RESUMO

O artigo tem como objetivo descrever situações e impactos refletidos na região de Breves/PA devido a ausência do Instituto Médico Legal, o que ocasiona o entrave não só dos centros de referências como também os das Delegacias para realização de exames. Analisado os dados com o quantitativo de exames de corpo de delito realizados no município e como estes dados refletem na ausência do IML no município. Dados analisados quantitativamente, onde foram catalogados 1640 processos de exame de Corpo de Delito, dos anos de 2010 até 2014, constatado que o município possui uma grande demanda destes exames e a ausência do IML acaba sendo perniciosa para a administração pública, pois a falta de um setor especializado neste tipo de atendimento acaba prejudicando o bom andamento dos centros de referências das secretarias, especialmente as de Saúde e de Trabalho e Assistência Social, delegacias e toda a Rede de Serviços.

Palavras-Chaves: IML; Ausência; Exames Forenses, Medicina Legal, Direito Penal.

 

  1. INTRODUÇÃO

O município de Breves, localizado na mesorregião do arquipélago do Marajó, no Estado do Pará, é um município de grandes proporções. Com cerca de 98,231 mil habitantes, conforme IBGE de 2015[2], acaba ficando como o centro de toda a região marajoara, com serviços que fazem parte de uma rede muito abrangente, como Secretarias, Conselho Tutelar e Delegacias.

O município de Breves está habilitado em Gestão Plena do Sistema, segundo a NOAS /01 e 02.

A rede de saúde municipal encontra-se estruturada com, 06 USF (Unidades de Saúde da Família), todas localizadas na zona urbana, 01 Hospital Municipal, com 80 leitos conveniados pelo SUS, 22 Postos de Saúde na Zona Rural e 01 Hospital Regional de Média Complexidade, referência no estado.

 Apesar dessa estrutura, Breves carece de um Instituto Médico Legal (IML), pois não tem profissionais da saúde habilitados para lidar com esse tipo de demanda e não possui um espaço físico apropriado para que as perícias sejam realizadas.

O Instituto Médico Legal (IML) que também integra o Centro de Perícias Científicas "Renato Chaves" juntamente com o Instituto de Criminalística (IC), é responsável pelas perícias médico legais no ser humano em crimes que deixam vestígios. A medicina legal é uma especialidade médica reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina[3].

Dentre as principais perícias realizadas pelo IML estão:

Traumatologia Forense, que trata do estudo das lesões (ferimentos, hematomas, fraturas e outros) e traumas que as produzem com interpretação médico-legal, feita por meio de perícia médica que examina lesões corporais, cujo exame complementar é feito através sanidade física.

Sexologia Forense, é a área da Medicina Legal que estuda os vestígios deixados por crimes sexuais, aborto, infanticídio e outros. Este ramo pericial utiliza os conhecimentos da obstetrícia, ginecologia, psiquiatria, urologia, pediatria e infectologia. Por meio dela são feitos exames de conjunção carnal, de ato libidinoso diverso de conjunção carnal, de verificação de abortamento, de contágio venéreo, de gravidez, de parto recente ou antigo e exame de verificação de impotência sexual.

Tanatologia Forense, é uma área da Medicina Legal que estuda a morte de natureza violenta e suas consequências. Ela é responsável pelo estudo científico do corpo humano através de necropsias médico-legais e outros exames médicos complementares, caso haja crimes contra a vida, bem como naqueles em que seja necessário fazer exame cadavérico pericial em mortes violentas de causas externas (não naturais).

Toxicologia (no vivo ou no morto), é o estudo das drogas, venenos e substâncias cáusticas ou venenosas e lesivas ao ser humano, para esclarecimento de suas alterações e efeitos provocados. O exame toxicológico pode ser feito no vivo ou no morto, para verificação da ocorrência de drogas de abusos, venenos, fármacos, medicamentos e outras substâncias.

Psiquiatria Forense, é o estudo das doenças e distúrbios mentais, vontade e comportamento humano para interpretação, executada por psiquiatras forenses em casos de interesse da justiça. Tem se mostrado fundamental na resolução de casos que envolvam tal perícia com em casos de grande repercussão, como o do Maníaco da Ceasa[4] e dos Emasculados de Altamira[5].

