A nadificação numa sociedade líquida

A sociedade está passando por transformações já há algum tempo, e recentemente, com uma perspectiva de pandemia há longo prazo pode passar por uma metamorfose ainda mais forte, por uma série de modos, formas e uma vivência diferente da existente antes deste acontecimento com patologia ainda não totalmente descoberta; desta feita o uso da nadificação, da coisificação, a perda de valores questionados poderão transformar uma comunidade que tinha modestas adequações, em um ajuntamento de pessoas que embora convivam se distancie ainda mais dos aspectos moldantes de pessoas perdendo seu referencial trazido das famílias.

Sumário: Introdução; 1.Uma sociedade em transformação; 2. O liquido que nadifica; 3. A necessidade de um ponto de inflexão; Considerações Finais.

 

Introdução

Tem havido em cada ser humano pensante no presente momento a ideia como seria o “after day”; ou seja, o dia seguinte após a descoberta de uma vacina que imunize os seres humanos em sua plenitude. As vacinas foram descobertas, e o que parecia ser a solução imediata ofereceu, problemas de logística, de temperaturas, quantidade de doses, entre outras muitos outros problemas típicos de um problema que envolveu todos os países.

A chamada pesquisa em grande escala continuam, pois além de proporcionar alguma forma trazer de alento aqueles que já perderam amigos, familiares. Não se pode parar de pesquisar, pois ainda há muitas perguntas não respondidas, e questões importantes a serem verificadas.

Dentre esta verdadeira expectativa a cada dia, de uma maneira geral, grande parte dos seres humanos ainda estão se adaptando, a cumprimentar sem dar as mãos, sem poder se abraçar e nesta linha nem aquele beijo de carinho pode ser mais ofertado.

Na prática estamos ficando distante dos demais seres humanos, mantendo distância real, sem aquela proximidade que sempre foi uma marca muito latina. 

Como se não bastasse todo distanciamento ou isolamento social, “lockdow”, ainda a cada dia vemos o número de pessoas morrendo aumentar de forma assustadora e não controlada, e os profissionais da área de saúde, chegando a uma exaustão física e, certamente psicológicas de a cada dia terem que praticamente escolherem, quem vive e quem morre.

Destarte todo este cenário, ainda há respostas que precisam ser respondidas sobre o porquê o Brasil chegou a este ponto, tão traumático, e pior, quase de terra devastada.

Há indagações que devem permear e seguir a importância nos dias atuais, nesta direção; como ficará os valores após esta pandemia? Será possível não coisificar situações que antes trazia sensações agradáveis? A sociedade conseguirá superar a imanente nadificação produzida por muitos meses de isolamento e distanciamento?

 

1. Uma sociedade em transformação

Ao tratar do tema transformação envolvendo pessoas é necessário primeiro, desassocia-lo da pandemia inicialmente, uma vez que a sociedade está sempre em transformação e mudanças. É certo que deve-se ter um olhar neste acontecimento grave, mas com um olhar cuidadoso, afinal, haverá mudanças necessárias, o que será salutar ou não. 

O que não se pode esperar é uma radicalização, ainda mais aqui no Brasil uma mudança permanente pelo próprio espírito brasileiro, de se agregar, de concentrar em rodas de amigos e colegas, as mudanças poderão chegar em alguns hábitos, contudo, não em todos.

Ao se voltar atrás de atos ocorridos há anos anteriores, se poderá ter uma visão mais apurada das transformações sofridas e, como elas projetam uma sociedade diferente em vários aspectos.

Como se pode extrair, do texto sociológico, houve uma mudança da ideia de “pós modernidade”, para “sociedade líquida” e com esta mudança o comportamento foi largamente afetado, sem a devida percepção dos seres humanos, transportando a todos a condição efêmera de dissonância.

O “derretimento dos sólidos”, traço permanente da modernidade, adquiriu, portanto, um novo sentido, e, mais que tudo, foi redirecionado a um novo alvo, e um dos principais efeitos desse redirecionamento foi à dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política. Os sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividade humanas, de outro. (BAUMAN, 2010, p. 12).

