se pretende alcançar com o presente estudo:
O que importa não é a paternidade intelectual da “ideia” em seu sentido amplo, seja ela um conceito, uma teoria, um estilo ou outro elemento abstrato e genérico. Sob o aspecto dogmático, a autoria está necessariamente vinculada a uma determinada forma de expressão. Portanto, criador e autor não são termos sinônimos, da mesma forma como não o são criação e obra intelectual. (SANTOS, 2014, p. 107).
Fica claro que a criação é finalizada com a exteriorização da obra, e essa sendo protegida pelo direito autoral brasileiro. Porém, é importante salientar que a inexistência de norma expressa no ordenamento jurídico brasileiro para a função dos ghost writers não se torna impeditivo para levar ao judiciário as demandas que ensejam de violação de direitos morais e patrimoniais de autor de obras intelectuais.
Cabe aqui dizer que a figura do escritor fantasma no ordenamento jurídico vigente possibilita a aplicação de alguns princípios civil-constitucionais como o princípio da boa fé objetiva, princípio da liberdade de contratar e o princípio da autonomia privada sendo que esse, à luz do direito autoral, pode permitir uma ampliação das questões relacionadas às autorias intelectuais, possibilitando ao autor escolher pela titularidade da obra ou cedê-la a outro em virtude da contratação autoral.
2.1 O princípio da autonomia privada no âmbito da função de ghost writers
Como já dito, a Lei de Direito Autoral foi promulgada sem a previsão da figura do escritor fantasma, contudo não se pode ignorar que a atividade de ghostwriting é recorrente e, dessa forma, a sua interpretação deverá ser discutida sob a luz do princípio da autonomia privada.
Nas palavras de Leonardo Macedo Poli:
Como a LDA, contudo, foi sancionada sem tal previsão a questao melhor se resolve pela autonomia privada, ou seja, o contrato deverá dispor se o autor permanecerá titular dos direitos autorias ou se os estaria cedendo ao terceiro(...) silente o contrato sobre a titularidade dos direitos, a solução deverá nortear-se pela boa-fé objetiva, pelos usos e costumes locais, pela natureza do contrato e pela regra da interpretação restritiva. (POLI, 2008, p. 97-98).
De fato, a autonomia privada há de ser compreendida como elemento central do negócio jurídico, na medida em que consubstancia a liberdade de se autodeterminar. (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p.608).
Assim sendo, é concedido ao autor o direito a liberdade de firmar negócios jurídicos [4] transferindo a outro (terceiro) a exploração econômica de sua obra, ou seja, a autonomia privada é um princípio que confere juridicidade àquilo que for definido pelo titular para o regramento de seus interesses, por meio das vicissitudes jurídicas relacionadas às situações jurídicas respectivas. (MEIRELES, 2009, p. 74).
É nessa perspectiva que se pretende discutir os contratos de prestações de serviços intelectuais, analisando a autonomia sob dois aspectos: existencial e patrimonial.
E na tentativa de ilustrar a quem pertence a propriedade intelectual da obra e a possibilidade de contratação de serviços de ghost writers, a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu o direito dos indivíduos em contratar serviços dentro dos limites da liberdade e autonomia individual, cujo teor é o seguinte:
No mais, deve ser aplicado ao contrato firmado entre as partes o princípio da boa-fé objetiva apoiado na autonomia da vontade ou no consensualismo, em que os contratantes de livre e espontânea vontade estabeleceram as regras da relação jurídica com a consequente observância das cláusulas firmadas, inclusive para fins de segurança jurídica. Acrescente-se, ainda, que participaram das tratativas pessoas maiores, capazes e esclarecidas quanto ao conteúdo e matéria avençadas, uma vez que é da praxe profissional do recorrente e da editora apelada. (SÃO PAULO, 2011)
A decisão de primeiro grau, confirmada nas instâncias superiores, revelou perspicácia e atendeu a necessidade de proteção aos indivíduos que contratam serviços de autoria, a partir da apreciação do mencionado caso concreto. Pode-se depreender que a solução encontrada para a lacuna da lei é avaliar a questão, à luz da autonomia privada e considerar qual o formato contratual foi formalizado para a obra por encomenda.
