Índice: 1. Preliminares (Introdução) - 2. A ética profissional - 2.1 A ética profissional quando do exercício do Direito nos primórdios - 2.2 O Direito, o advogado e a ética profissional no mundo hodierno - 3. A litigância de má fé - 3.1 Responsabilidade pela litigância de má fé - 3.2 Litigância de má fé no Direito do trabalho - 4. Aspectos finais (Conclusão) - 5. Bibliografia
1. Preliminares (Introdução)
Todo advogado é ético. Esse era o pensamento nos tempos remotos, como veremos mais adiante. O problema é que isso mudou, mas não sem motivos. O advogado, enquanto membro indispensável à administração da Justiça (art. 133 da CF/88), deve se nortear por princípios concernentes ao exercício probo e ético quando do desempenho do seu mister. Sua conduta deve se firmar em parâmetros estabelecidos segundo uma vertente juridicamente correta, mas também torna-se igualmente relevante a observância de normas de conduta, por vezes de foro íntimo, as quais, se inobservadas ou exercidas de modo desonesto, são capazes de refletir de forma lesiva nos que com ele estejam direta ou indiretamente envolvidos.
Cumprimento e respeito à lei, exercício da atividade em sintonia com os fins sociais, probidade, lealdade, boa fé. O Código de Ética e Disciplina da OAB parece exaurir o elenco de normas a serem seguidas pelo profissional, porém tal rol apenas veio a demonstrar o quão minucioso é esse ofício e quanta é a cautela que se deve ter quando da sua prática.
Registre-se, outrossim, que tornou-se uma praxe os comentários e piadas de mal gosto enfocando a figura do advogado. A bem da verdade, como dito anteriormente, tais insinuações não surgiram por acaso. Desde falhas não-intencionais até escandalosos atos ardis, tudo isso junto torna-se um grande motivo para as chacotas e as conseqüentes desconfianças. Dentre os deveres do advogado está o de velar por sua reputação pessoal e profissional. É dever, não faculdade. Justamente por isso que parte do Conselho da OAB, como também da população, deve ser severa na punição àqueles que descumprem as normas éticas. Assim, a própria classe evita a deturpação da profissão e a coletividade como um todo se assegura de que o desvio terá castigo, não comprometendo a credibilidade da Justiça como um todo.
Portanto, em virtude desse enorme poder de denegrir a imagem de todos os atuantes probos da área, vislumbra-se de extrema importância a discussão ora proposta sobre a ética profissional e a litigância de má fé entre os advogados, abarcando, ainda, o presente estudo, a historicidade do Direito em si, a questão da ética nos primórdios da civilização até chegar à sua performance nos dias atuais e no exercício da advocacia. Em cada abordagem fazemos breve referência ao nosso juízo acerca do assunto, pois trata-se de algo que não poderíamos deixar de avaliar sob o ponto de vista particular e humanitário em razão da nossa posição enquanto membro da classe jurídica.
2. A ética profissional
O assunto “ética” é sempre polêmico. A ética profissional propriamente dita abarca vários ângulos. Primeiro, cabe distinguir a ética da moral. Esta apresenta-se como algo estático, independe do lugar onde se esteja ou com quem se relacione. Trata-se de um paradigma pessoal e exclusivo que se estabelece pela própria pessoa de forma individual e que pode até, cremos, se diferenciar de uma para outra. Já a ética traz aquele conceito de coisa politicamente correta, apropriada e válida. Pois bem, vista desse modo, como nos pareceu melhor enfocá-la, acreditamos estar totalmente em comunhão com o Direito, vez que este é a lei em si, é o conjunto de regras e normas a serem seguidas da forma como são redigidas e apresentadas ao público. A ética é, sim, embebida pelo dever, assim como o Direito. Dever de sempre observar suas regras e ter um motivo mais do que justo para reprimir o que acaso se desvie desse padrão. Esse é o nosso pensamento.
A ética profissional, por outro lado, abarca uma profundidade maior, pois o homem terá compromisso não com sua consciência apenas, mas com todos aqueles que com ele tiverem algum tipo de ligação profissional e que, de qualquer modo, sintam o reflexo das suas ações.
O bom profissional é aquele que exerce seu mister corretamente e de forma a não apenas se limitar ao seu âmbito de incumbências; é aquele que procura se dar ao máximo e ainda tenta se aprofundar naquilo que não é da sua área. Assim, mostra habilidade e engrandecimento no trabalho.