É inegável as mudanças perceptíveis e movidas pela a fluidez de um consumo desenfreado até 2020, o ano que mudou as necessidades, que mudou conceitos, transformou comportamentos, que mudou o consumo, que forçosamente teve que se alterar muitas coisas sem que desse tempo para a reflexão, através de algo imperceptível chamado Covid-19, gerando uma pandemia em âmbito mundial.

Neste período que ainda não terminou, vivenciou-se a maior demonstração de ausência de civilidade em grande parte das pessoas. Um egoísmo escancarado, na busca de “um salve-se quem puder”, conflitando com recomendações pronunciadas pelas maiores autoridades no assunto. Desrespeito as autoridades interessadas em combater a pandemia, as solicitações simples de usar máscara, e alguns até se negando a tomar a vacina.

Ademais, foi presenciado, muitas vezes em silêncio, a pobreza sendo tratada como que parte da doença, evitando-se contato, no início os idosos sendo quase que colocados num campo de concentração mental, e tantas outras coisas, que não vale a pena enumerar. 

Essa transformação da sociedade, alcançada em flagrante despreparo lembra um texto importante, escrito pelo pai da psicanálise, demonstrando como o ser humano vem se afastando de alguns valores essenciais.

De nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo podem dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro (FREUD, 1980, p.95).

A pandemia está sendo [...] “o mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas” [...], não forçando o texto e tirando de seu contexto iminente, mas demonstrando como a questão dos relacionamentos entre os seres humanos são frágeis a ponto de mesmo diante de uma situação calamitosa, não haver empatia, respeito ao próximo, cuidado com aqueles que nos rodeiam, podem facilmente serem esquecidos e o egoísmo, sentimento genuíno entre as pessoas desconhecidas e ou, conhecidas foi exposta de uma forma tão impactante, que ficou difícil não ficar incrédulo com respeito ao futuro da sociedade.

A transformação apresentada por Bauman não poderia ter pano de fundo mais prático e autêntico do ocorrido esse ano, sem as habituais máscaras, os seres humanos se mostraram em toda sua decadência, interior e exterior como afirma Freud.

Infelizmente, a pandemia tem transformado a sociedade que já era obcecada por consumo, por futilidades e fragilidades líquidas, ainda mais num fosso escandalosamente profundo, sem trazer nenhuma melhora, nenhuma luz no fim do túnel, gerando esperança para mudanças que poderiam trazer uma transformação palpável nos papéis dos atores deste mundo, não como coadjuvantes, mais como protagonista de uma vida bem melhor, mudando a essência e a grandeza de nossos valores, confundidos e muito, com ideologia, filosofia de vida, que demonstra o quanto se está perdido através de falácias e discursos sem profundidade que vai se agregando ao convívio das pessoas que passam se iludir que estes supostos “valores”, farão delas seres humanos sociais, ledo engano. 

 

2. O liquido que nadifica

Nesta esteira, se faz necessário observar os significantes e significados, na tangente destes dois entes que caracteriza aspectos importantes na sociedade.

A linguagem (para não dizer linguística) usada nos dias atuais, nos leva a relembrar como estes aspectos são tratados por Lacan, compreendendo que desde dos idos de 1950 começou a haver uma transformação no indivíduo e quiçá no próprio modelo social, fornecendo novas concepções e um formato diferente.

A lingüística (sic) pode servir-nos de guia neste ponto, já que é esse o papel que ela desempenha na vanguarda da antropologia contemporânea, e não poderíamos ficar-lhe indiferentes." (LACAN, 1998, p. 286).

Na forma de se expressar quer oral, ou por escrito é possível perceber a    longitude alcançada por palavras, frases e textos mesmo não tão bem elaborados, podem trazer sem nenhum critério a confusão necessária para mudar conceitos, padrões, atos, leis e até mesmo uma sociedade que passa a se autoproclamar protetora dos costumes e juízos de valores.

Destarte, possa se parecer com a tecnologia, com o avanço alcançado na ciência e em diversas áreas, ser impossível tal situação, mas o fato é que todo progresso não retirou a natureza primitiva do ser humano.