Nesse mesmo caso foi utilizado o argumento de que:
O livro em questão caracteriza-se, nitidamente, como sendo obra por encomenda, cuja titularidade dos direitos autorais do próprio livro como os demais títulos ou empreendimentos dele decorrentes pertencem exclusivamente à pessoa da encomendante, qual seja, a recorrida Raquel. (...) Assim, a apelada Raquel foi quem viabilizou a consecução da obra e, ainda, dirigiu o trabalho do redator-recorrente, merecendo, desse modo, todos os créditos sobre a titularidade da obra.(SÃO PAULO, 2011).
Mas, como já salientado, o negócio jurídico pode também ser meio de confirmar liberdade e vontades individuais, ao permitir licença, cessão, concessão e transmissão de uma obra. Verifica-se tal liberalidade ao se contratar o prestador de serviços para elaboração de artigos, pareceres, livros, etc.
Em outra decisão, restou demonstrado o contrato remunerado na elaboração de artigos:
Do exame dos autos, verifica-se que o apelante, na condição de assessor de imprensa da OAB/RS, efetivamente elaborava artigos que eram, posteriormente, veiculados na imprensa em nome do então presidente da entidade. Tais artigos, pelo que se depreende dos e-mails acostados, eram sempre fruto de solicitação do presidente da mencionada autarquia profissional, que posteriormente os avaliava e eventualmente realizava certas alterações. (RIO GRANDE DO SUL, 2013).
Para além dos casos relatados, há outros desafios que precisam ser enfrentados pelo ordenamento jurídico brasileiro, passando pela análise da extensão e limites da autonomia privada em face da liberdade de contratar sendo que as possibilidades podem ser: as obras subvencionadas, as obras por encomenda (prestação de serviço e empreitada) e as obras decorrentes de relação de emprego ou dever funcional. (POLI, 2008, p. 97).
Assim, caracteriza-se como ato negocial a encomenda/contratação de criação de obra, por exemplo, a prestação de serviço de assessoria jurídica, em que desenvolvem criações intelectuais decorrente de cargo ou função.
Portanto, o princípio da autonomia privada possibilita aos sujeitos de direitos regularem seus interesses de acordo com sua vontade, dentro dos limites da lei. Nesse contexto, a atividade de ghostwriting no Brasil sinaliza um avanço na disciplina dos direitos autorais.
Dessa forma e para melhor entender essa atividade profissional, passa-se a análise conceitual e funcional do escritor fantasma.
3 A FIGURA DO GHOST-WRITER COMPARADA A FUNÇÃO DE AUTOR
As possibilidades de atuação como ghost writer no Brasil podem ser amplas.
Mesmo a lei sendo silenciosa, sua amplitude justifica-se no conceito da função e na semelhança com a atividade de escritor. O ofício daquele que tem seu nome escondido é um dos mais antigos, porém, na contemporaneidade, é ainda um tabu e com muitos estigmas inaplicáveis à atividade de ghost writer.
Em uma passagem do Livro A sombra do meio-dia, o autor Sérgio Danese (2003, p. 36) faz a seguinte observação: “em outras palavras, a obra não pertencia a quem a escreve, mas a quem a assume”, o que permite justificar a utilização dessa atividade por políticos, personalidades públicas.
As atividades que geram maior controvérsia e constante crítica são as elaborações de artigo, monografia, dissertação, em que se imprime um caráter pessoal para obra.
Necessário aprofundar a questão projetando na leitura da lei autoral, em seu artigo 7º, que dispõe: “obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro” (BRASIL, 1998).
Como já afirmado, a lei protege a obra, a criação precisa ser exteriorizada para que se ganhe proteção do direito autoral. Porém, ao negar a existência/ausência de um autor, é necessário aprofundar um pouco mais sobre o significado e a função de ghost writer.
Nas palavras de Fernanda Machado Amarante (2014, p.15):
Ghost-writer ou autor fantasma é o nome atribuído à pessoa que cria a obra, sem, no entanto, ter seu nome revelado, uma vez que a paternidade é atribuída a terceiro. Por este ofício, aquele que efetivamente idealiza e externaliza a criação transfere, mediante contrato, a sua autoria a outrem.