Quanto à ética na profissão do advogado, deve ser ela praticada em observância aos mandamentos sacramentos em vários dispositivos, como o Código de Ética e Disciplina da OAB e o Código de Processo Civil. Essas normas já iluminam e auxiliam por demais os atuantes desse ramo, pois mostram de forma clara e expressa os caminhos a serem trilhados bem como a forma repreensiva quando do seu desvio.
Assim, não há desculpas nem motivos que levem a crer ser um advogado escusável de atos ou ações em descumprimento à ética. Ele, enquanto membro de uma classe honrosa deveria, quando do exercício de tal ofício louvável, proteger a categoria como um todo, aplicando de forma responsável aquilo que lhe foi passado durante pelo menos um qüinqüênio em sala de aula. Tem ele comprometimento com a classe e com todas as pessoas que dependem dos seus serviços.
Por outro lado, nem sempre houve tamanha preocupação com a ética, especialmente nos tempos remotos, como veremos adiante.
2.1 A ética profissional quando do exercício do Direito nos primórdios
À luz da máxima ubi societas, ibi jus (onde está a sociedade está o Direito), temos que o Direito surgiu em meio e em virtude do desenvolvimento das relações entre os homens. À medida em que surgia um fato novo, passível de gerar litígio numa mesma tribo, estabelecia-se desde logo soluções normativas, digo, espécies de normas de conduta. Aquele que agisse de má fé, tentando burlar ou ludibriar outrem, em mitigação às regras vigentes, era punido severamente.
Entre gregos e romanos, assim como entre os hindus, a religião, a religiosidade em si, era sinônimo de moral e ética. A própria lei era tida como parte da religião. Tudo era submetido às decisões dos Sacerdotes, considerados os únicos juízes competentes para uma infinidade de processos. Cícero, no seu “Tratado das Leis” escreveu: “Que ninguém se aproxime dos deuses com as mãos impuras”. Ou seja, considerar-se-ia impuro todo aquele que não seguisse os mandamentos religiosos, tidos como éticos, podendo, inclusive, ser castigado pelos deuses face à sua desobediência. Presumia-se anti-ético, imoral, por exemplo, a feitura de um testamento - era infringir a ordem estabelecida pela religião para a sucessão dos bens e a transmissão do culto. Assim, os pontífices é quem faziam as vezes do advogado e do Juiz, tudo ao mesmo tempo, desempenhando as funções de um e de outro, auxiliando e julgando. Conclusão: devido à importância da religião, todos os pontífices, os únicos jurisconsultos da época, eram considerados éticos.
As leis, durante muito tempo, foram coisa sagrada. O conceito de ética da época citada é totalmente diferente do que se tem atualmente. Primordialmente, condenava-se por violar a lei e a ética aquele que divulgava as fórmulas da lei, o rito do julgamento, etc. aos estrangeiros e aos plebeus. A ética baseava-se especialmente, na fidelidade ao seu povo (algo em falta hodiernamente) e na religião.
“O estrangeiro e o cidadão podiam viver lado a lado, durante longos anos, sem nunca admitir a possibilidade de estabelecer um vínculo de direito entre ambos” (Fustel de Coulanges, in A Cidade Antiga)
A ética no Direito, na advocacia, porém, de algo verossímil e certo, infelizmente, passou a ser vista como costume raro hoje em dia. O advogado desempenha funções tão relevantes que não dá pra imaginar seu exercício ligado à má fé. Passemos à uma análise maior.
2.2 O Direito, o Advogado e a ética profissional no tempo presente
Segundo Miguel Reale, pode-se definir o Direito como sendo a “ordenação coercitiva da conduta humana”. Dessarte, todo ato contrário ao Direito em si ou apenas de cunho moralmente contrário às suas disposições implicará numa sanção.
As partes, normalmente, não possuem os conhecimentos de direito necessários para poderem fazer valer ou defender as próprias pretensões em juízo. Por isso, a tarefa de operar concretamente no processo é confiada aos advogados, que, como dito anteriormente, são profissionais do direito indispensáveis à administração da justiça.