Nesta senda ao se deparar com esta natureza primitiva, de comunicação escassa e tentativas de diálogos perpassando por grunhidos e gesticulações desafeiçoadas, Lacan, contribui e muito com a forma de linguagem desenvolvida e, transmitida e se comunicando de forma muito complexa. É evidente com uma visão psicanalítica ele oferece uma solução fora do eixo do estudo do léxico, da gramática, ou até do português clássico. 

A discussão vai além trazendo consigo algo para se pensar filosoficamente e não só no encalço da psicanálise, podendo cingir o conhecimento sem limitação de área, expandindo a análise de forma ampla. 

Para Lacan, a linguística passa a ser considerada uma ciência, a ciência da linguagem, tal como ocorre com as ciências físicas, químicas e matemáticas, torna-se uma ciência piloto que carrega o sentido do indivíduo pela via do significado que sugere uma ideia sobre determinado objeto (LACAN, [2001], 2003: 229). Para a psicanálise, a linguagem não é sinal, não é signo, nem sequer signo da coisa como realidade externa materializada em grafismos alfabéticos ou numéricos como argumentam os linguistas modernos. Para Lacan é pela via do significante que o discurso acontece, ele desliza dentro da cadeia dos significantes. Diferentemente, para a linguística, o significado é encontrado quando há a possibilidade de se constituir a denominação das coisas, ou seja, quando há um sentido atribuído a algum objeto ou coisa que necessita ser compreendido pela palavra a ele dado. Lacan questiona e põe em relevo a teoria linguística quando argumenta que sua teoria sobre o significante se trata de uma compreensão divergente porque o significante não se designa a si mesmo como ocorre com o vocábulo ou com a palavra na teoria da história conceitual. O significante se sustenta porque está sempre remetido a outro significante. (Destaques nosso) (https://www.encontro2018.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1529341953_ARQUIVO_ANPUHtexto2018.pdf). 

No texto em comento é evidente uma objeção de Lacan, a compreensão simples e puramente de aceitar o significado como construtor da “ideia de determinado objeto”. Nesta esteira faz a rica comparação da psicanálise, apontando não ser meramente um “sinal” ou “signo”, e na mesma linha “nem sequer signo da coisa como realidade externa materializada”. 

Para o Lacan há uma outra maneira de manejo que não se limita a “grafismos alfabéticos ou numéricos”. Num contraponto a Freud, assim se posiciona;

[...]Isso nos remete à descoberta de Freud ao elaborar a psicanálise a partir de sua teoria sobre o recalque, e que Lacan, interpretando Freud, vê que o psicanalista alemão desvenda um fenômeno que estrutura e revela a verdade subjacente ao diálogo do sujeito pela via do inconsciente. (https://www.encontro2018.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1529341953_ARQUIVO_ANPUHtexto2018.pdf). 

Outrossim, a proposta de interpretação de Lacan, “um fenômeno que estrutura a verdade subjacente ao diálogo do sujeito pela via do inconsciente”, sobrepujando a esta ideia que claramente gera a possibilidade de se avançar e atingir o que Lacan deseja está num texto que ele conclama de forma garbosa a sua teoria.

Não é apenas uma sobreposição é alcançar diferentes formas ou uma maneira mais cabal de dizer, da falar, de reproduzir conversas, não estar preso ao formalismo corrente, contudo, poder se distanciar do modo comum ou geral.

A luz desta concepção, surge um pensamento que expõe de forma sapiente o que de fato pode acontecer com uma mudança de paradigma.

O que essa estrutura da cadeia significante revela é a possibilidade que eu tenho, justamente na medida em que sua língua me é comum com outros sujeitos, isto é, em que essa língua existe, de me servir dela para expressar algo completamente diferente do que ela diz” (LACAN, [1966], 1998: 508).

A existência da linguagem, da língua não pode ser para outro propósito senão tornar comum “outros sujeitos”, e com esta noção de existir poder servir-se para se expressar de forma “completamente diferente do que ela diz”. Desta feita, a língua tem a função de aproximação, de reafirmação e conveniar os seres humanos que dela necessita.

