Culpa sem crime
Se ao Direito Penal cabe limitar a atividade humana em sociedade, torna-se importante o estudo das condutas, bem como das relações por ela advindas. Nesse sentido, entende-se que as condutas apresentem-se em dois tipos: culposa ou dolosa. Enquanto por dolo associa-se a ação intencionada, a culpa associa-se às idéias de imperícia, negligência e imprudência. A importância destas definições dará suporte para o que se pretende ao desenrolar deste trabalho: é possível a existência da conduta culposa sem a existência do crime?
A pergunta, que aparentemente torna-se tola e de imediato receberá pela maioria a convicção da afirmativa, depara-se numa dificuldade de cunho lógico filosófico que é o objetivo principal destas linhas.
Seguindo um dos princípios do Direito Penal,o princípio da intervenção mínima, observa-se a limitação específica de interesse ao Direito Penal, nesse sentido pontua Nilo Batista, (NILO BATISTA, 2002) “A subsidiariedade do Direito Penal, que pressupõe sua fragmentariedade, deriva de sua consideração como “remédio sancionador extremo”, que deve ser ministrado apenas quando qualquer outro se revele ineficiente; sua intervenção se dá unicamente quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem jurídico predispostas por outros ramos do direito”, ou seja, nem todas as condutas estarão associadas ao direito penal, ainda que se observe culpa ou dolo.
Nesse pensamento, a dificuldade se estabelece aos que primeiro responderam afirmativamente a pergunta que inicia este trabalho, pois ainda que existam tais condutas culposas que não estejam associadas a idéia do crime, restará sempre a dúvida: tais condutas são da esfera do direito penal?
Como demonstrado pela palavra de Nilo Batista, o Direito penal será “convocado” apenas em situações específicas bem como quando os outros ramos do direito se mostrarem insuficientes, desta forma existiriam condutas culposas dissociadas do crime? Alguns argumentam que tais condutas culposas estariam melhor relacionadas à ética ou a moral, mas não ao direito penal.
Discordo dessa posição.
Penso que existam tais condutas culposas dissociadas do crime, pois ainda que o direito penal tenha sua atuação limitada a situações específicas (como remédio sancionador extremo), ele não se limita ao crime, mas se estende também às contravenções, para tanto cito o Decreto –lei n. 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), em seu art. 3º quando fala em dolo e culpa “para a existência da contravenção basta a ação ou omissão voluntária. Deve-se, todavia, ter em conta o dolo ou a culpa, se a lei faz depender, de um ou de outra, qualquer efeito jurídico”. Apesar destas serem idéias muito próximas, alcança-se uma leve distinção entre o crime e a contravenção no sentido da aplicação das penas, pois as contravenções são infrações “menos graves” e que recebem penas mais brandas. Sobre o tema, indica Bittencourt (BITTENCOURT, 2004) “ Com efeito, nosso ordenamento jurídico aplica a pena de prisão, para os crimes, sob as modalidades de detenção e reclusão, e, para as contravenções, quando for o caso, a de prisão simples (Decreto-lei n. 3.914/41). Assim o critério distintivo entre crime e contravenção é dado pela natureza da pena privativa de liberdade cominada”. Dessa forma, podemos associar uma conduta culposa que origina uma contravenção, separando pois, a necessidade obrigatória de que toda conduta culposa terá como conseqüência um crime culposo. A suposta dificuldade de cunho lógico-filosófico, pela desconfiança de atentar quanto a lógica natural dos fatos tem sua resposta devida e é totalmente dirimida, vez que da mesma forma que existe crime sem culpa, existe também culpa sem crime.
Bibliografia
BITENCOURT, Cezar Roberto – Tratado de Direito Penal : Volume 1 – 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
BATISTA, Nilo - Introdução Crítica ao Direito Penal brasileiro. 8 ed. São Paulo: Revan 1990
MIRABETE, Júlio Fabrini - Manual de Direito Penal. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003
(Texto criado em dezembro de 2005)
Milton Silva de Vasconcellos
Acadêmico de Direito da FABAC (Faculdade Baiana de Ciências).