A presunção de probidade que o advogado deve transparecer à sociedade tem que ser encarada de forma solene e digna, assim, “quem escolhe a profissão de advogado deve ser probo. (...) Quem procura um advogado está quase sempre em situação de angústia e desespero. Precisa nutrir ao menos a convicção de estar a tratar com alguém acima de qualquer suspeita.” (José Renato Natali, advogado paulista)
Registre-se, contudo, que essa tal presunção a que fez menção o jurista supra, diz respeito ao drama pelo qual atualmente passa toda uma categoria de advogados de reputação ilibada, em virtude de alguns poucos que estão envolvidos em atos de manifesto absurdo.
Absurdo porque infringir normas de condutas simples, passíveis de seguimento pelo mais simples dos homens, não abarca argumentos ensejadores de escusas ou de acordo capaz de relevar as conseqüentes penalidades para seu executor. O advogado é pessoa sapiente, conhecedora dos direitos do homem, e deve, por conseguinte, mais severamente, observar os deveres que lhe implicam cumprir. Sim, pois os direitos, enquanto meras faculdades (direito subjetivo), podem ser exercidos ou não por seu titular, sem que isso necessariamente implique em atitude reprovável. Mas, aquele que, sabedor de seus deveres, deixa de cumpri-los, esse, sim, além de ensejar uma ação condenável, pode vir a atingir terceiros, ferindo, muitas vezes, o direito destes, ou até deturpando toda uma classe da qual é membro.
Assim, nada mais imprescindível e prudente do que penalizar pessoas que desse modo procedem, especialmente advogados, profissionais que devem agir com ética no exercício da profissão. Até porque, as regras impostas são condutas corriqueiras, algo que todo cidadão digno faz no seu dia-a-dia: ser leal, agir de acordo com a verdade dos fatos, não proceder de forma a prejudicar ou mesmo lesionar direitos de terceiros, etc.
Talvez o fato de a sociedade cada vez mais se mostrar competitiva seja o motivo para casos de irregularidades na profissão advocatícia. Hoje, há uma dimensão maior e mais complexa da saudável concorrência, em que um queria conquistar sua clientela pela maior quantidade de conhecimentos ou técnicas. O que se tem, na verdade, é uma sucessão de “experts” em resolver casos tidos como sem solução da forma como acharem mais conveniente. Se burlarem a lei ou usarem de algo anti-ético, pouco importa; o que vale é o número de causas ganhas e a conceituação perante à sociedade. Maquiavel, em seu livro “O Príncipe”, revelou: Se podia vencer pelo engano, não tentava vencer pela força, dizendo que a glória provém da vitória, não do modo como ela é obtida.
A ética é uma criação e uma conquista da sociedade humana; não deve ser deixada de lado por algumas migalhas que alguns ganham a mais em seu detrimento. Aliás, convenhamos que “migalha” é uma forma modesta de falar, pois o que temos atualmente é a própria sociedade dando maiores créditos a esse tipo de atitude. É claro que não se pode generalizar, mas os advogados não agem sozinhos, eles têm clientes, e os clientes são a coletividade mesmo. O povo pugna por lealdade e o mesmo povo contrata esses mal profissionais. Assim fica difícil de reverter a situação.
O Conselho da Ordem dos Advogados, composto de membros alinhados e cientes das quantas andam a reputação da classe e ansiando reverter o quadro de desconfiança da população, já tentam atuar de forma elogiável, na punição de tais pessoas, revelando à imprensa números e nomes, embora de forma restrita, pois a maioria dos processos disciplinares é sigilosa. A mídia também tem contribuído para mostrar as conseqüências advindas do mal uso da inteligência. Se bem que na maioria das vezes trata do assunto de forma a levar a sociedade a apedrejar todos os profissionais. Enfim, nada é perfeito.
O que se tem como algo certo é que, o profissional da advocacia, enquanto indivíduo imbuído dos princípios característicos da profissão, encontra na ética não um confronto, mas um espaço de reflexão crítica, sistemática, sobre a presença dos valores presentes no seu mister. O advogado ético é aquele que trata o ofício de maneira estável e honrada, não se desvirtuando por uma oferta maior, tendo em vista o exercício da sua atividade a serviço de outros e em benefício próprio, em atenção à pessoa humana e, ao mesmo tempo, incorporando os valores assumidos como ideais pelo grupo profissional em questão, no qual faz parte. Ou seja, não é tão complicado quanto parece. Ao menos não para os que nasceram com a vocação e têm inclinação para o agir correto.