Na construção proposta, não se deve esquecer de Bauman, trazendo uma análise crucial da sociedade (antes da pandemia) e sua visão macro, de como haveriam transformações drásticas que ocorreriam pela ausência de inclusive uma linguagem mais direta, real, dinâmica e coerente.

Qualquer que seja a sua condição em matéria de dinheiro e crédito, você não vai encontrar num shopping o amor e a amizade, os prazeres da vida doméstica, a satisfação que vem de cuidar de entes queridos ou de ajudar um vizinho em dificuldade, a autoestima proveniente do trabalho bem-feito, a satisfação do “instituto de artífice” comum a todos nós, o reconhecimento, a simpatia e o respeito dos colegas de trabalho e outras pessoas a quem nos associamos; você não encontrará lá proteção contra as ameaças de desrespeito, desprezo, afronta e humilhação. (BAUMAN, 2009, p. 12).

Formalizando a questão líquida seja na linguagem e não num dialeto, o que se vê com frequência em grupos que se comunicam entre eles, contudo, quem não participa daquele grupo não consegue entender e nem se comunicar. Os meios eletrônicos tem trazido aos seus usuários figuras que responde ao invés de uma resposta escrita, e frases que só quem frequenta estas redes sociais com grupos da mesma idade, conseguem entender.

Bauman, em sua premissa do texto navega águas profundas demonstrando a fragilidade em que se encontra a sociedade, buscando em lugares artificiais (ou líquidos), e afirma, “não encontrará”, exatamente pelo sentido de nadificação. Isso é o líquido que não é palpável, não carrega sentimentos, não comina numa satisfação. 

E tudo começa pela linguagem sem sentido para muitos, e que está transformando a sociedade, seja de qual país seja, em guetos, frequentados apenas pelos que se consideram melhor nesta base de “urbanidade” completamente desrespeitosa e abissal.

 

3. A necessidade de um ponto de inflexão

Transpassando o tema da linguagem, para entender que “sociedade liquida”, “amor liquido”, não são expressões para despertar a atenção mais há todo um significado e significante, se faz mister encontrar neste novo mundo que se apresenta com a pandemia, ainda não vencida, o que de melhor puder se tirar de todas as lições que se conseguir apreender.

Bauman, sem sequer imaginar que todos estes eventos iriam acontecer, como um visionário, trouxe em sua farta literatura ótimas oportunidades para reflexão.

A “mão invisível” do mercado operada por indivíduos egoístas na busca de sua própria riqueza e prazer parecia muito relutante ou impotente em salvar os seres humanos da crueldade recíproca [...] Veio à luz que, para obter satisfação em sua vida, os seres humanos precisam dar amar e compartilhar tanto quanto precisam tomar, defender sua privacidade e vigiar o que é seu. Para o dilema complexo, cheio de contradições, conhecido pelo nome de condição humana, não parece haver soluções simples, diretas, monotemáticas. (BAUMAN, 2009, p. 68). (Destaques nosso).

Em 2009, Bauman comenta sobre esta “mão invisível”, que os liberalistas insistem em impor num país que a infração é galopante, que operações de riscos, são desconhecidas da maioria da população e que o número de pobres aumentam drasticamente a cada ano (sem pautar, aqueles que estão abaixo da linha da pobreza). Nas palavras do sociólogo, o mercado não poderá se manter de forma coerente, se o mercado for [...] “operada por indivíduos egoístas na busca de sua própria riqueza” [...]

O Brasil já passou por todos os pacotes, choques, intervenções monetárias, mudança de moedas, e todos que assumem esta área econômica diz que tem um segredo na manga que fará tudo funcionar como os outros países.

A nadificação no seu mais alto preço, podendo se dizer a “condição humana” já passou por períodos de guerra quando realmente a sociedade se implodia, contudo a sociedade liquida que atingiu-se com a pandemia é algo jamais visto.

A façanha foi tão bem arquitetada que de um lado vemos pessoas viajando, comprando carros zeros, adquirindo imóveis como se nada estivesse ocorrendo. Do lado oposto, se vê a pessoa lutando por um cilindro de oxigênio, por um lugar na fila de espera para poder ser atendida, e não são poucos que morrem cada vez mais sem receber se quer um diagnóstico.

