INTRODUÇÃO

Este presente trabalho tem como escopo a exposição acerca do tema teórico das fontes das obrigações, tema este que causa divergências doutrinárias e se observa de especial importância para o estudo prático das obrigações.

É a partir do conhecimento das fontes das obrigações, ou seja, da procedência original daquelas normas que regulam as obrigações, é que se pode, na prática, aprofundar nos estudos delas.

Inicia-se a exposição conceituando e definindo o que seja obrigação, com suas acepções e divergências doutrinárias, para situar o leitor no contexto ao qual este exposto se designa. Em seguida, estuda-se o vocábulo "fontes do direito" para se inferir o conceito básico iniciador da matéria.

Passa-se, ulteriormente, à apreciação do tema das fontes da obrigação, conceituando a expressão "fontes do direito" e seu desenvolvimento. No seguinte tópico, tem-se o conceito de obrigação no direito romano, as fontes obrigacionais naquela época e seu desenvolvimento. Temos no quarto tópico a produção doutrinária nas fontes modernas da obrigação, com suas devidas divergências.

I-Conceito e definição de Obrigação.

Em sentido amplo, o significado de obrigação, inserido na sociedade de um modo geral, aquele significado que todos conhecem, é o de um compromisso, dever, imposição, tarefa. Cabe-se ainda mais significados, pois o termo obrigação é usado em vários sentidos. A palavra vem do Latim obligatio. A obrigação se identifica com deveres morais, sociais, religiosos e jurídicos.

Para nos delimitarmos à acepção jurídica da obligatio, mister faz com que explanemos a diferença entre significados na seara jurídica. No sentido amplo jurídico, a obrigação encontra-se como a diferença natural do direito. O notável jurista Washington de Barros Monteiro afirma que Direito e obrigação constitui os dois lados da mesma moeda, sendo as obrigações a sombra que o Direito projeta(1) .

No sentido estrito, a obrigação é o vínculo de direito pelo qual alguém (sujeito passivo) se propõe a dar, fazer ou não fazer coisa (objeto), em favor de outrem (sujeito ativo)(2). Data Vênia, o referido conceito de classificação do mestre Sílvio Rodrigues esbarra no tecnicismo ao informar, dentro do conceito de obrigação, bastante complexo, seus elementos constitutivos conectados por uma situação lógica. Nesse ínterim, Faremos uma pequena alusão ao conceito de obrigações no Direito Romano e depois retornaremos a discutir a celeuma das discussões doutrinárias.

No Direito Romano, pelas Institutas de Justiniano, "a obrigação é um vínculo jurídico, pelo qual somos compelidos pela necessidade de pagar a alguém qualquer coisa, segundo os direitos de nossa cidade" (Obligatio est júris vinculum, que necessitate adstringimur alicuius solvendae rei, secundum nostra jura civitatis). Inst. De obl. III, 13.

Segundo Orlando Gomes, "nessa definição há falhas relativas ao objeto, não só porque há obrigações que não têm por fim o pagamento de uma coisa, mas também porque não se especifica se esse objeto é material ou imaterial" (3). O mestre Clóvis Beviláqua também critica essa definição ao observar que a mesma não estabelece diferença específica entre obrigação, no sentido técnico, e qualquer dever juridicamente exigível.

Outro conceito difundido é o do jurista romano Paulo, limitando-o apenas aos seus elementos: "obligationum substantia non in eo constitit ut aliquod corpusnostrum aut servitutem nostram faciat, sed ut alium nobis obstringat ad dandum aliquid vel faciendum vel praestandum" (Dig. 44, 7,3).

Retornando-se à discussão doutrinária acerca do assunto, infere-se que o ilustre Sílvio Rodrigues não introduziu o elemento da temporariedade às obrigações. Como afirma Washington de Barros Monteiro, a obrigação é uma relação jurídica de caráter transitório, pois, uma vez satisfeita a prestação prometida, quer de modo amigável, quer por meios judiciais, exaure-se a obrigação. Não existe obrigação perpétua.Ainda que ela incidisse sobre atos contínuos, prolongados e reiterados, cuja persistência fosse indeterminada, como na locação de serviços, sempre haveria um limite à sua duração(4).

Clóvis Beviláqua define obrigação como uma" relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em regra economicamente apreciável, em proveito de alguém que, por ato nosso ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude de lei, adquiriu o direito de exigir de nós essa ação ou omissão"(5).

