Regras e princípios segundo Ronald Dworkin

O presente texto constitui um intento de abordar, de maneira geral, a relação entre regras jurídicas e princípios jurídicos no pensamento de Ronald Dworkin.

Dworking[1] se estabelece, ao longo de sua carreira, como um crítico ferrenho do positivismo jurídico, mais apropriadamente da “versão contemporânea do positivismo [...] proposta por H. L. A. Hart”[2], sendo o seu livro “Levando os Direitos a Sério” uma crítica às teses de Hart.

Nessa obra, após expor o caso de Henningsen contra Bloomfield Motors, Inc[3]., Dworkin (2010, p. 39) afirma que “a diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica”. Essa diferença de caráter lógico é o pressuposto da análise de Felipe Oliveira de Sousa para afirmar, a partir de um ponto de vista funcional, que seria Dworkin um representante da posição doutrinária que encara a relação princípio x regra como uma relação de distinção “forte”[4], eis que para Sousa (2011, p. 101), “a distinção entre princípios e regras, seja na obra de Dworkin, seja na oba de Alexy, é uma distinção de caráter “forte”, pois pressupõe uma diferença de estrutura entre princípios e regras [...]”.

É preciso notar que até as teses de Dworkin, tradicional e classicamente, os princípios eram compreendidos apenas como mecanismos de orientação aplicáveis aos processos de interpretação do direito. Sua contribuição, portanto, está em elevar os princípios ao status de norma jurídica, ainda que sejam, as regras jurídicas e os princípios jurídicos distintos “quanto à natureza da orientação que oferecem”[5].

Nesse sentido, enquanto as regras[6] atuam pelo critério do tudo-ou-nada (all-or-nothing-fashion), o que significa dizer que “operam na dimensão da validade”[7] os princípios, por sua vez, operam um “tipo de ponderação e/ou balanceamento que somente é realizado por meio de justificação argumentativa”[8]

Nas palavras de Dworkin (2010, p. 39-42), “dado os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”. Já no que concerne aos princípios, esses possuem “a dimensão do peso ou importância”. Assim, “quando os princípios se intercruzam [...], aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um”. Souza expõe essa relação entre regra e princípio da seguinte maneira:

[...] quando, por exemplo, uma regra comanda algo que uma outra regra proíbe sem que se tenha previsto nenhuma exceção em nenhuma delas, o conflito só pode ser resolvido mediante declaração de invalidade de uma das regras, ou seja, por meio da declaração de que uma das regras não mais pertence ao ordenamento jurídico. No caso da colisão de princípios, essa declaração de invalidade não ocorre, pois ambos os princípios colidentes permanecem válidos, e, portanto, continuam ambos pertencendo ao ordenamento jurídico. O que acontece é que, no caso concreto, um princípio cede em detrimento do outro. (SOUZA, 2011, p. 98). (Sem grifo no original).

Enquanto o critério das regras é disjuntivo, isto é, havendo a subsunção, ter-se-ia a incidência da norma, o critério dos princípios é axiológico, ou seja, possui uma dimensão de valoração, de peso.

Ora, podemos concluir assim que, tal como registra Ronaldo Macedo Jr.[9], a partir de Dworkin, o positivismo falha ao esquecer o peso que jogam os princípios nas decisões proferidas pelos Tribunais, que são a expressão da natureza moral da argumentação jurídica. Desse modo, como evidencia a passagem acima, diferenciando lógica e estruturalmente os princípios jurídicos e as regras jurídicas, Dworkin fornece um sistema coerente e científico de aplicação dos princípios no dia a dia da prática do direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. 3. ed. Martins Fontes: São Paulo, 2010.

MACEDO Jr., Ronaldo P. Ronald Dworkin: teórico do direito. In: Enciclopédia Jurídica da PUCSP, tomo I (recurso eletrônico): teoria geral e filosofia do direito / coords. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro Gonzaga, André Luiz Freire - São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017 Recurso eletrônico World Wide Web.

SOUZA, Felipe O. O raciocínio jurídico: entre princípios e regras. In: Revista do Senado, Brasília, a. 48, n. 192, out./dez., p. 95-109. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242932 Acessado em junho de 2017.

  

[1] Uma biografia de Ronald Dworkin pode ser encontrada na Enciclopédia Jurídica da PUC-SP em artigo escrito pelo professor Ronaldo Macedo Jr. “Ronald Dworkin: teórico do direito”.

[2] DWORKIN, 2010, p. XI.

[3] Caso em que “o tribunal de Nova Jersey declarou que a indústria automobilística era responsável pelos danos sofridos por um consumidor acidentado em razão de um vício do produto, apesar de ele ter assinado um contrato que continha uma cláusula excludente de responsabilidade do fornecedor” ((Coord.) CAPILONGO et al:, JR., 2017, p. 12).

[4] Cf. “O raciocínio jurídico entre princípios e regras”. In: Revista do Senado, Brasília, a. 48, n. 192, out./dez., 2011.

[5] Ibid., 2010, p. 39.

[6] “Regras” aqui deve ser compreendido como elemento exclusivamente constituinte do sistema jurídico segundo os positivistas.

[7] Ibid., 2011, p. 97.

[8] (Coord.) CAPILONGO, 2017, p. 6.

[9] Ibid., 2017, p. 6.

Data da conclusão/última revisão: 15/06/2017

 

 

 

João Guilherme Alvares de Farias

Estudante (ProUni) e pesquisador (PIBIC-CEPE) da PUC-SP. Coordenador do Grupo de Pesquisa Marxismo e Direito (GPMD). Atualmente, se decida ao estudo do Estado em E. Pachukanis e A. Vichinscky.