Por outro lado, a LDA em seu artigo 11º diz que: “autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica” (BRASIL, 1998), exercendo esse uma função.
Ao dar continuidade à investigação da figura do ghost writer, é necessário refletir que esse atua em uma atividade profissional, e que a existência de renúncia à paternidade da obra é exercida em decorrência de uma função, de uma atividade profissional que se assemelha e se confunde com a de autor, porém uma das diferenças é que o escritor fantasma na sua função recebe uma contraprestação pecuniária, para atividade desenvolvida e em alguns casos o sujeito que encomenda a obra, por muitas vezes participa narrando a sua história em casos de biografias.
Ademais, a proteção que se pretende alcançar não é apenas a proteção da atividade de ghost writing, mas de garantir que, ao utilizar-se da função de ghost writer, essa seja ampliada dentro dos limites da autonomia privada, que a lei impõe.
No entanto, necessário observar os interesses e vontades individuais que envolvem as criações intelectuais, e possibilitar os sujeitos, enquanto detentores de direitos, possam usufruir e dispor de um direito personalíssimo que no caso é o uso ou não do nome verdadeiro em suas autorias.
Para tentar adequar os reflexos dessa nova realidade às questões jurídicas, torna-se necessário pensar em previsões legais que tratem especificamente dessa nova realidade e responder às seguintes questões: Em que categoria os escritores fantasmas se enquadram? Seria obra por encomenda ou apenas uma prestação de serviço? Por isso, a aplicação do princípio da autonomia privada no direito autoral contribui como meio de evitar que novas divergências e diferentes interpretações surjam no ordenamento jurídico.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho discutiu o reconhecimento da figura do ghost writer no Brasil e os seus desdobramentos no direito autoral contemporâneo. Durante a construção da pesquisa foi delineado o seu entendimento enquanto um fato jurídico e por isso passível de proteção jurisdicional. Pretendeu-se demonstrar como a superação de estigmas em ter o nome silenciando em autorias foi relevante para a reflexão daquela “atividade velada” enquanto exercício de uma profissão.
Ao que parece, o debate no Brasil passou a acontecer, inicialmente, após alguns casos serem levados ao judiciário. Isso significa que a contratação de escritor fantasma na sociedade atual é ainda alvo de crítica e conflitos entre escritores fantasmas, autores, editoras. E ao perpassar pelo estudo do princípio da autonomia privada no reconhecimento da atividade de ghost writing, a grande questão que se pretende discutir recai sobre os seus efeitos no direito autoral brasileiro. Considerando que ainda não há previsão normativa para discutir essa nova configuração de atividade profissional, foram apresentados os principais casos no ordenamento jurídico brasileiro acerca do tema. Como mostrado neste texto, algumas jurisprudências utilizam uma interpretação extensiva dos artigos da Lei de Autoral para a adequação da atividade na legislação vigente.
Por essa razão, a perspectiva adotada no presente trabalho contribuiu para demonstrar a necessidade de inclusão de dispositivos normativos que tratem especificamente dessa realidade fática configurada. Apesar de ser uma atividade muito antiga, ela é ainda alvo de diferentes interpretações que podem gerar insegurança àqueles que pretendem se valer desse ofício.
Finalmente, ao refletir os argumentos apresentados, nota-se que a readequação legal para incluir as questões sobre a atividade do ghost writer no direito autoral é um importante passo para proteção dessa antiga e ainda criticada atividade profissional.
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NOTAS:
[2] “O autor real permite que sua obra seja utilizada em nome de um ator aparente.” (POLI, 2008, p.18).
[3] Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou. (BRASIL,1998)
[4] Negócios jurídicos de licença, cessão, concessão, transmissão.
Data da conclusão/última revisão: 01/12/2019
Vívian Chaves Botinha
Especialista em direito de família aplicado pelo IEC/PUC-Minas. Mestranda em Direito Privado da PUC-Minas. Advogada.
Código da publicação: 10117
Como citar o texto:
BOTINHA, Vívian Chaves..Da possibilidade da atividade de Ghost-Writer no Direito Autoral Brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 18, nº 975. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direitos-autorais/10117/da-possibilidade-atividade-ghost-writer-direito-autoral-brasileiro. Acesso em 22 abr. 2020.
Importante:
As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.
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