Necropsia, a perícia de Necropsia pode ser considerada uma das principais do Instituto Médico Legal (IML). Trata-se de um exame macro e microscópico, realizado por um médico legista após a morte de um indivíduo, com a finalidade de caracterizar a causa do óbito, apontar doenças associadas e esclarecer os traumas sofridos pela vítima.

As necropsias representam apenas 30% das perícias realizadas pelo IML do CPC, o restante dos 70% dos atendimentos é dada para indivíduos vivos[6], pessoas que foram vítimas dos mais diversos crimes.

Serviço de Verificação de Óbitos (S.V.O), é responsável pela execução de necropsias em vítimas de morte natural com ou sem assistência médica, ajudando a esclarecer as mortes com causa indefinida, identificando com mais clareza as doenças e agravos que levam o indivíduo ao óbito. 

A grande extensão territorial e populacional de Breves é acompanhada de perto com os índices elevados de casos de crimes sexuais, na sua grande maioria envolvendo crianças e adolescentes. A 1º Vara Civil do município de Breves possui, em andamento, 103 processos cujas vítimas são menores de 18 anos e estão envolvidos em crimes tipificados nos artigos 213, 217-A, 218, 218-A, 218-B, 227, 228, 230, 231, 231-A do Código Penal Brasileiro.

É nessa conjuntura que se discute a importância do IML, pois é peça-fundamental na prestação dos serviços públicos de polícia judiciária, que por sua vez complementam as atividades sociais dos centros de referência. O Instituto é que elabora a perícia médico-legal, que ao final servirá de prova em inquérito policial, mais especificamente na questão da materialidade dos crimes, podendo levar à elucidação de fatos que culminarão na condenação do agente que eventualmente cometeu o ato ilícito ou até absolvê-lo, se inocente.

De acordo com alguns doutrinadores, como DE FRANÇA (2004, p. 12)[7]:

“Define-se perícia médico-legal como um conjunto de procedimentos médicos e técnicos que tem como finalidade o esclarecimento de um fato de interesse da Justiça ou como um ato pelo qual a autoridade procura conhecer por meios técnicos e científicos, a existência ou não de certos acontecimentos, capazes de interferir na decisão de uma questão judiciária ligada à vida ou à saúde do homem ou que com ele tenha relação”.

Na mesma linha, NUCCI (p.312)[8] doutrina: É o exame de algo ou alguém realizado por técnicos ou especialistas em determinados assuntos, podendo fazer afirmações ou extrair conclusões pertinentes ao processo penal. Trata-se de um meio de prova.”

Desta forma, temos que a perícia realizada pelo IML é um instrumento de grande importância, pois através dela teremos a materialização da maioria dos delitos que causaram algum tipo de dano físico ao sujeito passivo do ilícito penal.

Nesta pesquisa realizamos o levantamento de número relativos aos casos registrados no Hospital municipal de Breves entre os anos de 2010 a 2014 procurando descrever os impactos causados na região de Breves/PA devido à ausência do Instituto Médico Legal.

Mediante uma abordagem indutiva, serão usados como instrumentos de pesquisas e deliberação, análises bibliográficas e documentais bem como levantamento de dados.

 

  1. METODOLOGIA

O levantamento de dados foi feito pelo autor do estudo, sendo usado o método quantitativo junto ao Hospital Municipal “Maria Santana Rocha Franco” do município de Breves/PA. A razão para escolha do município de Breves fora a falta de estudo empírico sobre os impactos da ausência do IML no município.

O trabalho de campo foi realizado durante quatro semanas, de forma presencial no Hospital Municipal de Breves. Como os casos não estavam digitalizados em nenhum banco de dados, a busca foi feita por um funcionário administrativo do Hospital, sendo catalogados 1640 processos de Exames de Corpo de Delito, dos anos de 2010 até 2014.

Após a separação dos Exames, os dados foram organizados segundo os critérios de ano e tipo de exame de corpo de delito (lesões corporais, exame necroscópico, atos libidinosos mais conjugação carnal e constatação de infanticídio).

 

  1. RESULTADOS E DISCUSSÃO 

Após este introdutório, passamos à análise dos dados obtidos e a sua discussão.