A definição de Beviláqua não está completamente correta pois não há alusão ao elemento responsabilidade, que surge quando o devedor deixa de honrar seu compromisso, um devedor inadimplente. Atualmente, a doutrina concede à Washington de Barros Monteiro a melhor definição:

"Obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio". (6)

Para prender o conceito em uma idéia geral, a fim de resumir e abreviá-lo, podemos, com todo o exposto, afirmar que a obrigação é o direito do credor contra o devedor, tendo por objeto determinada prestação(7), ou ainda, afirmar que ela é uma relação jurídica em virtude da qual uma ou mais pessoas determinadas devem, em favor de outra ou outras, uma prestação de caráter patrimonial(8).

II- Fontes do Direito

Neste tópico, discursaremos sobre o conceito, definição e classificação das fontes de um modo geral, não adentrando em pormenores, pois se infere desse tópico apenas uma pequena introdução para os estudos das fontes do direito das obrigações, não sendo o objeto principal de nosso estudo.

Entre as várias acepções da expressão "fontes do direito", encontramos um conjunto de documentos jurídicos e coleções de leis do passado, uma autoridade criadora (Estado), fundamentos de validade formal de uma norma, forças sociais criadoras e valores determinantes, e, por fim, formas de manifestação do Direito.

A expressão fonte vem do latim fons, fontis, nascente, significando tudo aquilo que origina, que produz algo. Assim, a expressão fontes do Direito indica, desde logo, as formas pelas quais o Direito se manifesta. A expressão fonte do direito é empregada metaforicamente, pois em sentido próprio é a nascente de onde brota uma corrente de água. Assim, fonte jurídica seria a origem primária de direito, confundindo-se com o problema da gênese do direito. Trata-se da fonte real ou material do direito, ou seja, dos fatores reais que condicionaram o aparecimento da norma jurídica(9).

As fontes se dividem principalmente em materiais ou formais. Aquelas são formadas pelos fenômenos sociais e pelos elementos extraídos da realidade social, das tradições e dos ideais dominantes, que contribuem para formar o conteúdo ou a matéria das regras jurídicas, isto é, das fontes formais do direito(10).

As fontes materiais são os fatos sociais, as próprias forças sociais criadoras do Direito. Constituem a matéria-prima da elaboração deste, pois são os valores sociais que informam o conteúdo das normas jurídicas. As fontes materiais não são ainda o Direito pronto, perfeito, mas para a formação deste concorrem sob a forma de fatos sociais econômicos, políticos, religiosos, morais.

Como exemplo de fato econômico inspirador do Direito, podemos citar a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, que acarretou uma depressão econômica profunda, com efeitos jurídicos sensíveis.

Fatos sociais de natureza política encontraremos no papel inegável das ideologias políticas, ao originarem movimentos políticos de fato, como as revoluções e as quarteladas. Na religião encontra-se uma fonte destacada do Direito, haja vista a Antigüidade Oriental e a Clássica, nas quais encontramos Direito e religião confundidos. A própria pena imposta ao faltoso tinha caráter de expiação, pois o crime, antes de ser um ilícito, era um pecado, razão pela qual, no antigo Egito, aquele que atentava contra lei do faraó cometia não apenas crime, mas também sacrilégio. Veja-se, nos dias atuais, a grande luta travada pela Igreja, nos países católicos, contra o divórcio, influenciando, com sua autoridade, durante muito tempo, a decisão dos parlamentares a respeito. Já como exemplo de fatores morais na elaboração do Direito, citem-se as virtudes morais como o decoro, a decência, a fidelidade, o respeito ao próximo. E como fatores naturais, citemos o clima, o solo, a raça, a geografia, a população, a constituição anatômica dos povos. Já Montesquieu, em sua obra máxima, O Espírito das Leis, informou, com muita graça e clareza, sobre a influência das condições mesológicas sobre os povos e suas leis, que deveriam ser àquelas apropriadas. Exemplo: os fenícios foram os maiores navegadores comerciantes da Antigüidade, principalmente porque a aridez do solo em que viviam a isto os impeliu. As fontes materiais, como visto, são também valores de cada época, dos quais fluem as normas jurídico-positivas.