3. A litigância de má fé
Em estudo já clássico, Calamandrei compara o processo judicial a um jogo, a uma competição, em que a habilidade é permitida, mas não a trapaça. O processo não é apenas ciência do direito processual, nem somente técnica da sua aplicação prática, mas também leal observância das regras desse jogo, isto é, fidelidade aos cânones não escritos da correção profissional (ética), que assinalam os limites entre a habilidade e a trapaça.
Atento ao fato de que o direito é um campo muito vasto para o mau uso dos poderes concedidos para defesa dos direitos, o legislador procurou, em vários ordenamentos, estabelecer deveres bem como sanções para os casos de desvios a essas regras.
Há, porém, casos que, embora contrários ao rol de deveres atribuídos aos advogados, ainda assim não ensejem nenhuma deslealdade propriamente dita, intencionalmente. É o caso do inciso IV do art. 14 do CPC, in verbis:
“Art. 14. Compete às partes e aos seus procuradores:
(...)
IV – não produzir provas nem praticar atos inúteis ou desnecessários á declaração ou defesa do direito.”
A prática dos atos aí previstos pode, sim, decorrer de procedimento desleal da parte, que aumenta a atividade processual com a finalidade reprovável de evitar a solução final da demanda. Mas, em alguns casos, esse excesso de atividade inútil pode decorrer de inabilidade do advogado, derivar de pouca experiência ou reduzido conhecimento de sua profissão. Nesse caso, não poderia haver uma censura à sua conduta, sob o aspecto ético. Difícil, mas possível de acontecer.
A idéia comum de conduta de má fé supõe um elemento subjetivo, a intenção malévola. Essa idéia é, em princípio, adotada pelo direito processual, de modo que só se pune a conduta lesiva quando inspirada na intenção de prejudicar. Mas algumas vezes, a exemplo do caso supra mencionado, é muito difícil pesquisar a intenção do agente, de modo que exigir sempre esse elemento subjetivo redunda em impedir uma repressão mais enérgica da má conduta das partes.
Assim, algumas legislações estrangeiras adotam o conceito de culpa grave para melhor deliberar a respeito desse tipo de ação. A nossa, ao contrário, não usa essa definição nem conceitua o significado de má fé. Faz melhor: enumera os casos típicos, tornando-se mais fácil vislumbrar atos de manifesta improbidade, de evidente má fé (art. 17 do CPC). Aqui, nesse caso, pode-se dizer que agiu certo o legislador, pois, apesar de não apresentar um rol exaustivo de casos de má fé (vez que isso seria impossível, dada a criatividade do ser humano que usa a inteligência para trapacear) traz ao menos um apontamento expressivo e geral acerca de alguns dos mais prováveis comportamentos por parte daquele que age com fraude. E assim deve ser, pois um dispositivo taxativo restringiria por demais a capacidade do Juiz quando da aplicação da lei diante de um fato não contido expressamente e o magistrado, obviamente, não deve ater-se à letra morta da lei, deve adequá-la às situações várias da vida comum.
3.1 Responsabilidade pela litigância de má fé
Aquele que, mediante ardil ou artifício, de forma intencional e de modo a causar prejuízos a terceiros, pratica uma das condutas contrárias ao correto exercício da advocacia, considerar-se-á litigante de má fé. Contudo, este profissional que se desvirtua dos princípios inerentes ao bom e fiel desempenho da sua arte, estará sujeito a reprimendas de ordem jurídica. O art. 18 do CPC faz uma abordagem acerca da responsabilidade advinda dos atos praticados com perfídia que, na maioria das vezes, prejudicam a parte contrária e a Justiça como um todo.
A nova redação trazida ao dispositivo mencionado faz presumir estar o Juiz obrigado a impor uma indenização àquele que litigou de má fé. Porém, alguns juristas entendem que, embora contenha a expressão “condenará”, ainda assim trata-se de mera faculdade decisória incluída em seu poder discricionário. Assim decidiu um julgado do Tribunal gaúcho:
“... LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ. NÃO HÁ NENHUMA IMPARCIALIDADE EM APLICAR A PENA DE LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ DE OFICIO. O JUIZ ATÉ DEVE FAZÊ-LO PARA QUE O PROCESSO NÃO SE TORNE INSTRUMENTO CONTRÁRIO À JUSTIÇA, SENDO USADO APENAS PARA PROTELAR, COM MANOBRAS BUROCRÁTICAS E MALICIOSAS, A EFETIVAÇÃO DE DIREITO SUBJETIVO DA PARTE. APELAÇÃO IMPROVIDA.”