2010:

Lesões Corporais: 280 (duzentos e oitenta) exames;

Exame Necroscópico: 04 (quatro) exames;

Atos Libidinosos (Conjunção Carnal): 48 (quarenta e oito) exames;

2011:

Lesões Corporais: 298 (duzentos e noventa e oito) exames;

Exame Necroscópico: 05 (cinco) exames;

Atos Libidinosos (Conjunção Carnal): 60 (sessenta) exames;

2012:

Lesões Corporais: 370 (trezentos e setenta) exames;

Exame Necroscópico: 07 (sete) exames;

Atos Libidinosos mais Conjunção Carnal: 28 (vinte e oito) exames;

Constatação de Infanticídio: 01 (um) exame.

2013:

Lesões Corporais: 127 (cento e vinte e sete) exames;

Exame Sexológico Forense: 28 (vinte e oito) exames;

Atos Libidinosos mais Conjunção Carnal: 01 (um) exame;

Exame Necroscópico: 04 (quatro) exames;

2014:

Lesões Corporais: 339 (trezentos e trinta e nove) exames;

Exame Sexológico Forense: 28 (vinte e oito) exames;

Laudo Cadavérico: 01 (um) exame;

Exame Necroscópico: 15 (quinze) exames;

Atos Libidinosos mais Conjunção Carnal: 01 (um) exame.

Fonte dos dados: Municipal Maria Santana Rocha Franco do Município de Breves/PA, no período de 2010 a 2014.

Nota-se que há um crescimento permanente no uso dos serviços públicos referentes aos exames de corpo de delito. Verifica-se, através dos dados, o aumento do número de exames nos últimos anos. Destarte, somente nos quatro anos pesquisados constam em média 1640 exames realizados.

Os exames estão divididos por categorias, sendo que os casos de Lesões Corporais (84%) são os exames mais requisitados, seguidos de exames de Atos Libidinosos (59%) e pelos exames sexólogos e necroscópicos (18%).

Quando realizamos a comparação entre os dados relativos aos anos objetos desta pesquisa, podemos afirmar categoricamente ser considerável o fluxo de exames periciais no município de Breves, tendo em vista que se trata de uma cidade do interior. Os dados nos mostram que no ano de 2010 os casos de lesões corporais (84%) encabeçam o ranking de exames feitos pelo Hospital, acompanhado, de longe, dos casos de atos libidinosos (15%).

Porém, o mais interessante fato constatado é que os casos vêm paulatinamente aumentando com o passar dos anos, saltando dos 332 exames de 2010 para 363 do ano de 2011, um crescimento de 9,3% em apenas um ano.

Nesse diapasão, o ano de 2012 fora o que mais teve exames periciais realizados, com cerca de 401 exames, um aumento de 20% em relação ao ano de 2010. Houve, outrossim, um aumento de 32% nos casos de exames de lesões corporais comparados ao mesmo ano.

Por seu turno ano de 2013 se mostrou como o mais discrepante dentre os anos analisados, com apenas 160 exames periciais realizados, uma queda de 51% em comparação ao ano de 2010.

Já no ano de 2014 a estimativa de exames periciais harmonizou-se à média de exames da mesma natureza que vinham sendo realizados nos últimos anos, com a novidade de 01 laudo cadavérico, representando apenas 1% dos exames efetivados neste ano.

Neste ponto, ainda temos que a ausência do IML se torna um fator prejudicial aos trabalhos da polícia judiciária, já que é deveras dificultosa a tarefa de comprovação da materialidade de determinados delitos. Consequência disso é o encaminhamento das perícias para Belém, enquanto que em Breves apenas exames de corpo de delito são realizados no Hospital Municipal, conforme já ressaltado alhures.

Para tanto, temos a ressalva de que os exames realizados no município são de péssima qualidade, pois os médicos não são peritos e não recebem renumeração pelas perícias, sendo que por vezes se negam, inclusive, a realizar os exames.

 

  1. CONCLUSÃO

Os resultados obtidos nos mostram que o fluxo de exames periciais no município de Breves é considerável e a expectativa de crescimento é grande.

Por outro lado, a falta do IML acarreta diversos problemas à polícia judiciária, já que, quando "a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado", conforme estatui o art. 158 do Código de Processo Penal, podendo inclusive prejudicar a persecução penal já que o Código de Processo Penal, no seu artigo 564, III, b, estabelece que quando possível à realização da perícia, sua falta implica a nulidade de qualquer prova produzida em sua substituição, o que pode levar a absolvição do réu por falta de provas, conforme artigo 386, VI, do CPP.