Por sua vez, as fontes formais ou secundárias são os meios ou as formas pelas quais o direito positivo se manifesta na história, ou então, os meios pelos quais o direito positivo pode ser conhecido(11). Seriam a lei, os costumes, a jurisprudência e a doutrina. O Estado cria a lei e dá, ao costume e à jurisprudência, a força desta. O positivismo jurídico defende a idéia de que fora do Estado não há Direito, sendo aquele a única fonte deste. As forças sociais, os fatos sociais seriam tão-somente causa material do Direito, a matéria-prima de sua elaboração, ficando esta sempre a cargo do próprio Estado, como causa eficiente. A lei seria causa formal do Direito, a forma de manifestação deste. As fontes formais vêm a ser as artérias por onde correm e se manifestam as fontes materiais.

III- Fontes das Obrigações no Direito Romano

No Direito Romano, a responsabilidade penal dos delitos foi a primeira a surgir, seguindo-lhe o dever de indenizar o dano causado por quem violou a lei civil. A primeira figura que aparece, portanto, como fonte das obrigações é o delito. Conhece o Direito Romano, ao lado dos delitos públicos, cuja pena é imposta em favor da coletividade, os denominados delitos privados, como o furto, o roubo, a injúria e o dano, em que a pena é imposta em favor da vítima, respondendo o causador pelo prejuízo, pela sua culpa, mesmo quando levíssima.

Posteriormente, conhece-se a criação das obrigações pelos contratos. Encontramos, assim, a primeira afirmação de Gaio de acordo com a qual a obrigação surge do contrato ou do delito. Torna-se necessário esclarecer que, numa primeira fase do direito romano, o contrato não significa o acordo bilateral de vontade, podendo ocorrer independentemente de qualquer declaração das partes interessadas.

Ainda no Direito Romano, todavia, verificou-se que os delitos e os contratos não abrangiam todas as fontes de obrigações, podendo surgir da gestão de negócios alheios não previamente convencionada, da tutela e de outras causas. Houve várias figuras que não foram enquadradas como decorrentes das fontes do delito ou do contrato, como, já mencionados, a gestão de negócios, a tutela e a curatela.

As várias causas de obrigações não enquadradas nos delitos e nos contratos, foram reunidas sob o título de quase-contratos. É nas institutas que encontramos (3,27) a regulamentação dos quase-contratos, salientando o legislador que assim se denominam por não haver, no caso, o consenso entre as partes peculiares aos contratos, nem a violação da lei, características dos delitos.

Coube á escola bizantina definir uma quarta fonte de obrigações: os quase-delitos. Certas figuram vinculadas aos delitos não tinham como pressuposto a vontade de causar o dano, implicando, ao contrário, numa responsabilidade, que hoje denominaríamos de objetiva.

Chegamos assim à quadripartição das fontes das obrigações dominantes na época de Justiniano e que serviu de base para os estudo e codificações anteriores. Quatro passam a ser as fontes das obrigações: contratos, quase-contratos, delitos e quase-delitos. Mais recentemente, os juristas apontaram determinadas fontes das obrigações que não derivam das fontes acima. Certas obrigações, em virtude de lei, decorrem do parentesco ou da relação de vizinhança. Ficou, pois, completado o quadro das fontes das obrigações com inclusão da lei como fonte suplementar.

Como se vê, o critério da distinção é a exigência ou não da vontade. O consenso caracteriza o contrato; a atividade lícita, sem consenso prévio, importa em quase-contrato; o dano causado a outrem voluntariamente é o delito e o provocado involuntariamente e o quase-delito(12).

IV-Fonte das Obrigações no Direito Moderno

O código de 1916 reconhecia, expressamente, três fontes de obrigações: o contrato, a declaração unilateral da vontade e o ato ilícito. Já o atual código mantém a mesma orientação, mencionando os contratos, os atos unilaterais e o ato ilícito, trazendo disposições expressas a respeito do enriquecimento sem causa (arts. 884 a 886) e do abuso de direito (art.187), equiparando-os ao ato ilícito.

Washington de Barros Monteiro aponta que existem outras relações obrigacionais e que não derivam dessas fontes ora citada. Por exemplo, o risco profissional (o operário, vitimado por acidente de trabalho, tem direito à competente indenização; adstringe-se o empregador a ressarci-lo independentemente de qualquer consideração em torno das culpa)(13). O risco profissional vem a ser o risco inerente a determinada atividade, sem que se leve em conta a culpa do patrão, ou do empregado.