Neste diapasão, encontra-se exposto um lindo texto, que deveria ser nosso mantra, para superar o que tem sido motivo de muitas dúvidas e sofrimento. 

A afirmação “a vida é uma obra de arte” não é um postulado ou advertência (do tipo “tente tornar a sua vida bela, harmoniosa, sensata e cheia de significados – tal como os pintores tentam fazer suas pinturas, ou os músicos suas composições), mas uma declaração de um fato. A vida não pode deixar de ser uma obra de arte se é uma vida humana – a vida de um ser dotado de vontade e liberdade de escolha. Vontade e escolha deixam suas marcas na forma de vida, a despeito de toda e qualquer tentativa de negar sua presença e/ou ocultar seu poder atribuindo o papel causal à pressão esmagadora de forças externas que impõem um “eu devo” onde deveria estar “eu quero”, e assim reduzirem a escala das escolhas plausíveis. (BAUMAN, 2009. p. 72).

Este é sem dúvida um ponto de inflexão que pode e deve fazer parte de nosso cotidiano “a vida é uma obra de arte”. Há muitos motivos para esmorecer, desanimar, jogar fora a vida, pensar em tolices as mais grandiosas possíveis.

Se sair da nadificação, esta fissura de consumo desenfreado, de possuir, antes de ter/ser, se não olharmos que há um futuro pela frente, se não buscar, não através dos milhares que a cada dia posta “Lives”, as mais excepcionais e capciosas para vender produtos, cursos, oferecer como você se tornar tantas coisas, se houver uma base de princípios bem fundamentada, se houver um contingente que acredite no possível, a vida, mesmo trazendo sofrimentos e desgostos pode e deve ser superada.

Destarte toda esta inspiração não é possível não citar de forma cabal o que está acontecendo, numa mudança de um consumo para algo ainda mais ululante. 

Apoiando-se na nova religião da melhoria continua das condições de vida, o melhor-viver tornou-se uma paixão das massas, o objetivo supremo das sociedades democráticas, um ideal exaltado em cada esquina. [...] Aparentemente nada ou quase nada mudou: continuamos a evoluir na sociedade do supermercado e da publicidade, do automóvel e da televisão. No entanto, nas duas últimas décadas, surgiu uma nova “convulsão ?que pôs fim à boa velha sociedade de consumo, transformando tanto a organização da oferta como as práticas quotidianas e o universo mental do consumismo moderno: a revolução do consumo sofreu ela própria uma revolução. Uma nova fase do capitalismo de consumo teve início: trata-se precisamente da sociedade de hiperconsumo. (LIPOVETSKY, 2007, p. 07-08). 

O consumidor não se contenta em possuir uma TV de 60 polegadas, se ao sair da loja ele ver uma de 70 polegadas, a tristeza vai se abater até que ele compre uma igual, e assim por diante. Há como explicitado no texto em comentário, o hiperconsumo, e quando se pode, quando não há pandemia (ou mesmo havendo) o que choca é perceber que o mais importante para muitos é comprar, substituir o novo e nadificar sua existência numa tabula rasa.

Para mudar, para transformar a sociedade precisamos ter modelos de líderes, de pessoas que se destacam e que demonstram que tudo que possui não mexeu com seus valores.

Há exemplos, e não são poucos que usam da oportunidade uma chance de mudar algumas realidades; 

O senegalês Sadio Mané, do Liverpool, é um dos atletas de maior sucesso da atualidade, o atacante africano de 27 anos, porém, não segue o padrão das principais estrelas do esporte e dispensa itens de luxo em nome da caridade.