(TARGS – 4ª Câmara Cível – APC nº 194003612 – Rel. ARI DARCI WACHHOLZ)
Não concordamos com tal posicionamento, pois o Juiz, além de aplicador da lei, é também membro indispensável para o fiel cumprimento da função social implícita nela. O fato de uma norma não obrigá-lo à sua efetiva aplicação não quer dizer que seja meramente acessória. E especialmente quando se trata de algo sério, que envolve não apenas o desvirtuamento de uma pessoa, mas também o fato de acarretar prejuízos a outrem e, consequentemente, à própria credibilidade da Justiça. Outrossim, não há possibilidade de tal ato, ainda que aceito como discricionário, se furtar da observância ao princípio do livre convencimento motivado. Quando da condenação pela litigância de má fé e imposição da multa, há que se atentar para a motivação do Juiz, que é algo imprescindível. As partes têm o direito de saber do que são condenadas, conquanto o ato errôneo que empreenderam.
Registre-se, outrossim, nossa repúdio também quanto ao fato de a Lei nº 9.668/98 (que alterou o art. 18 do CPC) ter introduzido um limite na multa a ser fixada pelo Juiz ou tribunal quando da sua imposição à parte ímproba. Contestamos em tal caso porque o balizamento de algo muito peculiar caso a caso não pode depender de uma restrição. E diga-se, uma restrição de forma a tornar um ato considerado condenável apenas e tão-somente algo semelhante a um simples escorregão.
Ora, estamos tratando de um ato pérfido, traiçoeiro e desleal, de alguém que usa de meios totalmente repudiados pelo Direito enquanto ciência voltada à pacificação social, de um ato capaz de lesar o direito de outrem, que nada contribuiu para ver-se em tal situação. Por isso, deve, sim, ser punido de forma mais severa, a qual, certamente, é aquela que atinge não só a reputação da pessoa, mas seu “bolso”.
3.2 Litigância de má fé no Direito do Trabalho
Em caso de omissão na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT –, é totalmente aplicável o dever de lealdade exposto pelo CPC no foro trabalhista (art. 769 da CLT). Apesar de ser uma Justiça Especializada, tal fato não seria nem um pouco plausível a servir como justificativa para a não-observância dos preceitos éticos. Abrir uma exceção a trabalhadores e empregadores não teria o mínimo de fundamento.
Assim como no processo civil, no foro trabalhista também se exige a intenção de prejudicar a parte contrária quando do descumprimento das obrigações de agir com lealdade, embora nem sempre o escopo principal seja esse. Na verdade, discordamos de tal, pois a parte que age com má fé, procura, em primeiro lugar, beneficiar-se; o prejuízo da outra parte é, necessariamente, corolário da sua ação, pelo menos é o que ocorre em regra.
A Justiça do Trabalho já goza há muito tempo da fama de ser a mais morosa das justiças, onde “se ganha, mas não leva”. Um dos motivos ensejadores desse insucesso é justamente a litigância de má fé. Não é nenhuma novidade as inúmeras reclamações ajuizadas sem fundamento ou excessivamente exageradas nos pedidos. Geralmente envolvem pedidos de salários já pagos, horas extras não trabalhadas, e até mesmo há casos de simulação de relação empregatícia. Alguns pedidos infundados até que poderiam resultar da falta de atenção por parte dessas pessoas, hipossuficientes que são, às vezes até destituída do auxílio de advogado, já que a Justiça Trabalhista o dispensa. Mas em outros casos isso nem chega perto de ser evidenciado, trata-se da mais clara configuração de malícia por parte do reclamante. Por isso, devem, sim, ser punidos. O fato de gozarem de posição originariamente mais fraca (e é isso que seus advogados alegarão em sua defesa) não os isenta da obrigação de procederem com lealdade no processo. Mas aí é onde se encontra o cerne da questão. Os trabalhadores que realmente são supridos dos seus direitos e desejam ajuizar reclamação trabalhista de regra são leigos. A probabilidade de agirem com manifesto dolo, com certeza, em sua maioria, é proveniente da sugestão de advogados sem caráter, que geralmente não querem ficar adstritos a uma causa de valor ínfimo, na qual o valor dos honorários seria bem reduzido. Isso não é nenhuma novidade, é uma constatação nossa.