Deste modo, diante das situações fáticas que ensejam a produção de prova especializada, os Delegados de Polícia se veem em um grande entrave, pois devem cumprir o artigo 6º, inciso VII do CPP encaminhando os vestígios do crime para exame de corpo de delito ou perícia, porém, na falta de logística específica são obrigados a encaminha-los ao Hospital Municipal, que conforme já explicitado, não está adequadamente preparado para a feitura de tais procedimentos. Não é de se admirar que disso resulta, inexoravelmente, na absolvição de um culpado ou mesmo na condenação de um inocente, coisa impensável em um Estado Democrático de Direito.

Constatado, portanto, que a falta do IML é perniciosa para a administração da justiça neste município, há que se ter em mente também os reflexos negativos em outras áreas de interesse público, pois a falta de um setor especializado neste tipo de atendimento acaba prejudicando o bom andamento dos centros de referências das secretarias, especialmente as da Saúde e do Trabalho e Assistência Social.

Os efeitos danosos desta lacuna que acabam não se restringindo somente ao Setor Público, mas também afetando a própria sociedade, que com a amorosidade dos casos acaba desacreditada no trabalho do Estado e de que a justiça possa ser aplicada.

Por derradeiro asseveramos a urgência da implantação e instalação do IML neste município de Breves para que as perícias nos casos aqui citados, sejam elaboradas de forma adequada, atentando-se ainda para a manifestação dos delitos em razão da mesma, o que comprovou a necessidade deste estudo bem mais aprofundado, explicitando as razões pelas quais se interpelou e se demonstrou tanto interesse pelo relevante tema.

 

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial: volume 4 São Paulo: Saraiva, 2002.

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Brasília, DF: Senado, 1988.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial: volume 3. 2 ed. São Paulo: Saraiva 2002.

DE FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. 7º ed. Editora Guanabara Koogan, 2004, p.12.

FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal: 6 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A, 2007.

GOMES, Hélio. Medicina Legal: 30 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A, 1993.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Direito Penal: volume 9. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

JESUS, Damásio E. Direito Penal: São Paulo: Saraiva 2004.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. Editora RT. P.312.

PILETTI, NELSON. História Geral e Brasileira: 26 ed., São Paulo: Moderna, 2005.

 

  

[2] Como visto em:

http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=150180&search=para|breves. Último acesso em 02/10/2016.

[3]  Como visto em: http://www.cpc.pa.gov.br/. Último acesso em 13/08/2016.

[4] O Monstro do Ceasa, foi o caso onde houve a morte de três meninos na mata do Ceasa, em Belém, onde também responde outro processo por violência sexual contra um menor. Conforme visto em:http://www.tjpa.jus.br/PortalExterno/imprensa/noticias/Homenagens/412--Monstro-da-Ceasa--tem-pedido-de-liberdade-negado-pela-Justica-do-Para.xhtml. Último acesso em 13/08/2016.

[5] Meninos, com idade entre 8 e 14 anos, foram sequestrados e castrados na cidade de Altamira, localizada a 777km de Belém. Segundo o Ministério Público, os crimes que aconteceram entre 1989 e 93 foram motivados por rituais de magia negra. As crianças encontradas, mortas ou vivas, estavam nuas, algumas com orifícios de arma de fogo, queimaduras de cigarro, olhos arrancados, pulsos cortados, órgãos sexuais extirpados cirurgicamente, sofreram abuso sexual e sevícias. Conforme visto em:http://www.tjpa.jus.br/PortalExterno/imprensa/noticias/Informes/1083-Caso-de-emasculados-tem-revisao-adiada.xhtml.Último acesso em:13/08/2016.

[6] Como visto em: http://www.ssp.sp.gov.br/fale/institucional/answers.aspx?t=3. Último acesso em 11/08/2016.

[7] DE FRANÇA, Genival Veloso. Medicina Legal. 7º ed. Editora Guanabara Koogan, 2004, p.12.

[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. Editora RT. P.312.

Data da conclusão/última revisão: 13/8/2016

 

Como citar o texto:

CUSTÓDIO, Carlos Alberto Barbosa..Estudo das consequências da ausência de Instituto Médico Legal no Município de Breves/PA. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1506. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhos-academicos/3912/estudo-consequencias-ausencia-instituto-medico-legal-municipio-brevespa. Acesso em 9 fev. 2018.

Importante:

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