“Por que eu teria dez Ferraris, vinte relógios de diamante e dois jatinhos? O que isso significaria para mim e para o mundo?Eu passei fome, trabalhei nos campos, sobrevivi às guerras, joguei futebol descalço. Não fui à escola. Hoje, com o que ganho graças ao futebol, posso ajudar o meu povo, construí escolas e um estádio. Fornecemos roupas, sapatos, alimentos para pessoas em extrema pobreza. Além disso, dou 70 euros por mês a todas as pessoas em uma região muito pobre do Senegal, que contribuem para a economia familiar. Não preciso exibir carros de luxo, casas de luxo, viagens e ainda menos aviões. Prefiro que os meus recebam um pouco do que a vida me deu”. (https://www.portalraizes.com/resposta-do-jogador-sadio-mane/

Para este jogador o “mundo” importa, só deu esta resposta depois dos jornalistas verem seu celular com o vidro quebrado e criar as histórias mais absurdas, então ele veio a público e contou sua história. 

É possível, sair da nadificação e mesmo numa sociedade liquida viver acima da aparência, e mesmo assim estar satisfeito.

 

Considerações Finais

No texto para reflexão, não houve a intenção de navegar em águas mais profundas, até porquê a ideia é proporcionar uma leitura saudável e complementar com aquilo que as vezes pensamos, contudo, não colocamos em palavras.

Há sim necessidade de reexame de todos, para que possamos construir uma sociedade onde todos possam viver bem e felizes.

Por outro lado, se vive sobre as garras quase que infalíveis da mídia, propagandas, e logicamente que a tentação vem com toda a sua força.

Ao considerar o estilo de vida que levamos, a maneira como olhamos para as pessoas, como nos comportamos nos mais diversos ambientes que estamos, teremos uma visão, se houver absoluta honestidade, se tudo que possuímos é um nada e a sociedade que nos circunda é apenas líquida, certamente algo precisa ser feito.

É evidente que nem todos ligam para situações que não o envolvam, daí o nada e o ambiente liquido que se vive.

O certo é que atualmente estamos a grande maioria no mesmo barco, não interesse se fosse é dono de um grande banco ou se mora numa casa muito modesta, a condição nos colocou pela primeira vez numa jornada única.

Pode-se até escolher, mas creia de verdade, o que estamos presenciando no dia-a-dia no coloca em condição de igualdade.

Quem sabe, este seja o momento para repensarmos a vida que levamos e criar novos propósitos.

O desafio está lançado! 

 

Referências Bibliográficas

BAUDRILLARD, J. A Sociedade do Consumo. São Paulo: Editora Edições 70, 1996.

BAUMAN, Z. A Arte da Vida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2009.

_________. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2004.

_________. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2010.

_________. Capitalismo parasitário: e outros temas contemporâneos. Rio de Janeiro: editora Zahar, 2010.

_________. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Editora Zahar 2008.

FREUD, S. Conferência XXIII: Os caminhos da formação dos sintomas (1917).  Conferências introdutórias sobre psicanálise (Parte III. Teoria geral das neuroses. 1917 [1916-1917]). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1980, p. 419-440. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 16).     

_________. O mal-estar na civilização (1930 [1929]). O futuro de uma ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos (1927-1931). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1980. p. 75-254. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 21).

LACAN, J. Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar.1998. 

________. O Seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009.

________. O Seminário, livro 2: O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. 

________. O Seminário, livro 06: O desejo e sua interpretação. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

________. O Seminário, livro 18: De um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro:  Jorge Zahar Editor, 2009.

LIPOVETSKY, G. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo/Gilles Lipovetsky; Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SARAIVA, J. E. M. Prazer do consumo ou consumo do prazer? AIDS, consumismo e mal estar contemporâneo. Rev. Mal-Estar Subj. v.2 n.1 Fortaleza mar. 2002.

https://www.encontro2018.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1529341953_ARQUIVO_ANPUHtexto2018.pdf 

https://www.portalraizes.com/resposta-do-jogador-sadio-mane/

Data da conclusão/última revisão: 12/03/2021

 

 

 

Marcos Antonio Duarte Silva

Doutorando em Ciência Jurídica; Mestre em Filosofia do Direito e do Estado (PUC/SP); Especialização em Direito Penal e Processo Penal (Universidade Presbiteriana Mackenzie); Bacharel em Teologia; Bacharel em Direito, Licenciatura em Filosofia em andamento, pesquisador da PUC(SP) e da CNPq.