Registre-se, por outro lado, que o objetivo de obter benefícios no processo trabalhista não provém apenas do lado considerado mais fraco da relação. Os empregadores também têm interesse – e muito – em ver o litígio resolvido a seu favor, seja usando de procedimentos desleais, seja protelando o feito de todas as maneiras possíveis a fim de que o trabalhador ceda e aceite fazer um acordo, que geralmente lhe será ruinoso. Há casos de empresas em que há autorização expressa para que seus advogados interponham todos os recursos permitidos em lei.
A conseqüência disso tudo é: prejuízo à parte honesta e descrédito da Justiça, atentando contra o interesse social. A litigância de má fé é a mais nítida contribuição para denegrir a imagem do Judiciário e dar maior firmeza a todas as chacotas já tão habituais na sociedade a respeito dos advogados. Afinal, quem nunca ouviu dizer que “todo advogado é ladrão”, ou “advogado é alguém muito esperto”?
Dessarte, não se admite mais continuar com essa situação, não só na Justiça Especial como também na Comum. A contrariedade aos dispositivos legais invocados no CPC, no Código de Ética e Disciplina da OAB e no próprio Estatuto da Ordem, devem servir de impulso mais do que suficiente à repressão àqueles que agem desse modo. Não é só a classe de advogados que sofre com o descrédito, é a sociedade como um todo, que tornar-se-á intimidada, sem confiar na Justiça.
4. Aspectos finais (conclusão)
A ética disciplina o comportamento do homem, quer o exterior e social, quer o íntimo e subjetivo. No exercício da profissão, esse conjunto de preceitos morais deve nortear a conduta do indivíduo no ofício que exerce, de modo a contribuir para a formação de uma consciência profissional adstrita às regras éticas. Temos, então, a chamada ética profissional. O advogado, enquanto membro indispensável à atuação da Justiça, tem sua atuação mais acentuada quando regrada por tais princípios. O problema é que nem todos assim procedem.
A litigância de má fé constitui-se no pior exemplo de mal profissional, pois envolve sua participação direta na causa, age em detrimento dos direitos de terceiros e ainda contribui para o descrédito da própria instituição da qual faz parte, a Justiça.
Desse modo, embora seja regra que uma determinada categoria tenha de valer-se da sua união enquanto grupo, para o fortalecimento da própria classe, nesses casos, porém, que envolvem algum membro discordante das normas de conduta positivadas para conservação da boa representação, o corporativismo não deve prevalecer de forma alguma. Porque aquele que cumpre corretamente seus deveres não precisa de elogios nem citações na mídia. Ele sabe que faz parte da sua obrigação. Mas aquele que age com trapaça, que se esquece dos seus deveres para com a categoria e a própria sociedade, certamente é merecedor da execração pública. Não há que se ter qualquer tipo de auto-proteção.
Assim, conforme demonstrado durante a exposição, não são todos os advogados que agem de forma errônea, em dissonância aos preceitos éticos. A maioria, cremos, atua de forma a honrar a profissão, ou seja, não há uma proporção que possa fazer dos advogados uma massa de pessoas sem moral e de comportamento duvidoso.
Para a minoria, contudo, defendemos uma punição mais rigorosa, a fim de não mais desonrar uma classe tão comprometida com a pacificação social. “Se está demonstrado que esses maus profissionais são poucos, deve-se investir mais no Tribunal de Ética e Disciplina, para que consiga, corrigindo-os ou afastando-os da entidade, dar à grande maioria e à sociedade a resposta aos seus justos anseios”. (Raul Haidar, advogado e conselheiro da OAB-SP)
5. Bibliografia
• Código de Ética e Disciplina da OAB;
• GIGLIO, Wagner D. Direito processual do Trabalho. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2005;
• Lei nº 8.906/94 – Estatuto da OAB;
• Lei nº 5.869/73 – Código de Processo Civil;
• COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002;
• REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 26ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002;
• Revista da ESMAPE. Vol. 2, nº 3. Jan./ Março de 1997;
• ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 7ª edição. São Paulo: Atlas, 2004.
Tacilene Dias Gouveia de Sales
Acadêmica de Direito da Universidade do Estado da Bahia – UNEBE-mail: tacilenejus@hotmail.com
Código da publicação: 837
Como citar o texto:
SALES, Tacilene Dias Gouveia de..Ética profissional e litigância de má fé. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 148. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhos-academicos/837/etica-profissional-litigancia-ma-fe. Acesso em 17 out. 2005.
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