Claro que se torna relevante o papel da lei nas fontes das obrigações, pois um contrato, por exemplo, só é contrato e assume seus efeitos de obrigação porque a lei assim o determina. As obrigações que nascem das declarações unilaterais da vontade são igualmente obrigações que derivam da lei, sua eficácia vem do poder legislativo. Assim também quanto às obrigações oriundas dos atos ilícitos, é a lei que impõe ao culpado o dever de ressarcir o dano causado.

A lei, no caso, é uma fonte autônoma.Ainda acerca da lei, ela sempre foi fonte imediata das obrigações, representando a fonte suprema, primordial, pois é ela que impõe ao devedor o mister de fornecer sua prestação e comina sanção para o caso de inadimplemento.

Os autores, como vimos, divergem doutrinariamente: Pothier, jurista francês, aceita a eqüidade como fonte de obrigação(14).Já Arnoldo Wald não considera a declaração unilateral da vontade uma fonte obrigacional(15).

Caio Mário da Silva Pereira menciona que há obrigações que decorrem exclusivamente da lei e lembra os deveres políticos e a obrigação alimentar. Lembra, porém, esse autor que tais institutos não se constituem verdadeiras obrigações no sentido técnico e são apenas deveres jurídicos(16). Por outro lado, Sílvio Rodrigues entende que há obrigações decorrentes imediatamente da lei (obrigação de reparar o dano ou alimentares), nos casos de responsabilidade decorrente da teoria do risco.

No anteprojeto de Código Brasileiro das Obrigações, disciplinou-se o assunto, prevendo sucessivamente, a declaração unilateral de vontade, a promessa de recompensa, o contrato, a gestão de negócios, o enriquecimento ilícito e a reparação civil. No anteprojeto do Prof. Caio Mário da Silva Pereira, a obrigação resulta do negócio jurídico, do fato ilícito ou por determinação especial da Lei(17).

Estas são as principais divergências doutrinárias sobre o assunto.

Notas:

1. Barros Monteiro,Washington de. Curso de Direito Civil. Vol.4.25a Ed. 1991 Editora Saraiva, São Paulo.

2. Rodrigues, Sílvio. Direito Civil, vol.2. 30a Ed.2002 Editora Saraiva, São Paulo.

3. Gomes, Orlando.Obrigações, 4.ed. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1976.

4. Barros Monteiro,Washington de. Ob. Cit.

5. Beviláqua, Clóvis. Direito das Obrigações.Edição histórica. Rio de Janeiro. Editora Rio, 1977.

6. Barros Monteiro,Washington de. Ob. Cit.

7. Barros Monteiro,Washington de. Ob. Cit.

8. Wald, Arnoldo. Obrigações e Contratos.10a Ed. 1992. Editora Saraiva, São Paulo.

9. Sampaio, Nelson de Souza. Fontes do Direito- I, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.38.

10. Gusmão, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito, ed. Forense, 8a edição, Rio de Janeiro, 1978.

11. Gusmão, Paulo Dourado. Ob. Cit.

12. Wald, Arnoldo. Ob. Cit.

13. Barros Monteiro,Washington de. Ob. Cit.

14. Traité dês obligations, n.2, Oeuvres de Pothier, Paris, Ed. Depelafol, 1835..

15. Wald, Arnoldo. Ob. Cit

16. Pereira, Caio Mário da Silva.Fontes das Obrigações. 7 ed. Rio de Janeiro. Editora Forense,1986.

17. Barros Monteiro,Washington de. Ob. Cit.

Referências bibliográficas:

BARROS MONTEIRO,Washington de. Curso de Direito Civil. Vol.4.25a Ed. 1991 Editora Saraiva, São Paulo.

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações.Edição histórica. Rio de Janeiro. Editora Rio, 1977.

GOMES, Orlando.Obrigações, 4.ed. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1976.

GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao Estudo do Direito, ed. Forense, 8a edição, Rio de Janeiro, 1978.

PEREIRA, Caio Mário da Silva.Fontes das Obrigações. 7 ed. Rio de Janeiro. Editora Forense,1986.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, vol.2. 30a Ed.2002 Editora Saraiva, São Paulo.

SAMPAIO, Nelson de Souza. Fontes do Direito- I, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol.38.

WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos.10a Ed. 1992. Editora Saraiva, São Paulo.

Elaborado em outubro de 2004

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Como citar o texto:

AGUIAR, Igor Nóbrega..Fontes do Direito Obrigacional. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 100. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhos-academicos/385/fontes-direito-obrigacional. Acesso em 1 nov. 2004.

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